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Autor: Fernando Nogueira da Costa

Fiz uma revisão em forma do meu livro “Economia em 10 Lições”, lançado há vinte anos. Transformei-o em livro eletrônico com Sumário em hiperlinks, para ser lido em tablet ou monitor, e consultado mais facilmente cada assunto de seus capítulos e tópicos. Baixe-o gratuitamente no final deste post.

Por exemplo, um cara de esquerda pergunta: o que foi a acumulação primitiva?

A resposta vem em seu diálogo com o livro. A palavra primitiva é usada nesse conceito no sentido de “pertencer à primeira era, período ou estágio”, isto é, de ser “originária e não derivada”. Em Economia, a acumulação primitiva refere-se ao período no qual se inicia a acumulação capitalista.

A acumulação foi “primitiva” não só porque foi prévia ao capitalismo, mas também porque foi assentada na violência, na força. Dependeu, especificamente, da violência do poder do Estado. A própria acumulação fundada na extração de mais-valia é violenta.

Mais-valia é um conceito fundamental da Economia Política marxista. Consiste no valor do trabalho não pago ao trabalhador, isto é, na exploração exercida pelos capitalistas sobre seus assalariados. Se estes trabalharem além de um determinado número de horas, estarão produzindo não apenas o valor socialmente necessário para a reprodução de sua força de trabalho – pago pelo capitalista sob forma de salário –, mas também um valor a mais, excedente, denominado por Marx de mais-valia.

O problema histórico da formação originária do capital é controverso. Segundo os economistas neoclássicos, os primeiros capitais teriam surgido da abstinência ou parcimônia. Trabalhadores frugais teriam reduzido seu consumo pessoal para poder aumentar seus recursos produtivos. Max Weber também nos fala da relação entre a ética protestante e o espírito do capitalismo.

Segundo o dogma da predestinação próprio do protestantismo, o homem não pode salvar a si mesmo com suas ações, apenas a graça de Deus pode salvá-lo. Assim, alguns são predestinados ao paraíso, outros não, sem se poder alterar a escolha divina. A prosperidade aqui, na terra, pode ser vista como um sinal de eleição ou ida ao paraíso.

Deve-se, então, tentar ganhar muito dinheiro. Se conseguir, será a prova da graça divina. No entanto, não se deve gastar esse dinheiro com os prazeres da vida mundana, pois isso seria pecado. Weber afirma daí se consolidar a ideologia originária do capitalismo: deve-se trabalhar, juntar riqueza, mas não dela usufruir. É lei divina. Virou, em página infeliz de nossa história, a Teologia da Prosperidade.

A acumulação primitiva de capital, para Karl Marx, foi uma genealogia de elementos capitalistas. Ele não reduz esse processo à expropriação do produtor direto, pois inclui a formação do capital-dinheiro. Desenvolveu-se a partir de:

  1. A concentração de grande massa de recursos – dinheiro, ouro, prata, terras, meios de produção – à disponibilidade de um pequeno número de proprietários;
  2. A formação de um grande contingente de indivíduos despossuídos de bens e obrigados a vender sua força de trabalho aos senhores de terra e donos de manufaturas.

Segundo Marx, o período de acumulação originária do capital, a partir do século XV, incluiu: a apropriação privada e expulsão dos camponeses de suas terras comunais; a ruína dos artesãos despojados de seus meios de produção; os lucros com a dívida pública; o protecionismo às manufaturas nacionais; o crédito usurário; a fraude comercial; o saque (inclusive de metais preciosos) das colônias; o tráfico de escravos.
Trata-se, portanto, de um processo de acumulação, em seu período de gênese histórica, ligado ao próprio movimento do capitalismo. Podem ser caracterizados três grandes momentos, entre 1550 e 1770:

  1. Séculos XIV e XV: crise do feudalismo, no qual há apenas a constituição de uma economia camponesa – para a constituição plena do capitalismo se exige a expropriação do camponês (a acumulação primitiva propriamente dita);
  2. Período manufatureiro: a manufatura, assentada sobre as mesmas bases técnicas do artesanato – cujos elementos fundamentais são, de um lado, a habilidade do trabalhador, de outro, a ferramenta –, o “pulveriza”, pois especializa o trabalhador em trabalhos parciais, para aumentar sua produtividade (Marx já se refere ao modo de produção capitalista);
  3. Revolução industrial: aparecimento das fábricas (grande indústria).

Para a constituição do mercado de trabalho, o Estado “obriga”, através de uma “legislação sanguinária” (descrita no capítulo XXIV de O Capital), o expropriado a vender sua força de trabalho. A expropriação do camponês é a base da acumulação primitiva, porque a constituição do capital-dinheiro (capital usurário e capital comercial) é incapaz de, por si só, promover o trabalhador livre. Mas a Revolução Financeira, ocorrida na Holanda do século XVII, foi um século antes da Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra.

O capital-dinheiro torna-se capital propriamente dito – uma relação social – só quando se confronta com o trabalhador livre, disponível para o contrato de assalariamento. Em última instância, a formação do capitalismo só ocorre depois da destruição dos laços de vassalagem e da expropriação dos camponeses.

A importância do capítulo da acumulação primitiva é mostrar a contraposição do conceito de acumulação no capitalismo plenamente desenvolvido e na sua gênese histórica. Nesta, a coação é extra econômica, através do poder do Estado. Naquele, a coação econômica é “surda”.
Na manufatura, ocorre ainda uma subordinação formal do trabalhador ao capital. Isso diz respeito à sua base técnica. Como vimos, ainda é estreita, semelhante à do artesanato. Assim, o trabalhador assalariado, na manufatura, permanece com a possibilidade de regredir à condição de artesão. Para impedi-lo, o salário é regulado por fatores extra econômicos, fundados no poder do Estado.

Logo, a manufatura é incapaz de destruir suas próprias bases: o artesanato e/ou a indústria doméstica-rural. Trata-se de uma concorrência ainda entre iguais, deixando de acontecer isso quando se desenvolve a grande indústria.

A manufatura subordina o trabalhador porque ele está despojado de propriedades, a não ser de sua habilidade pessoal. Na grande indústria, se subordina o trabalhador com o progresso técnico. Impossibilita-o a retornar ao artesanato.

Mas, para entender o capitalismo contemporâneo, a esquerda necessita compreender qual é a diferença entre capital e dívida. Para tanto, é esclarecedor partir do conceito de alavancagem financeira: a utilização de passivos onerosos na composição das fontes de financiamento possui efeitos no lucro por ação e no retorno do capital próprio, aumentando a rentabilidade patrimonial pelo aumento na escala dos negócios com o uso de recursos de terceiros, se as taxas de juros dos empréstimos não a esmagar.

Este é o segredo do negócio capitalista: usar capital de terceiros. O primeiro passo do capitalista para usar dinheiro de outras pessoas em benefício próprio é conseguir associados. Ele obtém o ganho do fundador do empreendimento ao oferecer participação acionária com divisão de lucros ou prejuízos e ficar responsável pela gestão.

No mercado de capitais, ele faz a abertura de capital, isto é, o lançamento primário (IPO) de parte minoritária com cotação atribuída por mercado de ações. Em seguida, toma dinheiro emprestado para fusões e aquisições, conseguindo a elevação do valor de mercado de sua empresa e o enriquecimento pessoal dos sócios.

Tentar analisar o capitalismo e deixar de lado capital e dívidas, ou seja, bancos e dinheiro, é como tentar analisar voos de pássaros e ignorar eles terem asas. Boa sorte!

Ah, mas os trabalhadores não têm um papel-chave para serem explorados com a extração da mais-valia? Na Era da Automação com robótica esta é uma pergunta capaz de inquietar a todos. Se o marxista dirige a questão ao livro “Economia em 10 Lições”, ele é respondido na Quinta Lição: Nível de Emprego e Mercado de Trabalho.

Essa Lição se baseia em um diálogo entre dois personagens: um sindicalista e um assessor sindical. Por uma questão de ordem, a pauta de discussão é assim estabelecida. Quais são as teorias da determinação do salário? Como se explica o desemprego? Como funciona o mercado de trabalho não-qualificado, em uma economia atrasada? Quais são os reflexos das transformações tecnológicas e econômico-financeiras recentes, no mundo do trabalho?