PREMIAÇÃO
Autora da resenha “O futuro da formação econômica brasileira”, a estudante do Instituto de Economia da Unicamp, Nuria Rodrigues, é a vencedora do concurso de resenhas Celso Furtado, realizado pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon) em parceria com a Associação Nacional de Cursos de Graduação em Ciências Econômicas (ANGE). A premiação foi divulgada no dia 14 de dezembro de 2020. Abaixo disponibilizamos a íntegra do trabalho premiado.
"Gostaria de agradecer especialmente aos professores Nelson Cantarino e Fábio Campos, por transformarem as disciplinas de Formação Econômica do Brasil e Economia Brasileira Contemporânea em um divisor de águas de significado maior para o aprendizado e formação dos alunos do Instituto e a Coordenadora Adriana Nunes, pelo apoio e motivação sempre!", explicou Nuria.
O futuro da formação econômica brasileira
Ao longo de toda sua vida e obra, Celso Furtado buscou compreender o Brasil e suas especificidades, se tornando um pensador fundamental para a interpretação do subdesenvolvimento. O livro Formação Econômica do Brasil (1959) é uma marca de seu olhar atento à análise da história econômica brasileira e um alicerce para todos que almejam entender o país.
Para adentrar na leitura de Formação Econômica do Brasil (1959) é preciso ter em mente que faz parte da teoria econômica de Furtado a aplicação de princípios gerais compreendidos à luz da historicidade. Deste modo, o livro legitima o estruturalismo cepalino ao orientar-se em busca de respostas para as trajetórias do subdesenvolvimento dentro das estruturas que perpassam o processo de formação do Brasil.
Furtado analisa a sucessão de ciclos da economia brasileira e abre novos caminhos para a interpretação do subdesenvolvimento ao encontrar os mecanismos econômicos inerentes a cada ciclo que o reproduzem: a baixa diversidade produtiva e a heterogeneidade social. Para esta constatação, observou-se o fluxo de renda e a disputa pelo excedente, as mudanças nas formas de trabalho, a relação entre produtividade e demanda e as assimetrias sociais criadas e perpetuadas ao longo dos ciclos.
Inicialmente, ao observar o ciclo da cana de açúcar, Furtado indica como este ciclo não conseguiu gerar estímulos para diversificar a produção de outros setores. A chamada “economia de subsistência”, compreendida como economia de baixa produtividade criada paralelamente ao ciclo, é mais um fator que dificulta a diversificação da produção. Ademais, o fato dos lucros da produção serem a única renda monetária, uma vez que o trabalho se dava a partir da mão de obra escravizada, intensificava o engessamento da circulação da renda que em boa parte escoava para as economias centrais.
Após o declínio da economia açucareira, o ciclo minerador também foi movido pela demanda externa. Em decorrência da curta duração e baixa capacitação técnica, segundo Furtado, o desenvolvimento do mercado interno foi inibido e a população foi absorvida novamente pela “economia de subsistência”.
O terceiro ciclo exportador, o ciclo do café, foi um período marcado pelo ínicio da República e término progressivo do tráfico de escravos. A disponibilidade de divisas internacionais geradas pela exportação do café foi em boa parte destinada para o pagamento de bens de consumo importados, ainda que para uma minoria da população. Os salários e o consumo de bens no mercado interno ativaram o mecanismo multiplicador, gerando dinâmica da renda e estímulo para atividades urbanas. Com a Grande Depressão e a queda da demanda externa, a intervenção do Estado para assegurar os preços do café é colocada por Furtado como uma medida que evitou a redução drástica da renda.
Posteriormente, o processo de industrialização surgiu como uma resposta às restrições da capacidade de importação em conjunto com a reconfiguração da estrutura de oferta produtiva brasileira. Um aspecto fundamental deste processo foi sua tendência ao desequilíbrio e à inflação. Vale destacar a descontinuidade estrutural interna, o pequeno mercado diante das economias de escala no exterior e a pressão pelo processo de substituição de importações como problemas para completar etapas da transformação social e econômica, mantendo-se a dualidade entre modernização e marginalização consubstanciada na heterogeneidade social. Essa dualidade diversifica o padrão de consumo de uma minoria, mas compromete a melhora nas condições de vida da sociedade como um todo.
Furtado encerra seu livro reforçando a emergência da integração regional dos recursos nacionais ao colocar em perspectiva um Brasil que deve enfrentar suas desigualdades internas e promover um desenvolvimento a partir de suas especificidades, buscando um projeto nacional baseado na autonomia tecnológica e na soberania popular.
Passadas as primeiras duas décadas do século XXI, para o qual Furtado ensejava um projeto nacional que reproduzisse o desenvolvimento, talvez ele não conseguiria imaginar um cenário tão desafiador. A crise de formação do Brasil como nação em seu sentido mais intrínseco, na preservação de vidas em seu território, perpassa atualmente tensões estruturais apontadas por Furtado e que devem ser enfrentadas por um projeto de desenvolvimento a partir da mobilização democrática daqueles que conhecem a realidade do país e mais precisam transformá-la para o futuro: a população.