O ano de 2018 foi especial para a comunidade do Instituto de Economia da Unicamp. Além da celebração dos 50 anos da instituição, o IE recebeu algum dos mais importes prêmios nacionais de economia e ensino. Para fechar o ano anunciamos que a dissertação de mestrado “Estado e Desenvolvimento: a indústria de semicondutores no Brasil", da economista Flavia Filippin, foi vencedora do prêmio BNDES de Economia 2018.
Em sua pesquisa, Flávia constatou que coube a uma burocracia intermediária e estável do governo federal o papel de incentivar e demandar políticas específicas para o desenvolvimento da indústria de semicondutores no Brasil. Para a pesquisadora da Unicamp, o caso pode ser representativo de como uma política industrial é feita, na prática, no país: muito por conta da iniciativa de burocratas de órgãos ligados ao desenvolvimento econômico que fazem o trabalho de convencimento das instâncias superiores, atividade acompanhada por um processo de aprendizado e análise crítica dos resultados.
“Foi a burocracia governamental que formou uma ‘massa crítica’ no caso da indústria de semicondutores. Foram agentes públicos ligados a diversos órgãos do governo federal que carregaram a bandeira do setor e defenderam os seus interesses, quando o setor ainda nem existia. E se isso deu resultado para a indústria de semicondutores, pode ser que alavancar o desenvolvimento de toda a indústria brasileira passe por reforçar a atuação desta burocracia dentro da institucionalidade brasileira”, sugere a autora.
O estudo foi orientado pelo professor André Martins Biancarelli, que atua no Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon) do IE. Houve coorientação dos docentes Jacobus Willibrordus Swart, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC); e Marcos José Barbieri Ferreira, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA).
Instituído em 1977, o Prêmio BNDES de Economia é promovido anualmente e visa estimular a pesquisa no campo da Ciência Econômica Pura e Aplicada segundo a perspectiva nacional, regional ou setorial.
A tese está disponível no Repositório Institucional da Unicamp (aqui).
Abaixo leia uma entrevista com a economista que tratou do prêmio, o tema da tese, de sua passagem pelo Instituto de Economia e do doutorado em andamento no instituto UNU-MERIT na Universidade de Maastricht, Países Baixos.
Flávia, a que em sua pesquisa você credita a conquista do Prêmio BNDES?
Acredito que houve três fatores importantes. Em primeiro lugar, eu tentei estudar o tema escolhido (a política de incentivos a indústria de semicondutores no Brasil) a fundo, investigar todos os aspectos do tema. Isso nem sempre é possível e um dos grandes desafios de escrever uma dissertação ou tese é justamente como delimitar o tema e onde encerrar a pesquisa. Mas no meu caso era viável e acho que, consequentemente, a minha dissertação acabou contando uma boa história. Em segundo lugar, eu escolhi não apenas um tema que eu considerava interessante e motivador, mas também métodos interessantes, de forma que o trabalho em si me motivava a continuar trabalhando. Por fim, acho que ter escolhido métodos um pouco inusitados (por exemplo, entrevistas e pesquisa histórica) fez o meu trabalho se destacar.
Quais as principais descobertas e avaliações que você fez sobre o estudo que realizou?
A descoberta mais interessante que eu fiz ao longo da minha pesquisa foi em relação ao papel desempenhado pelos funcionários públicos de carreira (que eu chamo, na dissertação, de burocracia intermediária) na construção da política de incentivo a indústria de semicondutores. Inicialmente, eu acreditava que a iniciativa tinha partido dos quadros políticos do governo, fossem eles os governantes eleitos ou os quadros indicados para assumir a chefia dos ministérios e secretarias. No entanto, ao longo da pesquisa, fui percebendo que a iniciativa partiu dos quadros permanentes do poder executivo. Foram funcionários do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, do BNDES e de alguns outros órgãos federais que, ao dialogarem com o setor privado, perceberam a necessidade de se incentivar a indústria de semicondutores. A partir disso, eles contrataram extensos estudos sobre o setor e construíram uma série de propostas de políticas de incentivo. Com as propostas em mãos, eles foram estão buscar o necessário apoio político para implementa-las. No entanto, o fato de a iniciativa não ter partido dos quadros políticos tem desvantagens também, porque houve momentos em que a política de incentivo a indústria de semicondutores perdeu espaço e apoio político, de forma que os seus proponentes necessitavam advogar em favor dela constantemente.
Qual a importância pessoal e profissional de avançar nos estudos em uma universidade no exterior?
Seja no Brasil ou no exterior, eu acredito que trocar de ambiente de tempos em tempos é importante para sair da zona de conforto e se expor a ideias novas. Foi o que eu fiz quando fui da graduação na UFRGS para o mestrado na Unicamp e eu acho que ter dado esse passo me fez crescer muito, tanto profissionalmente quanto pessoalmente. Então era natural para mim fazer o mesmo no doutorado.
E estudar no exterior tem ainda outras vantagens. Uma delas é perceber, por exemplo, que as universidades no Brasil são tão boas quanto as universidades na Europa em vários aspectos como, por exemplo, a qualidade do ensino. E são até melhores em alguns deles como, por exemplo, a estrutura hierárquica e a relação entre professores e alunos. Outra vantagem é ter a oportunidade de viver em uma sociedade completamente diferente e de perceber que aqueles sonhos distantes de uma sociedade mais progressista e tolerante são possíveis.
Ter estudado no Instituto de Economia da Unicamp explica algo sobre sua abordagem na tese e a escolha do doutorado? No que tem ajudado?
O IE teve um grande impacto na minha formação e na forma como eu vejo o mundo, então com certeza influenciou a minha decisão de vir fazer doutorado no UNU-MERIT, uma das principais escolas heterodoxas de economia na Europa. E influencia cotidianamente a minha pesquisa, na medida em que eu me vejo incapaz de ignorar o contexto do meu objeto de estudo e as forças não econômicas que estão em jogo.