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Autor: Fernando Nogueira da Costa

Eu aproveitei o mês de maio, em quarentena, para ler livros “na fila”, estudar áreas de conhecimento fora da minha especialidade, pesquisar dados dos relatórios do Banco Central do Brasil e do IBGE, resenhar o debate público em torno da adoção de uma nova política econômica com a política monetária coordenada com a política fiscal. Resultou em um livro eletrônico de 315 páginas. Faça seu download no fim deste artigo.

Este livro se compõe de cinco capítulos. Inicialmente, planejei outra narrativa. Como os planejadores não são perfeitos, na revisão, percebi seus temas atenderem outro plano: buscar criatividade com a mistura transdisciplinar. Não à toa, cada um dos cincos capítulos é referente a uma área de conhecimento necessária para entender a complexidade sistêmica: Sociologia, Política, Psicologia, Finanças e Economia.

Fiz uma releitura, questionando cada uma dessas áreas a partir da ausência de atores-chave em suas narrativas. Entre os Indivíduos e a Sociedade, onde se colocam o Mercado e o Estado? Entre o Liberalismo de Esquerda e o Neoliberalismo, onde se coloca a Comunidade? Entre a Psicologia e o Dinheiro, onde se colocam a Sociedade e o Sistema Financeiro? Entre as finanças e o mercado de bens e serviços, como se coloca a sociedade brasileira? Entre as Finanças Públicas e as Finanças Corporativas, onde se colocam as Finanças Pessoais?

O primeiro capítulo, com base na leitura de uma obra clássica da Sociologia, o livro “A Sociedade dos Indivíduos” (1939) de autoria de Norbert Elias, mostra a diferença entre Sociedade, composta por Indivíduos, e Mercado. É comum, no debate ideológico vulgar, o reducionismo da antinomia básica ao confronto entre O Mercado e O Estado. Esquecem de existir A Comunidade. Em companhia de dois, três já são complexidade.

O segundo capítulo, com base na leitura de um livro clássico da Filosofia Política de autoria de José Guilherme Merquior, “O Liberalismo: Antigo e Moderno” (1989), resume os diferentes liberalismos existentes ao longo da história, desde o Iluminismo, e em distintos lugares. Por exemplo, a esquerda norte-americana se apresenta como defensora do liberalismo igualitário, enquanto a esquerda europeia influente sobre a latino-americana, de maneira contumaz, critica o neoliberalismo de direita. Pior, aqui, pseudos intelectuais, louvadores do ultraliberalismo da Escola Austríaca de pensamento econômico se aliam politicamente a militares autoritários e seus militantes neofascistas.

Afinal, quais são as preocupações liberais mais tradicionais? Proteger a privacidade, limitar o poder do Estado e garantir direitos individuais são bandeiras-de-luta não apenas dessa ideologia, mas de todos os cidadãos civilizados. Os liberais autênticos defendem: “a liberdade de pensamento não é feita para aqueles com os quais concordamos, mas para a liberdade do pensamento odiado por nós”. Mas fazem uma distinção entre a defesa genérica de ideias odiosas ou contrárias à lei e o discurso capaz de levar claramente a uma ação iminente e ilícita.

O terceiro capítulo, inicialmente, com base na leitura de um livro sobre Finanças Comportamentais, “Psicologia do Dinheiro” (2019), de coautoria de Dan Ariely e Jeff Kreisler, busca mostrar como os indivíduos livres nos planejamentos de sua vida financeira cometem erros recorrentemente. Pior, quando adotam um comportamento mimético, imitando uns aos outros na aposta em uma tendência aparentemente firme de alta de cotações, típica de profecia autorrealizável, acabam gerando uma crise sistêmica com dano social.

O Princípio do Dano foi descrito por John Stuart Mill em “Sobre a Liberdade” (1859): “o único propósito pelo qual o poder pode ser exercido legitimamente sobre um membro de uma comunidade civilizada, contra a vontade dele, é impedir outros sofrerem danos ou serem prejudicados por sua atitude individualista.”

Cabe impedir outros sofrerem danos ou serem prejudicados por atitudes irracionais de indivíduos, em mercado de capitais, inclusive indo contra o próprio interesse? As autoridades devem atuar, preventivamente, dando um “empurrãozinho” (nudge) para a escolha certa? Ou o melhor para a sociedade é sempre o negociado, voluntária e livremente, entre os indivíduos irracionais no mercado?

No terceiro capítulo apresentei também, brevemente, a complexidade do sistema financeiro. Neles estão inseridos de maneira voluntária todos os indivíduos “bancarizados” com suas distintas psicologias econômicas. Essa reunião é explicada, didaticamente, por Jean Tirole em seu livro “Economia do Bem Público” (2020).

A alavancagem financeira é essencial para a economia capitalista. Caso contrário, bastaria proibir o financiamento, salvando-nos de crises periódicas, seguidas de resgates no sistema financeiro.

Hyman Minsky apontou a instabilidade inerente às instituições financeiras. A aceleração do endividamento, motivada pela busca de maior rentabilidade patrimonial com ganho de escala no processo de fusões e aquisições dos concorrentes, reverte-se depois do boom, auge e crash, com súbita tendência à queda dos preços dos ativos.

Inicia-se a retração na fase de desalavancagem financeira. Este é o tema do quarto capítulo, tratado em menor grau de abstração como Economia Aplicada ao estudo do caso brasileiro na atualidade.

Levantei oito hipóteses para decifrar o fenômeno dos juros baixos, típico da transição no ciclo de endividamento da fase de desalavancagem financeira para a fase de “empurrar corda”. As classes ricas estão poupando mais em vez de consumir ou investir na produção de bens e serviços geradores de emprego devido a:

1. o aumento da longevidade humana pela maior expectativa de vida;
2. o aumento da desigualdade social na “sociedade dos executivos” com bônus e stock options leva-os a especular em mercado de ativos existentes (ações, imóveis, divisas estrangeiras, etc.) – e não investir em ativos novos;
3. a redução da produtividade global a torna incapaz de garantir emprego e remunerar bem tanto a massa de trabalhadores quanto seus empregadores, levando à queda dos juros para contrabalançar a queda do incentivo a investir na expansão da capacidade produtiva;
4. a fuga de capital da periferia leva ao repatriamento de capital em crescente demanda por ativos seguros, como os títulos de dívida do Tesouro norte-americano, elevando seus preços e diminuindo seus juros efetivos;
5. as mudanças nas estruturas produtivas de construção de fabricas e aquisição de máquinas para serviços digitais ou eletrônicos como os da FAANG (Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google) exigem menos capital e dívida;
6. a Quarta Revolução Tecnológica não estar conseguindo superar a “estagnação secular”, porque a tecnologia da informação (TI) não deu ainda um avanço à produtividade total de fatores similar ao das invenções produzidas nas demais Revoluções Industriais;
7. a ausência da pressão inflacionária, por conta de queda de preços, devido à maior competição provocada por ferramentas digitais e pelas facilidades do e-commerce, leva o juro básico a não ser elevado pela Autoridade Monetária;
8. o fenômeno de baixo crescimento econômico e elevada poupança levou a uma “estagnação secular”, onde o crescente superávit das poupanças dos 10% ricos foi acompanhado pela crescente “poupança negativa” ou o consumo superior à renda via endividamento dos 90% mais pobres – testei essa hipótese no estudo do caso brasileiro.

Tradicionalmente, indaga-se: os gastos públicos devem ser financiados por impostos ou endividamento? No quinto capítulo, reformulei a pergunta: e se o governo, em lugar de financiar seu gasto com arrecadação fiscal ou dívida pública, optar por financiamento monetário do déficit tributário?

Resenhei o debate público brasileiro sobre a política econômica necessária para enfrentar a atual Grande Depressão. Comentei tanto artigos dos liberais-conservadores publicados na grande imprensa, quanto dos liberais-igualitários de esquerda publicados geralmente nos sites e blogs progressistas.

Na conclusão, esbocei uma proposta de retomada do crescimento e distribuição mais igualitária da renda após o uso da política monetária expansiva em curto prazo para financiamento do gasto público. Embora sejam imperfeitos, mercados e planejadores podem atuar em conjunto em um programa bem delineado para não repetir erros do passado, seja a volta do velho dirigismo com controle central do Estado, seja a manutenção do fundamentalismo de mercado com exclusão social.

São necessárias reformas no planejamento e na concorrência de mercado, isto sem falar na necessidade de superar as intolerâncias ideológicas impeditivas de um debate público plural e democrático. Sem ele, “jogou-se fora o bebê junto com a água do banho”, isto é, abandonou-se o projeto nacional de desenvolvimento socioeconômico.

Ele propiciou o Brasil ter o maior crescimento do PIB no mundo, do pós-guerra até 1980, e se tornar uma das quatro maiores economias emergentes. Porém, “perdeu o bonde-da-história” na Era Neoliberal com praticamente quatro décadas perdidas com baixo crescimento médio anual.