Autor: Fernando Nogueira da Costa
Todo dia O sol da manhã vem e lhes desafia Traz do sonho pro mundo Quem já não queria Palafitas, trapiches, farrapos Filhos da mesma agonia, ô E a cidade Que tem braços abertos num cartão postal Com os punhos fechados da vida real |
Lhe nega oportunidades Mostra a face dura do mal, ô Alagados, Trenchtown, Favela da Maré A esperança não vem do mar Nem das antenas de TV A arte de viver da fé Só não se sabe fé em quê A arte de viver da fé Só não se sabe fé em quê |
(Os Paralamas do Sucesso) |
Sérgio Buarque de Holanda, em "Raízes do Brasil", aponta como a autoridade do patriarca extrapolava a esfera doméstica, estendendo-se ao domínio público. O comportamento patriarcal e personalista, enraizado na sociedade, dificultava o estabelecimento de um Estado democrático e a impessoalidade nas relações públicas, especialmente quando se tratava de transações monetárias.
Após a abolição tardia da escravidão, esperava-se que os trabalhadores livres trocassem sua força de trabalho por dinheiro. No entanto, práticas como a troca de favores clientelistas e a protelação de pagamentos persistiram por anos no Brasil. O meeiro, por exemplo, dedicava-se ao trabalho e dividia o resultado da produção com o dono da terra, numa relação pré-capitalista onde o dinheiro raramente circulava.
Subjugado pela doutrina católica, que criticava a usura, o brasileiro despossuído era ludibriado por promessas vazias de relações baseadas em simpatia, em vez da impessoalidade do dinheiro. A verdadeira evolução seria alcançada com o acesso a empréstimos bancários para pagamento de salários em relações contratuais impessoais, onde o trabalho é trocado por dinheiro.
As relações interpessoais, tratadas como favores e não obrigações, dificultam a construção de uma sociedade mais racional e menos emocional no Brasil. A demanda por remunerações justas em dinheiro é essencial para que os trabalhadores possam planejar suas finanças, adquirir segurança, comprar moradia, complementar a previdência e planejar a sucessão patrimonial.
O personalismo também impediu a formação de associações autônomas voltadas para objetivos comuns e estigmatizou o trabalho manual, favorecendo o predomínio de relações pessoais afetivas em detrimento da impessoalidade profissional. A exploração rural escravista limitou o desenvolvimento urbano e das organizações de artesãos livres.
Com o desenvolvimento dos serviços urbanos-industriais após a Segunda Guerra Mundial e a imposição de direitos trabalhistas, a mão de obra foi deslocada do campo para as cidades. A falta de crédito bancário para pagamento de salários refletia a dificuldade de expansão de empreendimentos nacionais através de alavancagem financeira.
Superando a fase de industrialização e enfrentando a desindustrialização, a economia brasileira recuou no ranking global do PIB. O crescimento populacional, concentrado nas cidades, levou à predominância do setor de serviços, de baixa produtividade, mas fundamental para a economia do país.
Este livro propõe uma revisão da realidade socioeconômica brasileira, destacando a migração do campo para a cidade sem a devida reforma agrária e a subsequente desindustrialização como fatores críticos para a atual conjuntura. A dificuldade de geração de empregos formais bem remunerados no setor de serviços, agravada pela falta de educação de qualidade, desafia as gerações futuras a encontrar novas oportunidades de trabalho digno.