Autor: Fernando Nogueira da Costa
Ver se a vida é tão difícil “como se pinta” é a motivação para organizar este livro. Ao enfrentar o desafio de fazer leituras e resenhas de muitos livros de não ficção contemporâneos, o conhecimento adquirido a respeito da transição vivenciada na atual crise mundial nos permite viver senão melhor pelo menos mais consciente de nosso papel social.
As narrativas econômicas e a visibilidade das metáforas prevalecem nas mentes. Humanos são contadores de estórias. O cérebro humano recorre às narrativas para tomar decisões. Pretendemos neste livro recuperar algumas delas, recentemente memoráveis.
Interpretar para transformar. Hoje, com a maior produtividade resultante da nova revolução tecnológica, o mundo se depara com a oportunidade de adotar um novo modo de produção e de vida. Este poderá ter menor jornada semanal de trabalho alienante e maior tempo para trabalho criativo, para compensar o maior ciclo de vida profissional ativa.
Este é o propósito de organizar e sintetizar essas narrativas publicadas sobre a atual crise mundial em transição histórica: colaborar para a tomada de consciência a respeito de o que se passa no mundo. Aparentemente, ele está muito conturbado.
O título inicial deste livro veio da sentença: “A vida é difícil. Lide com isso.” Pensando um pouco mais (e melhor), coloquei-me a dúvida sobre o verbo. “Ser” expressa o predicado de apresentar-se em determinada condição ou situação, permanente ou temporária. Daí surgiu a minha dúvida: a vida é difícil ou está difícil?
Se é, ela é permanentemente difícil. Mas já tivemos, socialmente, tempos de bonança com relativa calma, especialmente após um período terrível como a II Guerra Mundial. A época do “baby boom” foi a da minha geração, nascida em seguida. Foi uma fase próspera, a da sociedade afluente. Este adjetivo designou o produtor e o consumidor materialmente mais ricos.
Com o predomínio da socialdemocracia e do Estado de Bem-Estar Social, nos países avançados, houve a massificação do Ensino Superior, do financiamento habitacional e do crédito ao consumidor. A emergência da classe média de renda parecia leva-la até o “paraíso do consumo” para lá ficar de modo permanente. Prometia-se também: “a classe operária vai ao paraíso”.
Nos países atrasados ou subdesenvolvidos, a “american way of life” era o modelo de felicidade mundana. O pacto social era a expansão do capitalismo espraiar empregos para todo o mundo. Os gastos dos capitalistas determinariam a oferta de empregos, além, é claro, o que eles mesmo ganhariam. Os trabalhadores gastariam todo seu ganho. Teriam de se capacitar, profissionalmente, para haver alguma sobra de renda do trabalho intelectual para o investimento financeiro.
O problema veio, porém, quando se rompeu esse pacto. Constatou-se a oferta e a demanda por empregos serem independentes. Raramente houve o pleno emprego para todo o mundo mesmo com a globalização do capitalismo.
O verbo “ser” se aplica em sentido absoluto, sem atribuir nuances ou colocar em relação determinada com outras épocas. A vida, no entanto, é complexa. Emerge das interações entre os entes materiais e as entidades ideais ou abstratas do universo. O passado inclui tudo o que foi, e o futuro, tudo o que será. O presente não é para sempre.
Por isso, a vida está difícil. Mas ela pode ter sua essência conhecível graças ao pensamento. Este livro versa sobre o que é: um componente de um sistema complexo interativo com os demais. Para os empiristas, só aquilo experimentado por nós realmente é. Os normativos imaginam o que poderia ser.
Então, troquei o verbo “ser” na sentença do título por seu caráter absoluto, sem especificação ou delimitação de tempo, espaço ou circunstância. Ao adotar o verbo “estar” sugiro a vida encontrar-se, em certo momento ou lugar, transitoriamente, difícil. Reconheço estarmos em uma fase de transição histórica, em uma dependência de trajetória caótica, quando nos afastamos das condições iniciais sem saber ainda para onde iremos. Mas estamos passando também um ciclo adverso recessivo, depois de um ciclo expansivo e antes da retomada do crescimento sustentado.