Autores: Dalila Andrade Oliveira e Marcio Pochmann
A recessão econômica instalada em 2020 tornou-se uma das mais graves na história do capitalismo brasileiro. Ainda que a crise sanitária imposta pela pandemia da COVID-19 tenha impactado decisivamente em praticamente todo o mundo, o país deu mostras que já havia ingressado o ano na condição do decrescimento no conjunto das atividades produtivas, bem antes, portanto, do começo da disseminação viral.
Em 2019, por exemplo, a desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) foi registrada, com variação inferior aos dois últimos anos. Com isso, o Brasil fechou os anos de 2010 como a primeira década perdida do ponto de vista econômico.
Se confirmada para 2020 a contração econômica prevista para ser acima de 5%, o próximo ano começará com o PIB equivalente a 90% do registrado em 2014, último ano antes da recessão que se alastrou entre 2015 e 2016. Em não rompendo com o normal expansivo da produção brasileira ao redor de 1% ao ano contabilizado entre 2017 e 2019, o país poderá alcançar o patamar do PIB de 2014 somente em 2030, o que revelaria uma segunda década perdida consecutiva do ponto de vista econômico.
Após meio século de notável expansão em sua estrutura produtiva entre 1930 e 1970 e o avanço na sociedade urbana e industrial, o país acumulou duas décadas perdidas (1980 e 2010) e três recessões nos últimos quarenta anos marcados, pela desindustrialização e reprimarização de sua inserção na Divisão Internacional do Trabalho. Justamente nesse cenário caracterizado pelo declínio da presença brasileira no mundo, que passou de 3,2% do PIB global, em 1980, para 2% em 2019, que acontece a transição antecipada para a sociedade de serviços.
Em função disso, o mundo do labor que outrora se encontrava configurado pelo movimento de estruturação do mercado de trabalho passou a se mover pela nova via da sociedade pós-industrial.
Diferentemente da perspectiva positiva ideologizada pelos defensores do capital, a realidade da classe trabalhadora tem sido, em geral, rebaixada por condições de vida mais instáveis e o distanciamento da mobilidade de ascensão social.
Nas atuais condições do predomínio do trabalho imaterial, o Brasil vem, nos últimos anos, reproduzindo ocupações que, ademais de insuficientes para toda a classe trabalhadora, apresentam-se crescentemente instáveis e precárias. Dessa forma e, sobretudo, se comparado com as três anteriores verificadas desde a década de 1980, observa-se o conjunto de impactos significativos e não homogêneos sobre a estrutura ocupacional do país.
Apesar das diferenças entre os segmentos laborais, a realidade mostra-se cada vez mais comum diante da relação constante com o desemprego, a subocupação, a instabilidade do rendimento e a perda de representação e direitos sociais e trabalhistas. Diante disso, o presente livro busca trazer a lume a marcha da devastação do trabalho no Brasil, especialmente quando a crise pandêmica da COVID-19 revela as entranhas do receituário neoliberal pelas quais a classe do labor sofre e procura reagir à superexploração capitalista.
Neste início da terceira década do século XX, a realidade laboral é apresentada a seguir, partindo justamente da sistematização mais geral do conhecimento a respeito do mundo do trabalho.
Para tanto, as ricas contribuições advindas tanto de Artur Henrique S. Santos e Kjeld A. Jakobsen como de Marcio Pochmann tratam da perspectiva dos trabalhadores diante do questionamento da globalização e da regressão recente da situação brasileira.
Na sequência, quatro importantes contribuições oferecem abordagem instigante e articulada em torno dos principais aspectos que compõem o que ainda resta do sistema corporativo de relações de trabalho fortemente combativo pelos governos neoliberais. Pelas mãos de Anderson de S. Campos, de Camila Yuri Santana Ikuta, Luís Augusto Ribeiro da Costa, José Silvestre Prado de Oliveira e Victor Gnecco Soares Pagan, de Carolina De Prá Camporez Buarque e Tadeu Henrique Lopes da Cunha e de Luiz Philippe Vieira de Mello Filho e Renata Queiroz Dutra, o leitor encontra a reflexão sobre a atualidade da pandemia da COVID-19 no sindicalismo brasileiro, nas negociações coletivas de trabalho e na atuação do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho, respectivamente.
Por fim e não menos importante, as reflexões especiais contemplam aprofundadamente segmentos laboriosos específicos do Brasil. A amostra adequada e consistente do mundo do trabalho é revelada nas significativas contribuições de Maria Aparecida Bridi (teletrabalho), de Dalila Andrade Oliveira e Edmilson Pereira Junior (trabalho docente), de Bárbara Vallejos Vazquez, Cátia Uehara, Gustavo Machado Cavarzan e Vivian Machado Rodrigues (trabalhadores bancários), de Ludmila Costhek Abílio (motoboy e entregadores uberizados), de Natália Leão, Renata Moreno, Giulliana Bianconi, Marília Ferrari, Helena Zelic e Thandara Santo (trabalho e vida das mulheres) e de Cesar Sanson, Luana Junqueira Dias Myrrha e Moema Hofstaetter (trabalhadores de turismo).
A reunião deste conjunto de excelentes contribuições resultou do esforço intelectual coletivo de quase três dezenas de estudiosos, pesquisadores e gestores públicos que procuraram desvendar o movimento geral da devastação do trabalho imposto pelo neoliberalismo no Brasil e aprofundado pela pandemia da COVID-19. Isso não teria sido possível sem o apoio desta coedição
pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais (GESTRADO/UFMG).
Ótima leitura!
Organizadores