Ricardo Carneiro e Bruno Moretti | Le Monde Diplomatique
Num país assolado por uma pandemia sem precedentes, cujo número de mortos já ultrapassa 400 mil, associada a uma situação social sem paralelo, no qual o desemprego, o subemprego e a informalidade atingem recordes históricos, o governo Bolsonaro retomou o programa emergencial em patamares insuficientes, a pretexto da inexistência de recursos fiscais para financiá-lo. Arguindo a observância das regras fiscais, que sempre desrespeita quando lhe é conveniente, como por exemplo no espetáculo de fisiologismo explícito que constitui o orçamento de 2021, propôs e aprovou um programa de auxílio emergencial para 2021 que constitui menos de um quinto do vigente em 2020, não só com valores mais baixos como também com menor cobertura, excluindo cerca de 20 milhões de pessoas em relação à primeira versão. Na contramão do que pensa e faz o governo, este artigo propõe-se a demonstrar que é possível financiar a baixo custo e com efeitos positivos sobre a situação fiscal, um programa robusto, tanto para um maior número de pessoas como com maior remuneração.
Discutir formas não convencionais de financiamento de gastos públicos emergenciais, por meio da emissão monetária, supõe o abandono provisório de regras monetário-fiscais vigentes, inscritas na Constituição, algumas das quais deveriam ser mantidas, enquanto outras deveriam ser revistas e substituídas definitivamente. Emergencialmente, seria necessário remover a trava constitucional que limita a R$ 44 bilhões o valor do auxílio emergencial que pode ser executado fora das regras fiscais restritivas. Também é importante observar eventuais implicações desse financiamento, para além do momento imediato, sobre déficits, dívidas e crescimento. Ademais há que se considerar a particular institucionalidade sob a qual opera o regime monetário e fiscal brasileiro. Por essas razões, cabe tecer algumas considerações, mesmo que genéricas, sobre a concepção de dinheiro que anima os autores deste artigo, afinal é também sobre esse assunto que ele trata.
O dinheiro possui uma dupla dimensão numa economia capitalista. De um lado, ele é renda para o trabalhador, de outro, riqueza para investidores e empresários. O trabalhador enxerga no dinheiro do qual possui apenas uma posse transitória, o conjunto de bens e serviços que constitui a sua cesta de consumo. É necessário que, periodicamente, ou empresários ou o Estado lhe pague salários ou benefícios para que acesse temporariamente o dinheiro que lhe servirá de meio de pagamento. Já para o empresário ou investidor, o dinheiro é a riqueza na sua forma abstrata, à qual tem acesso de forma permanente, não para satisfazer necessidades de consumo, mas para transformar em mais dinheiro no processo de acumulação de capital. Ele constitui ou um caminho para outras formas de riqueza – ações, títulos, imóveis, fábricas – ou a expressão geral e líquida dessa riqueza na forma monetária.
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