Ricardo Carneiro | Carta Capital

 

A mais recente crise argentina, na qual sobressaem aspectos domésticos de disputa entre grupos que apoiam o governo – em particular, aqueles alinhados respectivamente ao presidente Alberto Fernandez e à vice-presidente Cristina Kirchner – é apenas a manifestação de problemas muito mais profundos e de difícil equacionamento. Pretender que haja uma solução fácil para a situação econômica da Argentina e que se trate apenas da orientação da política econômica é um equívoco.

Para ficar apenas no período recente, pós-2010, dois governos de orientação e bases de sustentação distintas, o de Cristina Kirchner e o de Mauricio Macri, se alternaram no poder com propostas de política econômica radicalmente distintas; ambas não tiveram sucesso e conduziram a derrotas subsequentes nas urnas. A coalizão peronista de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner, que derrotou Maurício Macri após a crise que se instalou no país durante o seu governo entre 2017 e 2019, terminou por entrar em conflagração, pela disputa relativa à política econômica. A opção por um regime, em tese, menos ortodoxo, defendido pelos kirchneristas em princípio, não garante melhores resultados no quadro de restrições estruturais sob qual vive a Argentina. Ademais, o seu fracasso dará azo à volta dos conservadores ao poder e desta feita, como veiculado frequentemente por grupos empresariais, com propostas muito mais radicais de organização da economia.

No quadro das restrições estruturais sob as quais opera a economia argentina, cabe destacar em primeiro plano, a restrição externa. A escassez de divisas sempre foi um obstáculo importante ao funcionamento e crescimento das economias periféricas, mas foi magnificada na globalização. A periferia, após sucessivas crises cambiais, nos anos 1990, enfrentou essa restrição por meio do acúmulo de reservas em divisas e pela abertura financeira, conseguindo mitigar, mas não eliminar, o impacto dos ciclos de liquidez originados nos países centrais. A Argentina está completamente desaparelhada para enfrentar os percalços da globalização; não tem reservas em divisas e está excluída do mercado de capitais internacional por conta dos sucessivos defaults. O seu financiamento externo depende exclusivamente dos fluxos de capitais públicos como o dos bancos multilaterais, aportes bilaterais, ou em períodos de crise, do FMI.

 

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