Fernando Nogueira da Costa * | No GGN
Em 2017, o rendimento médio mensal domiciliar per capita no país foi de R$ 1.511, ou seja, em família típica de 3 pessoas seria R$ 4.533 o ponto central da classe média de renda. As menores médias foram no Nordeste (R$ 984) e Norte (R$ 1.011), regiões onde quase metade da população (respectivamente, 49,9% e 48,1%) tinha rendimento médio mensal domiciliar per capita de até meio salário mínimo. Estas são algumas informações da Síntese de Indicadores Sociais 2018, publicada na primeira semana de dezembro.
Em 2017, os 10% das pessoas com os maiores rendimentos (de todas as fontes) do país acumulavam 43,1% da massa total desses rendimentos, enquanto os 40% com os menores rendimentos detinham apenas 12,3%. Esse estrato do topo concentrava 3,51 vezes mais rendimentos do que a base, razão conhecida como o Índice de Palma. Nessa mesma comparação, o Distrito Federal foi a unidade da federação mais desigual, onde os 40% das pessoas com os menores rendimentos acumularam 8,4% da massa e os 10% das pessoas com os maiores rendimentos detinham 46,5%. Em 2017, a razão entre esses dois valores chegou a 5,57 no DF, e superou as outras 26 unidades da federação.
Entre os 10% mais ricos, em 2017, entre 90% e 95% o rendimento médio mensal real de todos os trabalhos era R$ 5.214, entre 95% e 99%, R$ 9.782, e no top 1% mais rico, R$ 27.213. Vamos arbitrar essas serem as rendas, respectivamente, da classe média (ou varejo tradicional), classe média alta (ou varejo de alta renda) e ricos. Os ricaços (do segmento de clientes bancários Private Banking) são 123.370 CPFs, cada qual com a riqueza financeira per capita de R$ 8,466 milhões em setembro de 2018. Fazem parte de 58.258 grupos familiares, cada qual com quase 18 milhões de reais em saldo médio.
A classe média pode ser vista como composta pelos 7,5 milhões clientes do varejo tradicional. Cada um tem em média pouco mais de R$ 46 mil reais em investimentos financeiros. A classe média alta, isto é, os 4 milhões clientes do varejo de alta renda possuíam, em média per capita, pouco mais de R$ 181 mil.
Nessa estratificação social por riqueza fica mais pronunciada a desigualdade social brasileira. Arbitramos essa classificação para distinguir as castas de natureza ocupacional: são os investidores em Fundos de Investimentos Financeiros e Títulos e Valores Mobiliários. Nesse caso, são desprezados os depositantes de poupança como fossem “párias” excluídos da economia financeira. Existem 62 milhões com depósitos acima de R$ 100, com saldo médio per capita de R$ 11.434,14, e 78,7 milhões com depósitos inferiores a R$ 100 com saldo médio de R$ 15,07. No entanto, com saldo total de R$ 708,8 bilhões, era o maior funding ou fonte de financiamento imobiliário.
A SIS 2018 mostrou 27 milhões de pessoas (13,0% da população) viverem em domicílios com ao menos uma das quatro inadequações analisadas. O adensamento excessivo (domicílio com mais de três moradores por dormitório) foi a inadequação domiciliar do maior número de pessoas: 12,2 milhões, ou 5,9% da população do país em 2017.
O ônus excessivo com aluguel (quando o aluguel supera 30% do rendimento domiciliar) afetou 10,1 milhões de pessoas (4,9%), em contexto de 17,6% dos imóveis residenciais serem alugados. Essa inadequação foi mais presente no Distrito Federal (9,1%) e São Paulo (7,1%), as duas unidades da federação com maior renda média.
A proporção de pessoas de 25 a 34 anos com ensino superior completo no Brasil (19,7%) é de pouco mais da metade do observado para a média dos países da OCDE (36,7%). Nos Estados Unidos é bem próxima da média da OCDE e abaixo da Suíça e da Coréia do Sul, porque ambas beiram 50%.
Brasil é o país com o maior nível de desigualdade entre suas unidades subnacionais (UFs) referente à conclusão do ensino superior (Education at a Glance 2018: OECD Indicators). Essa proporção de pessoas de 25 anos ou mais de idade com ensino superior completo por UF para o Distrito Federal (33,2%) é 4,5 vezes maior se comparada à do Maranhão (7,4%). Em seguida ao DF vem São Paulo (21,7%) e Estado do Rio (18,3%). Essas são as três UF onde moram as maiores proporções das castas com formação universitária. Elas se acham ricas. Muitas comem angu e arrotam peru...
No imaginário social dessa gente esnobe, ela se acha rica por morar em habitação onde atribui subjetivamente o valor acima de um milhão de reais. Pesquisas internacionais de riqueza pessoal desconsideram a residência principal entre os ativos disponíveis para obtenção de outras formas de riqueza. Faz sentido: os ativos imobiliários por definição são imobilizados. Significa terem pouca liquidez, isto é, lenta capacidade de conversão em meios de pagamento plenamente líquidos sem diminuir os preços solicitados. Liquidez monetária propicia o poder aquisitivo imediato capaz de comandar decisões econômico-financeiras com autonomia.
Sendo assim, a riqueza financeira representa melhor indicador de posses individuais. Porém, há outros ativos de base imobiliária propiciadores de rendimentos mensais (alugueis) e ganhos de capital com base na regra de ouro do comércio: comprar barato para vender caro. Nas 28 milhões DIRPF AC 2016, esses ativos eram 40% dos bens e direitos, declarados em seus valores históricos e/ou contábeis: R$ 3,2 trilhões. Apartamentos (R$ 1,168 trilhões) representavam 14% do total de bens, e casas (R$ 922 bilhões), 11%. Automotores, embarcações e aeronaves eram 7% (R$ 563 bilhões). Sobravam como Haveres Financeiros 53%, ou R$ 4,3 trilhões, equivalentes a 70% do M4 de dezembro de 2016.
No boom dos preços de imóveis, classificados por alguns, apressadamente, como “bolha imobiliária”, em função da abundante oferta de financiamentos imobiliários, virou mania a especulação com a compra de imóveis na planta de modo a seguir a tendência de alta dos preços. O especulador comprava da incorporadora e esperava vender com uma diferença entre o preço de compra e o preço de venda capaz de propiciar um ganho de capital superior ao possível de ganhar no mercado financeiro com juros – ou com menos incerteza, se comparado aos demais mercados de riscos: bolsa, dólar, etc.
Com a implosão dessa “falsa-bolha”, os investidores resolveram devolver os imóveis às incorporadoras com o pedido de devolução de tudo pago em distrato. De repente, os empreendimentos imobiliários prontos restaram vazios! Os preços tinham de cair mais!
Pergunta-se: como são formados os preços dos imóveis? Como os atribui valor? Seus determinantes objetivos capazes de gerar ganhos de capital são: dependência de trajetória (tendência de alta ou baixa) em cenário macroeconômico incerto; evolução da taxa de juro de referência ou custo de oportunidade em juros de investimentos alternativos; condições do crédito imobiliário ou valor da entrada, juros e prazo de amortização; localização do imóvel ou preços dessincronizados por locais; características do imóvel (planta, tamanho e acabamento); documentação do imóvel e custo de transação, inclusive tributários, em torno de 9% do valor do imóvel.
A variação do Índice FipeZap para venda de imóvel de junho de 2012 a junho de 2015 foi de 29,43%. Ficou desde então até agosto de 2018 no mesmo patamar. Nos últimos 36 meses, no âmbito nacional, caiu -0,42%. Em São Paulo, subiu 3,36% e em Belo Horizonte, 8,16%. No Rio de Janeiro, caiu -10,24% e em Brasília -5,09%. No mesmo período trienal, aluguel em São Paulo elevou-se 1,83% e no Rio caiu -18,68%.
Em novembro de 2018, o valor médio de venda dos imóveis residenciais nas 20 cidades monitoradas foi de R$ 7.521/m². Rio de Janeiro se manteve como a cidade com o m² mais elevado do país (R$ 9.405/m²), seguida por São Paulo (R$ 8.841/m²) e Distrito Federal (R$ 7.787/m²). As capitais monitoradas com menor valor médio de venda residencial por m² foram Goiânia (R$ 4.194/m²) e Salvador (R$ 4.899/m²). Em Campinas é R$ 5.562 (59% do Rio): considero esse custo de oportunidade para morar no interior.
Como amostra do estado do mercado imobiliário, em 07/12/18, foram encontradas 301.126 casas (padrão) e 1.027.569 apartamentos à venda no Brasil. No estado de São Paulo, eram respectivamente 144.388 (48%) e 489.686 (48%). Na cidade de São Paulo, foram encontrados 58.992 e 268.933 anúncios para cada um desses tipos de moradia.
Na capital de São Paulo, casa padrão à venda entre R$ 500 mil e R$ 900 mil tinha 21.911 e acima desse valor 26.193. Quanto a apartamento padrão nas mesmas faixas de valor eram, respectivamente, 80.129 com maior liquidez e 114.835 mais caros. Naquela primeira faixa, apartamento padrão entre 45 e 75 m2 tinha 30.717. Na Zona Oeste de São Paulo já reduzia para 9.728. É a moradia típica da jovem classe média universitária.
É possível estimar quantos indivíduos se acham milionários devido ao valor da residência colocada à venda acima de R$ 900 mil. No Zap Imóveis, em âmbito nacional, foram encontrados 79.506 anúncios de casa padrão, 71.618 de casas de condomínio, 1.047 casas de vila, 41.944 coberturas, 1.560 flats, 93 kitchenette, 386 loft, e 254.223 de apartamento padrão. Somam 450 mil potenciais milionários caso vendam.
Quando se toma o valor médio de bens e direitos declarados por valores contábeis (DIRPF AC 2016) apenas na faixa acima de 20 salários mínimos alcançava mais de um milhão de reais: eram 947.830 declarantes. Na faixa de 20 a 30 salários mínimos eram 582.015 com a média de R$ 1,098 milhão, inclusive os ativos financeiros.
Provavelmente, desconheciam haver no site de uma corretora imobiliária de alto padrão 11 imóveis à venda a partir de trinta milhões de reais e 29 entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões. Senão ficariam tristinhos por não serem tão ricos como sonhavam ser... Por auto atribuição subjetiva de riqueza em função de variáveis fora de seus controles.
* Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP.
Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018).
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