Fernando Nogueira da Costa | No GGN
Os psicólogos usam o termo “regressão” para definir um retorno a um modo de pensar ou de comportar-se normalmente característico de um período anterior da vida. Já “retrocesso” é um termo utilizado para caracterizar o ato ou o processo de recuar, retroceder, voltar no mesmo caminho antes percorrido. Representa simbolicamente um retorno a um período passado, no caso atual, ao regime militar brasileiro (1964-1984), anteriormente considerado ultrapassado em relação a época presente.
O próximo presidente da Petrobras vai ser o Roberto Castello Branco e o do Banco Central será o Roberto Campos Neto. Será recriado o Departamento de Ordem Política e Social – DOPS para nomear como diretor alguém chamado Sérgio Fleury Junior?
Contraditoriamente, porque se confessou ignorante em Economia, o presidente eleito afirmou: “quem ferrou o Brasil foram os economistas”. Bem antes da subcasta dos economistas, desde a colônia portuguesa nas Américas, se constituiu a casta dos guerreiros-militares e ela não tornou o futuro nacional promissor. A profissão de economista foi reconhecida em 1951, mas se massificou durante a ditadura militar. Por isso, o militar repete o erro: “caça os inimigos” e dá novamente “carta-branca” a um economista. Aliás, agrava intensamente o erro, porque o “posto Ipiranga” (PI) centralizará todo o poder governamental em um superministério de Economia.
Já tirou da tumba os “Chicago boys” da Era Pinochet na sanguinolenta ditadura militar chilena. Há uma combinação histórica entre os militares e a Escola de Chicago. No caso brasileiro, os monetaristas passam por reciclagem na FGV-Rio e nos bancos de negócios.
Cirurgicamente, estão nomeados “raposas para cuidar do galinheiro”. Os novos dirigentes das principais empresas estatais (BNDES, BB, Caixa, Petrobras, etc.) são nomes do mercado de compra-e-venda de ativos com passagens pelo antigo banco Bozano, Simonsen, BTG Pactual e Brasil Plural. São todos economistas egressos de Chicago e da FGV-RJ. Por exemplo, para presidir o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), foi escolhido o economista Carlos Von Doellinger (ex-FGV). Ele também prestou serviços à ditadura militar, quando foi secretário da Comissão de Programação Financeira entre 1980 e 1983, órgão antecessor da Secretaria do Tesouro.
Para quem foi estudante sob o Decreto-Lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969, definindo infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares, estamos revivendo um pesadelo. Um colombiano foi escolhido Ministro da Educação por ser adepto da Escola Sem Partido. Foi indicado para o posto pelo ex-astrólogo Olavo de Carvalho, guru intelectual da Nova Direita Brasileira, e aceito pelo pastor Silas Malafaia. Este pastor pentecostal, ligado à Assembleia de Deus, tinha vetado a indicação anterior com uma censura ideológica. Ele é conhecido por sua crítica a temas como direitos dos homossexuais e direito ao aborto, bem como por defender a Teologia da Prosperidade.
Olavo de Carvalho, um perfeito idiota, mas indiferente ao mal feito à sua reputação e aos brasileiros, dita ordens lá de sua matriz nos Estados Unidos. Ele fez também a indicação de um diplomata fundamentalista, promovido há pouco tempo e sem nunca ter chefiado embaixada no exterior, para Ministro das Relações Exteriores.
Divide o Itamaraty assim como os demais indicados com a missão de destruir, privatizar e/ou desnacionalizar as instituições estatais. Todos sofrem a repulsa das respectivas corporações profissionais. Um servidor público com consciência de sua missão social estará bem-disposto a servir quem vai destruir o futuro autônomo da Nação brasileira? E, ao mesmo tempo, “roubar seu ganha-pão”?
A “privataria tucana” parecerá “brincadeira de criança”, espécie de ensaio neoliberal para o mal anunciado a vir por aí. Todos os democratas unidos – e não divididos por razão eleitoral – necessitam colocar prioridade na defesa da liberdade de expressão da imprensa e da liberdade de cátedra. Cobrar do STF (Supremo Tribunal Federal) o julgamento da inconstitucionalidade de leis para implantar a Escola Sem Partido. Teremos de ser vigilantes quanto aos crimes lesa-pátria e investigativos a respeito da privatização. Será uma luta de resistência similar à da época da ditadura militar.
Daron Acemoglu e James Robinson, autores do livro “Por que as Nações fracassam?”, chamam de instituições econômicas extrativistas as capturadas por grupos de interesses das castas, cujas propriedades são opostas às daquelas ditas “inclusivas”. Elas têm como finalidade a extração da renda e da riqueza de um segmento da sociedade para benefício de outro. Têm correspondência com instituições políticas.
As instituições políticas extrativistas permitem a concentração de poder em uma aliança entre a casta dos militares e a casta dos mercadores-financistas, especialistas em comprar patrimônio público barato para revender mais caro aos investidores estrangeiros. As bancadas temáticas tiram todas as restrições ao exercício desse poder.
O propósito é enriquecer todos os parceiros, inclusive a subcasta dos sabidos pastores evangélicos, cuja riqueza e poder econômico ajudam a consolidar seu domínio político. As demais castas – trabalhadores organizados e sábios criativos e intelectuais – ficam à margem desse arranjo. Necessitam se opor em nome da tolerância mútua, liberdade religiosa e demais valores necessários para vigorar um Estado laico.
O tempo é irreversível. Porém, nações podem sofrer regressão histórica e fracassar. Temos um exemplo, ao lado, na outrora rica Argentina. Relembremos brevemente.
O Império Espanhol subordinou o potencial econômico do território argentino à riqueza imediata das minas de ouro e prata na Bolívia e no Peru. O Vice-Reino do Peru o representava até a criação do Vice-Reino do Rio da Prata em 1776, com Buenos Aires como sua capital. Buenos Aires repeliu duas invasões britânicas em 1806 e 1807.
Os ingleses buscavam apossar-se das riquezas naturais e dos produtos primários argentinos, como a lã, o couro e a carne. Coerentemente com a nova consciência nacional dos argentinos, não tinha sentido lutar contra as invasões britânicas e permanecer sob o domínio espanhol. A revolução de maio de 1810 instituiu um governo local. Em 1816, o Congresso de Tucumán formalizou a Declaração de Independência.
A onda maciça de imigração europeia no fim do século XIX, menor apenas se comparada à dos Estados Unidos, em 1908 já tinha colocado o país como a sétima nação mais próspera do mundo. De 1870 a 1910, tanto as exportações argentinas de trigo quanto as exportações de carne congelada colocaram a Argentina como um dos cinco maiores exportadores mundiais. Sua rede ferroviária aumentou de 503 km para a 31.104 km. Aprimorada por um novo sistema de ensino público, obrigatório, livre e secular, a alfabetização disparou de 22% para 65%. Era um nível muito superior ao da maioria das nações latino-americanas. A renda per capita entre 1862 e 1920 passou de 67% da dos países desenvolvidos para a igualar.
Em 1865, a Argentina já era uma das 25 nações mais ricas e, em 1908, ultrapassou a Dinamarca, o Canadá e os Países Baixos para chegar ao 7º lugar, atrás somente da Suíça, Nova Zelândia, Austrália, Estados Unidos, Reino Unido e Bélgica. A renda per capita da Argentina era 70% superior ao da Itália, 90% superior ao da Espanha, 180% superior ao do Japão e 400% superior ao do Brasil. Hoje, segundo o FMI, é inferior à do Brasil.
Embora tenha ocorrido forte desenvolvimento de indústrias locais na década de 1920, uma parte significativa do setor manufatureiro continuou a ser intensiva em mão-de-obra na década de 1930. Em 1930, um presidente eleito por sufrágio universal masculino e secreto, promulgado em 1912, foi expulso do poder pelos militares. Embora a Argentina tenha permanecido entre os 15 países mais ricos até meados do século XX, este golpe de Estado marca o início de um declínio econômico e social constante. Empurrou o país de volta ao subdesenvolvimento. Outros golpes militares buscaram proscrever o peronismo nacionalista e populista em nome do excesso de gastos para obter “finanças públicas sadias”. No entanto, os peronistas se mantiveram na luta. Polarizados, o desenvolvimentismo trabalhista e o neoliberalismo entreguista se revezam no poder. Administram a progressiva decadência da Nação argentina.
Infelizmente, este é hoje o cenário pessimista antevisto também para o Brasil: uma Nação a caminho do fracasso histórico. Isto não significa ninguém ganhar, pelo contrário, o banqueiro de negócios fará o que sabe fazer – e tem carta-branca para isto: propiciar bons negócios para “os parças”, parceiros dos bancos de investimentos.
Os eufóricos em comprar o Brasil barato, porém, cometem um erro ao avaliar a possibilidade de vender mais caro mais adiante. O País pode entrar em um processo de regressão histórica à la Argentina. Será irreversível com a privatização das instituições desenvolvimentistas e a desnacionalização do petróleo. Haverá o risco real da chamada “doença holandesa”: com superávit volumoso em exportação de recursos naturais, entre os quais o petróleo já desnacionalizado, o extrativismo gerará uma apreciação da moeda nacional, isto é, queda da taxa de câmbio. A indústria brasileira permanecerá só com sua baixa intensidade tecnológica ligada a recursos naturais: alimentos, têxtil, etc. e com montadoras de componentes importados: maquiladora tipo indústria mexicana. Hoje parece ser este o destino da pátria da elite sonegadora à la Neymar ou Carlos Ghosn.
* - As opiniões expressas no texto são de responsabilidade do autor.
Fernando Nogueira da Costa - Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..