Fernando Nogueira da Costa* | No GGN

Um modelo padrão de precificação bancária, cujo objetivo é “decompor” o valor de cada item de despesa e de receita aferido para o produto financeiro objeto da análise, demonstra o resultado em termos de uma taxa efetiva anual. O pressuposto de qualquer banco é conceder empréstimos com base em recursos de terceiros dos quais, mais tarde, terá de prestar contas aos depositantes e à autoridade monetária, provando seu uso adequado. Ele jamais poderá perder dinheiro em operações de crédito.

O custo da perda tem de ser transferido aos tomadores de crédito. Guardadas as devidas particularidades de tratamento matemático, a lógica do modelo pode ser representada pelo seguinte exemplo.

Vamos supor R$ 100 mil no orçamento de um banco para financiar determinado produto aceito pelo mercado, após a realização de um “benchmark”, ao preço de 20% aa, para 100 clientes, onde cada qual receberia o financiamento médio de R$ 1.000. Para conquistar mercado, o banco se proporia a lançar o produto ao preço de 12% aa, inferior, portanto, à média do mercado.

Em uma visão muito simplista, hipoteticamente o custo do capital emprestado seria nulo. Logo, a TIR (Taxa Interna de Retorno) da operação deveria ser de 12%. Com o prazo de amortização em 12 meses, a soma das prestações a cada mês seria R$ 8.884,88.

No entanto, se pesquisa realizada pela área de avaliação de risco no banco de dados constatar 1% dos clientes desta carteira serem inadimplentes, isto é, eles não terem pagado o seu financiamento após 60 dias de atraso, esperar-se-ia dos 100 clientes tomadores de crédito, um não pagar. Para mitigação desse risco, o custo da sua inadimplência é acrescido ao preço do produto para os 99 demais clientes (adimplentes) suportarem os R$ 100 mil alocados para o produto.

Nesse modelo-padrão de apreçamento, a mitigação de risco tem um peso fundamental. Nele, “os justos pagam pelos pecadores”, em uma espécie de “aval solidário”, sem os clientes terem consciência disso.

Com o ônus de 1% de perda, a soma das prestações mensais cairia para R$ 8.884,88 X 99%, ou seja, R$ 8.796,03. Nesse caso, a TIR, impactada pela perda, seria 10,1% aa, portanto, com um preço da perda estimado em 1,9% aa. A taxa de juros do empréstimo, para a TIR alcançar os 12% aa desejados, teria de ser 13,9% aa. Esta levaria a prestação mensal a R$ 8.974,01, para cobrir a perda potencial da carteira.

Um Estudo Especial sobre o Efeito da Inadimplência nas Taxas de Juros foi divulgado como boxe do Relatório de Economia Bancária (REB) 2017 do Banco Central do Brasil. A inadimplência é o componente de maior participação (37%) na decomposição do spread do Indicador de Custo do Crédito (ICC) apresentada no meu post anterior. É também o principal componente (23%) do ICC, após o Custo de Captação de Recursos (39%).

Entretanto, ao se observar a taxa de inadimplência média do crédito a pessoa física com recursos livres estar em torno de 5%, surge o questionamento de como taxa tão baixa de inadimplência pode gerar taxas de juros de crédito dessa modalidade, medidas pelo ICC, da ordem de 45% a.a. Esse estudo do Banco Central busca elucidar essa questão por meio de um exemplo hipotético e didático.

Supõe uma instituição financeira sem custo de captação, custos administrativos ou impostos a pagar e sem gerar lucros, visando apenas à continuidade de suas operações. A instituição espera apenas repor o saldo do seu caixa ao fim do prazo dos empréstimos.

Para isso, a instituição hipotética precisa cobrar uma taxa de juros em suas operações de crédito de modo a apenas e tão somente repor suas perdas com inadimplência. Se essa instituição tenha R$ 100.000 em seu caixa e empreste R$ 1000,00 para cem clientes, pelo prazo de um mês, à taxa de juros mensal dada por tj.

Se essa instituição prevê um determinado número X de clientes deixará de pagar suas dívidas, ou seja, ficará inadimplente, ela deverá calcular a taxa de juros das operações de crédito conforme a seguinte expressão: valor total recebido dos clientes adimplentes = valor total inicialmente emprestado, o que corresponde a: número de clientes adimplentes x (principal+juros após 1 mês) = 100.000.

No caso de empréstimos com prazo de n meses, o raciocínio é análogo. A diferença é os juros recebidos dos clientes adimplentes serem compostos durante os n meses do empréstimo: número de clientes adimplentes x (principal+juros após n meses) = 100.000.

 

A dedução da formulação é a taxa de juros necessária para repor perdas com inadimplência depender da própria taxa de inadimplência e do prazo dos empréstimos.

  • Para um dado prazo, quanto maior a taxa de inadimplência, maior deverá ser a taxa de juros cobrada para repor as perdas dessa operação.
  • Para uma dada taxa de inadimplência, quanto menor o prazo dos empréstimos, maior deverá ser a taxa de juros cobrada para repor as perdas com inadimplência.

Quando os empréstimos são mais longos, pode-se repor uma certa perda monetária com taxa de juros relativamente mais baixa, pois essa perda será recuperada ao longo do tempo, de modo a atingir o valor a ser reposto. Em contraste, quando o prazo dos empréstimos é curto, esse mesmo valor monetário precisa ser reposto em menos tempo, e isso requer taxa de juros mais elevada.

Logo, à medida que a taxa de inadimplência cresce, a taxa de juros aumenta em proporção ainda maior. Isso ocorre porque o montante de juros de um número cada vez menor de pagadores deve ser suficiente para cobrir as perdas geradas por um número cada vez maior de inadimplentes. Para operações com prazo de seis meses, a taxa de juros necessária para cobrir as perdas com inadimplência é significativamente mais baixa do que no caso de operações com prazo de um mês.

Assim o Banco Central explica, didaticamente, porque as taxas de juros de modalidades com inadimplência relativamente baixa e prazo longo, como crédito para compra de veículos e crédito consignado, são substancialmente mais baixas se comparadas às taxas de juros de modalidades com inadimplência mais elevada e prazos curtos, como crédito rotativo e cheque especial.

Em resumo, usando um exemplo hipotético, este Estudo Especial do BCB ilustrou como a inadimplência afeta as taxas de juros cobradas nos empréstimos em dois aspectos primordiais: a sua prevalência (quantos clientes deixam de pagar) e o prazo das operações. Quanto maior a taxa de inadimplência, maior a taxa de juros necessária para cobrir a perda com essa operação; quanto maior o prazo das operações de crédito, menor a taxa de juros necessária.

Como o spread é calculado pela diferença entre a taxa de juros das operações de crédito e a taxa de juros a ser paga pelo banco ao captar recursos, se a inadimplência cresce, mas a taxa de juros das captações se mantém, deverá haver aumento das taxas de juros das operações de crédito e aumento do spread.

O nível da taxa de inadimplência depende de uma série de fatores, tais como o ambiente legal, a estrutura de garantias, o ciclo econômico e até mesmo do próprio nível da taxa de juros. Este afeta a composição do conjunto de clientes solicitadores de crédito. A concentração de renda e riqueza, em uma economia de poucos ricos e muitos pobres com elevada volatilidade de inflação, juros e desemprego, gera ondas de inadimplência.

Finalmente, o Estudo Especial do BCB ressalta ser usual representar as taxas de juros em base anual. A padronização facilita a comparação entre taxas, mas dá a impressão de ser demasiadamente elevada nos casos em que o empréstimo tem duração inferior a um ano. Por exemplo, se um empréstimo de prazo de um mês tem taxa de juros de 435% a.a., o cliente não pagará juros no montante de 435% do principal, e sim juros de 15%. Esse efeito é particularmente importante em modalidades como o cheque especial e o cartão do crédito rotativo.

Em próximo post, mostrarei como face a multiprodutos existentes no mercado de crédito, a concorrência bancária se adequa, com os grandes bancos varejistas focalizando na dominância de nichos de mercado. Como os índices de inadimplência são diferentes por produtos, estabelecer um spread médio por banco e compará-lo com a média do sistema bancário, para tributá-lo progressivamente, poderá ser um contrassenso arbitrário e/ou ilegal. Além disso, não é prático se basear em uma base anual, dada a volatilidade temporal dos componentes do spread. É mais adequado, tecnicamente, enfrentar as causas primárias em vez de punir o efeito sobre o spread.

As opiniões expressas no artigo são de inteira responsabilidade do autor.

*Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do Instituto de Economia da Unicamp.  Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018 - no prelo). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.