Fernando Nogueira da Costa* |No GGN
As principais variáveis conjunturais influentes na dimensão dos spreads bancários são a taxa de juros Selic, estabelecida pela política monetária, o risco-país, avaliado por agências de risco estrangeiras, além da inadimplência em função principalmente da queda da renda e do desemprego. A Selic influi diretamente no custo de captação bancária em percentual de CDI e indiretamente no mercado futuro determinante do custo de oportunidade do mark-up na operação de crédito. Os prêmios de risco impactam o custo de repasses externos.
Desde dezembro de 2015, quando se atingiu a maior relação entre o saldo de crédito e o PIB (54,5%) – um ano antes com o recálculo do PIB a relação tinha sido 53,1% –, ela vem caindo até 46,4% do PIB em julho de 2018. No mesmo mês, a Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) alcançou R$ 3.503,5 bilhões (52% do PIB) e a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), compreendendo o Governo Federal, o INSS, e os governos estaduais e municipais, alcançou R$ 5.186,5 bilhões, equivalente a 77% do PIB.
Com a dívida mobiliária (títulos de dívida pública) em mercado equivalente a 53,4% do PIB, analistas argumentam isso indicar “o direcionamento da poupança privada para financiar o governo”. Na realidade, houve o recuo da demanda por crédito por conta da incerteza em relação à queda da renda futura e do risco de desemprego, além do aumento do juro em operações de crédito ao consumidor. Esses fatores conjunturais levam ao adiamento de gastos. O recuo da oferta efetivada do crédito provoca o aumento do spread pela queda da diluição da inadimplência em menor número de clientes adimplentes e prazos mais curtos de amortizações do crédito.
Uma melhora do ambiente macroeconômico é crucial para recuperação do crédito. Os carregadores da dívida exageram na exigência de uma evolução mais favorável da relação dívida/PIB do país como indicador de solvência do Tesouro Nacional. Para tanto, pregam diariamente na “grande” imprensa brasileira o corte de gastos públicos, inclusive a retirada de direitos sociais antes conquistados para a aposentadoria. Sem reposição inflacionária de salários, ameaçando até o salário mínimo, agravará a queda real do poder aquisitivo e, em consequência, do consumo das famílias. Cairá a demanda agregada e, junto com ela, a perspectiva de retomada do crescimento econômico sustentado.
Além desses fatores conjunturais, há problemas institucionais ou estruturais no sistema bancário a serem enfrentados para provocar a queda dos spreads bancários. Alega-se os elevados depósitos compulsórios terem também importante peso nos spreads, porque reduzem o montante de recursos possíveis de os bancos direcionarem ao crédito, tornando-o mais caro. Com os grandes volumes de recolhimentos compulsórios a sociedade não consegue se beneficiar do funding barato captado pelos bancos supostamente com a finalidade de oferecer um crédito menos custoso.
Em julho de 2018, estavam registrados R$ 388 bilhões em depósitos no Banco Central do Brasil (BCB). Suas operações compromissadas atingiam R$ 1.182 bilhões, ou seja, mais de três vezes superior. Significa a negociação no mercado secundário de títulos de dívida pública federais registrados no Selic ter alcançado médias diárias de R$ 1,1 trilhão. As operações overnight correspondiam a 99,6% do total dessas operações.
Por que o BCB faz essas operações? Para colocar a Selic-mercado no nível anunciado da Selic-meta. Caso não as fizesse, o excesso de liquidez em circulação baixaria muito o custo do dinheiro no País. O Brasil teria taxa de juros “civilizada”, mas adeptos da Teoria Quantitativa da Moeda teriam pavor de, em consequência, a taxa de inflação disparar.
Ao colocar a taxa de juros básica em elevado patamar, o BCB encarece os encargos financeiros do governo com juros nominais. Em julho de 2018, atingiram quase R$ 395 bilhões ou 5,86% do PIB e o déficit nominal ficou em 7% do PIB. Para comparação, em janeiro de 2016, os juros nominais tinham atingido R$ 540 bilhões ou 9,13% do PIB e o déficit nominal estava em 10,89% do PIB. Dá para ver o efeito da queda da Selic.
O Relatório de Economia Bancária (REB) 2017 acha razoável supor os depósitos compulsórios afetarem a estrutura de receitas e despesas das instituições financeiras e, por consequência, o custo do crédito para os tomadores. As decomposições do Indicador de Custo de Crédito (ICC) e do spread do ICC apresentadas em posts anteriores não captam os efeitos da presença de requerimentos de depósitos compulsórios.
A autoridade monetária reconhece esses efeitos não poderem ser capturados pela contabilidade bancária, nem estimados por outras medidas de maneira direta. A razão é essa estimativa requerer o uso do conceito de custo de oportunidade, ou seja, o potencial inexplorado de rendimento possível dos valores depositados compulsoriamente no BCB obterem caso as instituições financeiras fossem livres para alocar esses recursos.
Alega a maior parte dos depósitos compulsórios serem remunerados pelo BCB. Assim, eles praticamente não geram impacto financeiro no resultado das instituições, porque as receitas com os compulsórios ficam próximas das despesas de captação. Dessa maneira, o possível impacto dos depósitos compulsórios sobre o crédito se dá por meio de custo de oportunidade não observável. Por essa razão, a inferência do impacto dos depósitos compulsórios envolve elevada incerteza, pois depende de um conjunto de hipóteses sobre o comportamento das instituições financeiras e seus clientes.
O BCB elabora um cenário contra factual em que parte dos depósitos compulsórios são liberados. Para esse fim, adota as seguintes hipóteses simplificadoras. Primeiro, um novo nível de lucro é estimado, considerando a totalidade dos recursos de depósitos compulsórios liberados ser aplicada em títulos e valores mobiliários (TVM), tudo o mais constante. Essa hipótese é razoável porque, de fato, as tesourarias dos bancos alocam depósitos à vista com “custo zero” (sic) para carregarem títulos de dívida pública. Encontrado esse novo nível de lucro, em um segundo momento, os recursos liberados são alocados em crédito e em TVM seguindo a mesma proporção observada antes da liberação dos depósitos compulsórios. Nesse cenário, usando dados de 2017, a liberação de 10% dos depósitos compulsórios reduziria o ICC em 0,1 p.p., de 22,2% para 22,1%.
A dedução óbvia dessa simulação é não ser racional o BCB liberar depósitos compulsórios sem remuneração para depois pagar operações compromissadas para recolher o excesso de liquidez gerado por aquela liberação. Se não fizer isso, a Selic-mercado ficaria muito abaixo da Selic-meta, ou seja, o BCB cometeria um sacrilégio!
No mesmo sentido, técnicos do BCB fizeram uma simulação envolvendo liberação de créditos direcionados, usando a mesma hipótese de novo nível de lucro e supondo que os recursos liberados serem distribuídos entre o crédito livre e o TVM de forma a manter a proporção observada antes da liberação. No caso de exercício hipotético de liberação de 10% dos créditos direcionados, usando-se os dados de 2017, haveria uma redução de 1,3 p.p. na taxa de juros do crédito livre e aumento de 5,6% no volume de crédito livre. Ceteris paribus, seria interessante essa medida pelo impacto quantitativo e não pela queda da taxa de juros de empréstimos. O volume do crédito é o mais relevante para a retomada do crescimento econômico!
Toda a análise nessa série de posts reforça a defesa de amplas medidas conjuntas para reduzir os spreads. Nenhuma solução se obterá com uma medida “milagrosa” única, por exemplo, com a tributação progressiva do banco “fora-da-curva” quanto ao spread. Porém, é necessário o debate público, ilustrado pelos esclarecimentos de especialistas, para enfrentar esse desafio para o País: tornar as taxas de juros de empréstimos parecidas com as dos demais países.
A solução do problema complexo não está em mão de um único agente econômico, seja ele O Governo, seja O Mercado. É reducionismo equivocado imaginar uma luta de classes entre O Estado e Os Rentistas. A escala do crédito na economia brasileira menor do potencial permitido por seu PIB é uma distorção histórica. Quais são seus motivos?
À alegação de enorme parcela dos investimentos financeiros ser dirigida para o carregamento de títulos de dívida pública e restar relativamente poucos recursos canalizados para projetos de investimento do setor privado cabe indagar: existem de fato esses projetos? Ou o capitalismo de Estado brasileiro tem de elaborar a estratégia de desenvolvimento e aí sim chamar o setor privado para investir sob risco soberano?
Comparado a 91,2 milhões de pessoas na população ocupada, é muito baixo o número de investidores financeiros em fundos e títulos e valores mobiliários, desconsideradas as 142 milhões contas de depósitos de poupança: em junho de 2018, eram apenas 11,4 milhões. Os ilusionistas pregam aqui existir potencial para criar um mercado de capitais brasileiro capaz de se assemelhar ao norte-americano. Eles se lamentam por esses investidores deixarem de aplicar em projetos do setor privado porque preferem defender seus patrimônios líquidos contra a inflação com um menor risco soberano.
Ora, se eles “emprestam indiretamente para O Governo”, investindo em fundos mútuos carregadores de títulos de dívida pública pós-fixados mesmo com pequeno juro real, é porque a aversão ao risco de investir dinheiro em empresas não-financeiras através da compra de títulos de dívida direta (debêntures) ou ações com renda variável é muito maior se comparado ao de investir em renda fixa. É simples assim. Só.
As opiniões expressas no artigo são de inteira responsabilidade do autor.
*Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018 - no prelo). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.