Fernando Sarti | Economista e professor do Instituto de Economia da UNICAMP

Importância da Indústria para o desenvolvimento

O principal argumento em defesa da Indústria Brasileira se sustenta no fato que o desenvolvimento social é indissociável do desenvolvimento produtivo. Uma indústria forte e dinâmica significa maior criação de empregos diretos e indiretos com rendimentos superiores aos da média da economia (R$ 2.100 contra R$ 1.700 no comércio, R$ 1.660 na construção e R$ 840 nos serviços domésticos, segundo PNAD-IBGE para o terceiro trimestre de 2017). Permite a geração e difusão de tecnologia, o que promove uma estrutura produtiva mais competitiva e uma inserção externa mais virtuosa com a geração de superávit estrutural na balança comercial e, consequentemente, a redução da vulnerabilidade externa da economia. Fortalece o mercado interno de massas através dos multiplicadores do emprego e da renda e do acesso a produtos e serviços de melhor qualidade. É responsável por uma parcela significativa dos impostos e contribuições que financiam os gastos sociais. Tem uma contribuição significativa na taxa de investimento da economia. Compõe um sistema industrial diversificado, complexo e integrado por pequenas, médias e grandes empresas, a grande maioria de capital nacional. Assegura a soberania do país na produção local de bens e serviços industriais e tecnológicos estratégicos. Enfim uma indústria diversificada, dinâmica, inovativa e competitiva é imprescindível para o desenvolvimento social e econômico sustentável, sustentado, inclusivo e soberano.

A fragilização da indústria brasileira

A Indústria Brasileira perdeu força e importância nas últimas décadas. É causa e consequência do menor crescimento econômico observado no período. Uma indústria fragilizada perde protagonismo como motor de dinamismo da economia, enquanto uma economia com baixo crescimento limita os vetores de demanda por bens industriais (consumo, investimento e exportação). Menores escalas internas e externas ampliam os custos, com impactos negativos sobre a rentabilidade. Menor rentabilidade inibe investimentos que, por sua vez, tem impactos negativos sobre a modernização, expansão e desenvolvimento tecnológico da Indústria. Configura-se assim um ciclo vicioso e um indesejado e preocupante processo de desindustrialização.

China e as mudanças nos padrões de competitividade

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 E o que é mais preocupante, o processo de desindustrialização agrava-se num momento em que importantes transformações estruturais ocorrem na indústria global. Uma mudança estrutural importante é o deslocamento e fortalecimento da indústria na Ásia e, em especial, na China, que impôs um novo patamar de competitividade advinda das escalas internas e externas de produção e comercialização, dos custos reduzidos de mão-de-obra e do crescente desenvolvimento tecnológico. O resultado tem sido o acirramento da competição internacional com uma expressiva redução dos preços industriais, o que coloca desafios importantes para o desenvolvimento industrial de economias como o Brasil. O sucesso asiático é emblemático também porque desqualifica o argumento de que há um processo de desindustrialização global no âmbito de uma economia cada vez mais sustentada no conhecimento e nos ativos intangíveis. O grau de industrialização (relação entre o valor agregado manufatureiro e o PIB) tem aumentado nos países asiáticos e a indústria segue como principal vetor para o crescimento econômico. A rigor os desenvolvimentos produtivo e tecnológico nos setores de bens e serviços caminham juntos e se retroalimentam, é o que mostra a experiência asiática.

Nova revolução tecnológica

Outra transformação importante pode ser observada nos elevados e crescentes investimentos em P&D&I nos países avançados e asiáticos que tem acelerado a quarta revolução industrial, com fortes impactos sobre o nível e a qualificação de emprego, a competitividade dos setores tradicionais e a criação de novos setores. As 1000 empresas globais com maiores gastos em P&D&I, investiram mais US$ 700 bilhões em 2017, um acréscimo de 50% em relação ao início da década. Há em curso na economia mundial mudanças importantes no ciclo de desenvolvimento de novos produtos, serviços e processos, na forma de produção, na logística de compra e de comercialização cada vez mais fragmentada, integrada e hierarquizada, na contribuição dos ativos tangíveis e intangíveis na geração e captura do valor agregado nas várias etapas da cadeia de produção e de valor.

Riscos e desafios para a indústria brasileira

A verdade é que corremos o risco de sermos excluídos de forma irreversível do grupo seleto das maiores potências industriais. Cabe destacar que a Indústria Brasileira ainda está posicionada entre as 10 maiores indústrias do mundo, apesar de concentrar sua produção em setores tradicionais intensivos em recursos naturais e do complexo metalmecânico e químico, que foi construída ao longo de várias décadas de seu processo de industrialização.

O desafio de reestruturar e recuperar a competitividade da Indústria Brasileira é enorme e urgente em um contexto internacional de mudanças tecnológicas, de novos patamares de competitividade e de acirramento da competição via preço e inovação. Os obstáculos a serem transpostos são de várias naturezas. A institucionalidade internacional está cada vez mais restritiva e punitiva para o uso de instrumentos tradicionais de política industrial e tecnológica como exigência de conteúdo local e margem de preferência no poder de compra público. A crise e o desmantelamento do Estado brasileiro e de suas instituições de planejamento, execução e financiamento reduzem os raios de ação da política industrial e tecnológica. A perda de poder político e econômico da elite industrial, no bojo de um intenso processo de desnacionalização, somada à fragilização dos sindicatos e da representação dos interesses dos trabalhadores reduzem os atores para a defesa de uma agenda de desenvolvimento industrial e tecnológico.

Recuperação da demanda e o desenvolvimento produtivo

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Dentro desse enorme desafio é necessário ser realista e pragmático. A recuperação dos vetores de demanda por bens industriais (consumo, investimento e exportação) é condição necessária para um novo ciclo de desenvolvimento industrial em novos patamares de escala e de tecnologia. Condição necessária, porém não suficiente. A partir da abertura comercial de início dos anos 1990, observamos, sobretudo nos ciclos de crescimento, o vazamento de uma parcela expressiva da demanda interna para o exterior, expresso no forte incremento do conteúdo e coeficiente importado de bens industriais, o que reduziu os efeitos internos de encadeamento industrial e tecnológico e abreviou os próprios ciclos de crescimento.

Além disso, essa recuperação exige políticas e ações que vão muito além da política industrial e tecnológica. Os instrumentos de política macro (câmbio, juros, estrutura de proteção tarifária e de defesa comercial e financiamento ao investimento e aos gastos com P&D&I) devem estar concatenados a uma visão mais ampla de desenvolvimento, que inclui necessariamente as dimensões industrial e tecnológica.

Elevação das importações e redução dos multiplicadores da renda e do emprego

A desejada e bem sucedida expansão do consumo de massa, iniciada ainda no primeiro governo Lula, não foi acompanhada na mesma proporção do incremento da produção, do emprego e do valor agregado industrial; e sim por maiores importações de bens de consumo e de insumos industriais. Menores encadeamentos produtivos reduziram os multiplicadores da renda e do emprego. A verdade é que a substituição de produção e investimento domésticos por maiores importações não elevou a competitividade nem tão pouco logrou uma inserção externa mais virtuosa da estrutura produtiva brasileira nas redes globais e regionais de produção e valor. O coeficiente de exportação industrial não acompanhou a elevação do coeficiente importado. O país tornou-se fortemente deficitário na sua balança de bens industriais, sobretudo os de maior intensidade tecnológica, e crescentemente dependente das exportações de commodities agrícolas e minerais para a geração de superávits comerciais.  A reduzida e decrescente rentabilidade da produção industrial, se comparada às demais atividades (finanças, comércio, serviços), constitui-se em um obstáculo importante aos novos investimentos industriais e tem contribuído para a desvalorização dos ativos industriais. O intenso processo de desnacionalização da estrutura produtiva em curso vem agravando essas tendências. 

Interação entre os incentivos de demanda e desenvolvimento produtivo

Nesse sentido é fundamental encontrar uma maior interação entre as políticas de demanda por bens industriais e as políticas de desenvolvimento produtivo e tecnológico doméstico. As políticas de estímulo à competição (controle da concentração de mercado e abuso econômico, esforço exportador, elevação do coeficiente e conteúdo importado, privatização de empresas públicas, acordos comerciais, entre outros) devem ser combinadas com, e não subordinar, as políticas de estímulo à competitividade (aumento de escala interna e externa, estímulo à inovação, financiamento ao investimento e aos gastos com P&D&I, incentivo à internacionalização de empresas nacionais).

Investimento, efeito acelerador e a competitividade industrial

Sem um novo ciclo de investimento produtivo e tecnológico não será possível atualizar ou reduzir a defasagem da estrutura produtiva doméstica vis-à-vis a internacional. O ciclo de investimento certamente não se iniciará pelo setor industrial, pelo menos não de forma generalizada, dadas a elevada capacidade ociosa e a baixa rentabilidade operacional diante de uma demanda reprimida por bens e serviços industriais. O investimento industrial induzido dependerá do investimento autônomo público e privado em outros setores de atividades.

Contribuição da infraestrutura para o novo ciclo de investimento

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Um possível ciclo de investimento autônomo poderá se iniciar pela infraestrutura econômica e social. Há um reconhecido déficit de oferta nas áreas de transporte e mobilidade urbana, energia (sobretudo de fontes renováveis), TIC´s, construção residencial e saneamento básico. O Brasil investe aproximadamente 2% do PIB em infraestrutura básica (logística, energia, telecomunicações e saneamento), enquanto a média mundial é de 3,6% e no caso da China 8,5%. A infraestrutura pode e deve aumentar a sua contribuição para a taxa de investimento da economia (formação bruta de capital fixo). No Brasil essa contribuição oscila entre 10% e 15%. Importante atentar para o duplo papel dos investimentos em infraestrutura. De um lado, contribuem para o aumento da oferta futura de bens e serviços e, de outro, para o incremento da demanda por uma gama ampla de bens e serviços industriais. Há uma inequívoca sinergia entre infraestrutura e desenvolvimento industrial e tecnológico. Além disso, a infraestrutura tem o atributo de criar novos mercados e integrar mercados já existentes, promovendo o desenvolvimento regional e reduzindo as desigualdades regionais e sociais.

Importância do investimento e financiamento públicos

Para tanto é fundamental a recuperação do financiamento (BNDES, CEF e BB) e investimento públicos nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal), estimulando e gerando sinergias e parcerias com o investimento e financiamento privado, incluindo o fortalecimento do mercado de capitais. A recuperação do investimento público passa necessariamente por uma reforma tributária, que reduza os regressivos impostos indiretos e amplie os impostos sobre a renda e a riqueza dentro da carga tributária. Importante destacar que historicamente o investimento e financiamento públicos foram sinérgicos ao investimento privado e não obstáculo ou restrição à sua evolução. Além disso, um padrão de financiamento público e privado com linhas de crédito adequadas de juros e prazo, ao favorecer o investimento e o fortalecimento de empresas e empreendimentos, estimula o desenvolvimento do mercado de capitais e não o contrário.

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