Ricardo Carneiro | No Le Monde Diplomatique
Uma controvérsia importante marca o debate econômico na atualidade: qual a conveniência de usar parte das reservas internacionais para financiar o investimento privado, em particular, aquele direcionado à infraestrutura? A proposta, defendida por alguns economistas, faz parte inclusive do programa de governo do PT, o qual pretende direcionar parte menor dessas reservas para co-financiar o investimento em infraestrutura. A julgar pelas críticas, a proposta parece não ter agradado economistas e instituições de variados matizes. Para examinar as apreciações que lhes são endereçadas, fixamo-nos no trabalho de Josué Alfredo Pellegrini, Os efeitos fiscais do uso das reservas internacionais, publicado pela Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado Federal. Nesse trabalho, de longe o de maior conteúdo analítico e abrangência, o autor examina três destinos para o excedente das reservas: pagar a dívida pública, financiar investimentos e não fazer nada (sic), inclinando-se pela última opção.
Mesmo um trabalho de qualidade, como o citado, merece alguns reparos e dizem respeito a uma abordagem excessivamente estreita da questão, centrada exclusivamente na sua dimensão fiscal. Seria necessário indagar, antes de mais nada, por que os países periféricos são obrigados a acumular montantes tão elevados de reservas internacionais? Apenas para ficar no Brasil, que não é o caso mais emblemático, elas representam em média 20% do PIB. Nunca é demais lembrar que reservas internacionais significam uma poupança ou poder de compra não utilizado, cuja existência, em países de baixa e média rendas, configura um contrassenso. Na verdade, a sua constituição e manutenção traduz um mal menor; um preço a ser pago para que os países de moedas fracas, inconversíveis, participem do jogo da globalização. E para garantir essa participação, isto é, a segurança de investidores de todos os tipos que se dirigem aos países periféricos, é necessário assegurar a viabilidade de sua saída, quando isso lhes for conveniente. As reservas constituem, assim, um seguro para garantir a liberdade dos capitais.