MÍDIA
Fernando Nogueira da Costa | No GGN
O monopólio da emissão de moeda nacional é, junto com o das armas, sustentáculo da soberania do Estado sobre seu território. Ambos monopólios estatais reúnem o poder econômico e o poder militar.
A casta dos mercadores e a casta dos guerreiros-militares, desde o passado, se aliam para configurar uma oligarquia governante. Com a emergência da organização dos trabalhadores assalariados, seja sindical, seja partidária, e depois a formação de uma massa de trabalhadores intelectuais universitários, há a divulgação de ideias socialistas contra o capitalismo explorador da força do trabalho.
A socialdemocracia europeia, após a II Guerra, e a norte-americana, no New Deal, após a Grande Depressão dos anos 30, foi reformista e civilizadora. Com um Estado de Bem-Estar Social obteve os melhores Índices de Desenvolvimento Humano. Aqui, no Brasil, o social-desenvolvimentismo (2003-2014) teve de se contrapor ao neoliberalismo da socialdemocracia à brasileira, projeto só de intelectuais, sem trabalhadores.
No mundo das ideias, sempre houve questionamento de ideias, mesmo feito no ostracismo, durante os estados-de-guerra ou de emergência, sob regimes tirânicos. por Meios de comunicação midiáticos costumam sabotar a divulgação das ideias de vanguarda, críticas ao pensamento dominante. Mas, de tempos em tempos, elas emergem e chegam à opinião especializada bem-formada.
Daí a tarefa da inteligência é sua divulgação didática para a formação da opinião pública. Pratica um debate plural, onde cada participante se posiciona com base em sua razão.
Na Espanha da ditadura fascista de Franco havia uma figura ressentida por ser um militar mutilado, José Millán-Astray, cujo lema era “Viva la Muerte!” Além de celebrar a morte, condenava a razão. Clamou: “Abaixo a inteligência, viva a morte!”. Parece o capitão...
A inteligência está do lado da academia do saber, a truculência está do lado da academia militar e fisiológica. Parece haver uma relação inversamente proporcional entre músculo e cérebro! Os “bombados” estão do lado da morte! Estamos, pelo contrário, do lado da vida!
Um exemplo do atual debate midiático, no Brasil, é praticamente todo o jornalismo econômico, inclusive o televiso, só pautar a pregação de ajuste fiscal a todo custo. Isto depois de dois anos atrás ter prometido a Reforma da Previdência Social ser a panaceia para todos os males, amém... Antes, durante o governo golpista temeroso, tinha sido a hora e a vez da Reforma Trabalhista, apresentada para superar o desemprego.
No debate maniqueísta, a arma é ameaçar a sociedade brasileira e a transformar em refém de ideias conservadoras. Se ela não aceitar a purgação, estará condenada ao inferno econômico, assim como todas suas gerações futuras.
O papel dos fiscalistas apologetas ou “Zé Regrinhas” é escamotear os conflitos de interesses entre as diversas estratégias de políticas econômicas. Jamais apresentam o Estado, em conjuntura de Grande Depressão, como um “empregador em última instância”.
Na história econômica, em vez de pagar impostos, para cobrir déficit público, os cidadãos ricos optam por emprestar dinheiro para o governo, dominado por eles. Defendem o ajuste fiscal cortar despesas públicas em lugar de aumentar a carga tributária.
Em compensação desses empréstimos concedidos ao governo, em estado-de-guerra ou emergência, rentistas recebem juros. Dão total prioridade ao combate à inflação por causa do risco de eutanásia, caso a taxa de inflação supere os juros prefixados.
Além dos juros, isto é, rendimentos, os cidadãos ricos também são recompensados com liquidez e segurança nos títulos de dívida pública com risco soberano. Tais títulos podem ser vendidos a outros cidadãos, caso o investidor necessite de dinheiro de imediato.
Os títulos de dívida pública, no passado, deixaram de ser conversíveis e substituir a moeda em ouro. Para evitar fuga de capital, isto é, das reservas em ouro, durante as guerras, os Estados nacionais passaram a oferecer o risco soberano: pagamento garantido em moeda nacional.
Trata-se de uma estrutura de poder oligárquico como fundamento político do mercado de títulos públicos tipo “Zé com Zé”. Da mesma forma, ressaltam os aspectos políticos do pleno emprego, como se ameaçou o governo social-desenvolvimentista, durante o período 2010-2014, pelo risco do Custo Unitário do Trabalho (CUT) superar a produtividade.
A suprema desconfiança dos empresários no risco de esmagamento de sua margem de lucro os leva a ver o salário apenas como custo e não a massa de rendimentos dos trabalhadores como demanda ou mercado interno. A visão microeconômica obscurece a visão macroeconômica ou sistêmica. Não têm visão holista e estratégica.
No debate teórico e prático contemporâneo, acho ser hora de resgatar Fernando Nogueira da Costa. Por Uma Teoria Alternativa da Moeda. Tese de Livre Docência – 1994, minha tese em Teoria Pura, defendida há mais de ¼ de século no IE-UNICAMP.
Há uma série de implicações em decisões práticas pela aplicação da Teoria Alternativa da Moeda. Esta se contrapõe à Teoria Quantitativa da Moeda no plano das teorias puras, quando se abstrai somente os elementos estritamente econômicos.
No plano menos abstrato das teorias aplicadas, onde se situa metodologicamente a autodenominada Teoria Moderna da Moeda (MMT), são incorporados elementos de outras áreas de conhecimento ou Ciências Afins. Por exemplo, entram em considerações os conflitos de interesses entre agrupamentos sociais, psicologia de massa, instituições definidoras de moedas nacionais, etc.
No nível mais concreto, próximo da realidade, como pré-requisitos de boas decisões práticas, essas teorias mostram se essas são lógicas, coerentes e consistentes com conceitos e teorias. Para serem adequadas ao tempo e ao lugar, têm de ser datadas e localizadas.
A boa política econômica depende do diagnóstico e da escolha adequada de instrumentos para certa fase de um ciclo econômico-financeiro dinâmico. Suas etapas são variáveis ao longo do tempo e em certo país. Isso os divulgadores da MMT não perceberam: ela não é uma teoria geral ou pura. Se a Nação detém ou não reservas cambiais ou dívidas em dólares altera substancialmente a terapia a ser adotada para tratamento dos males econômicos e sociais.
A Teoria Quantitativa da Moeda surgiu durante o século XVIII, um período marcado pela profunda crise política da Inglaterra, devido as suas participações em longas guerras como a Guerra da Sucessão Austríaca (1741-1748), a Guerra Colonial, travada contra França e Espanha (1754-1763). Durante esse período turbulento, o inglês David Hume começou a fazer suas primeiras postulações acerca da Teoria Quantitativa da Moeda, especialmente em seu ensaio Of Money de 1752.
Em todo seu curso de desenvolvimento, nos séculos seguintes, seu contraponto sofreu a influência do debate travado em relação ao controle da emissão de papel-moeda, se lastreado em ouro ou não. Com a progressiva desmaterialização da moeda, agora em sua forma plenamente escritural e digital, ainda baseada na confiança ou em “acreditar” (conceder crédito), ganha novamente projeção pública esse debate.
Estamos para decidir qual rumo monetário a sociedade contemporânea tomará. Haverá uma moeda digital internacional, controlada tecnologicamente pelas big-techs, ou uma “Moeda Digital do Banco Central” (CBDC, na sigla em inglês: Central Bank Digital Currency)? Os Estados nacionais da China e da Índia estão se movimentando nesse sentido. Superarão, brevemente, os Estados Unidos como maiores potências?
Essa minha tese acadêmica é dirigida para a formação da opinião especializada. É uma reflexão. Não visa a ação imediata, mas preenche um pré-requisito para tomar boas decisões práticas: o afastamento crítico da equivocada Teoria Quantitativa da Moeda.
Dentro da tricotomia metodológica apresentada, a tese Por Uma Teoria Alternativa da Moeda situa-se no plano da Ciência Abstrata. Não cabe, então, conclusões diretas ou imediatas sem mediação sobre “o que deve ser feito” na realidade.
A Ciência Aplicada, com afirmações sobre “o que deve ser feito”, na economia, exige considerações não puramente econômicas. Por exemplo, levar em conta a falta de sustentação política, no prazo adequado, da política monetária recessiva.
A Arte da Economia exige ainda mais: o conhecimento do caso específico, com sua localização espacial e histórica. Aí as forças políticas e econômicas decidem, de fato, “o que deveria ser”. Antes da terapia, é necessário o diagnóstico realista de “o que é”.
As opiniões expressas no artigo são de responsabilidade pessoal do autor.
Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Golpe Econômico: Locaute ou Nocaute da Economia Brasileira” (2020). Baixe em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/
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