MÍDIA

Fernando Nogueira da Costa* | No Jornal GGN

Determinismo pressupõe todo acontecimento ser explicado por determinação ou relações de causalidade. Vulgarmente, ele é visto como reducionismo causal, por exemplo, a redução de todos os fenômenos do universo à Química ou à Física Mecânica. Porém, há três tipos de determinismo, cada um definido pela causalidade determinante.

O pré-determinismo supõe todo efeito já estar completamente presente na causa. Trata-se de um determinismo mecanicista, onde a determinação é colocada no passado. Muitas vezes cai em um historicismo, onde tudo vindo antes explicaria o presente. Haveria uma cadeia causal totalmente explicada pelas condições iniciais do universo. Na verdade, é uma História invertida: a partir da linha de chegada, investiga-se a de largada.

O pós-determinismo, comum na teleologia ou no marxismo vulgar, supõe toda causalidade do universo ser determinada por alguma finalidade: um Devenir futuro otimista. Neste, a determinação é colocada no futuro pela imaginação de alguma entidade exterior ao universo causal, seja sobrenatural (Deus), seja material (classe operária). Esta, se for o sujeito revolucionário, será futuramente emancipada.

O determinismo aparece, na ideia de sujeito revolucionário, por um argumento de tipo negativo: no proletariado se concentram a máxima alienação, miséria e degradação. Logo, fazer a revolução seria a única saída possível para quem não tem nada a perder.

Mas aparece também por um argumento de tipo positivo. Apenas o proletariado era, para Marx, inteiramente ligado à organização da produção moderna e dos sindicatos. No século XIX, era o único agente organizado para iniciar uma possível sociedade futura.

O vanguardismo se depara então com um dilema. Considera a marcha da história, interpretada cientificamente por Marx, ser objetivamente inelutável e logicamente previsível em direção ao socialismo? Ou acha necessário “ajudar” a história a marchar? A consciência e a vontade humana seriam dispensáveis em virtude das leis históricas? Ou elas seriam necessárias para essas leis de movimento cumprirem o vaticínio?

O positivismo economicista privilegia o papel pressuposto determinante de “os fatos econômicos” em detrimento da vontade e da ação política. A vontade humana, em contraponto, seria o verdadeiro motor da história. Não haveria nenhum determinismo econômico no sentido de o Estado só favorecer os interesses da classe dominante.

Na Ciência da Complexidade contemporânea aparece um terceiro conceito útil para superar esse dilema: co-determinismo. Por exemplo, na Teoria do Caos ou na Teoria da Emergência, nem todo efeito está totalmente contido na causa. Afasta-se das condições iniciais. O próprio efeito resultante em determinada configuração pode estar a interagir, casualmente, com outros efeitos. Daí podem acarretar outra configuração da realidade, diferente da resultante das causas anteriores.

No co-determinismo, a determinação é colocada no presente ou na simultaneidade dos processos. Por exemplo, as interações no nível molecular configuram a vida, as interações entre indivíduos configuram a sociedade, as interações geoeconômicas e geopolíticas configuram o globo humano. E as interações entre coronavírus e seres humanos derrubam tudo isso!

Os críticos do determinismo apontam uma não-causalidade inelutável, dados o livre-arbítrio e a livre escolha de múltiplos seres humanos. Criticam o mecanicismo ou o fatalismo, respectivamente, do pré-determinismo e do pós-determinismo. Acham a vontade, o desejo ou a escolha existirem em um universo à parte, sem causa aparente.

No entanto, essa crítica não leva em conta o terceiro tipo citado: co-determinismo. Este reconhece todos os modos de causalidade capazes de engendrar várias configurações dinâmicas da realidade molecular, biológica, psíquica, social, econômica, planetária, etc. Cada qual possui uma consistência. Sua autonomia é relativa por jamais cessar de interagir com os outros níveis de realidade ao longo do tempo processual.

Liberdade não é livre escolha nem livre-arbítrio, mas sim criação. Somos livres porque somos imanentes ao mundo co-determinista, onde não existe nada singularmente predeterminado sem ser, ao mesmo tempo, singularmente determinante. Não somos exteriores a esse mundo. Não estamos nem em um pré-determinismo inercial, desde o passado remoto, nem em um pós-determinismo inelutável, em direção ao futuro prometido. Nossa liberdade não se dá por escolha e arbítrio entre entidades dadas, já determinadas ou já criadas, mas sim por nova criação.

Criatividade é mistura. Misturemos, então, essas ideias metodológicas, consultadas e selecionadas na maior enciclopédia digital mundial (Wikipedia), com ideias políticas para fazer uma análise conjuntural.

A diferença fundamental entre a socialdemocracia e outras formas de ideologia política, como o marxismo ortodoxo, é a crença na supremacia da Política sobre a Economia. Esta é composta por ações coletivas em busca de conquistas sociais. Não aceita a supremacia do determinismo econômico da infraestrutura e de seu correlato operariado.

Apoia intervenções econômicas e sociais do Estado para promover justiça social dentro de um sistema hoje configurado como capitalista, mas amanhã (futuramente) talvez como socialista democrático-ecológico – ou com outro nome. Compromissada com a democracia representativa, defende uma política institucional, envolvendo partidos e sindicatos de origem trabalhista, para construir um Estado de bem-estar social e fazer regulação econômica sem travar mercados. Assim, tendo apoio da maioria, para uma tributação progressiva, promoverá uma distribuição de renda e riqueza mais igualitária.

É uma ideologia política, originalmente de centro-esquerda, surgida no fim do século XIX. O debate entre revolução ou gradual reforma legislativa do sistema capitalista a fim de torná-lo mais igualitário, gradual e processualmente, está evoluindo de acordo com a força dos fatos históricos, surgidos ao longo desse processo ocorrido desde então.

Historicamente, não se trata de rejeitar a priori a revolução e outras ideias tradicionais do marxismo como a luta de classes. No processo histórico, há evolução sem sobressaltos, mas podem também surgir choques ou pontos de ruptura por fatos aleatórios ou inesperados. Inovação disruptiva, entre outras, pode ser tecnológica, como robotização e automação, ou biológica, como pandemia paralisante e exterminadora de um tipo de sociedade. Colocará em xeque o neoliberalismo econômico e a globalização com divisão internacional do trabalho em cadeias produtivas? Não sabemos com certeza. Dependerá do processo co-determinista.

O reformismo possibilita atingir um novo modo de vida utópico, no sentido de ser crítico ao existente atualmente, configurado no chamado sistema capitalista? O novo sistema se configurará como aquele “socialismo realmente existente”, isto é, antidemocrático, burocrático e militarizado? Este nunca foi o “socialismo utópico”, idealizado pelos defensores de uma sociedade harmônica em si e com a natureza.

Os socialistas democráticos de origem trabalhista tentam reformar o capitalismo, democraticamente, através de regulação estatal do Mercado e da regulação do Estado pela Comunidade. Nesse sentido, buscam a criação de programas capazes de diminuírem ou eliminarem as injustiças sociais inerentes ao capitalismo, por exemplo, o Bolsa Família. Não imaginam um novo modo de vida se restringir a um sistema econômico caracterizado pela propriedade coletiva dos meios de produção sob direção de pressupostos representantes dos trabalhadores, listados em uma nomenclatura.

No final do século XX, alguns partidos sociais-democratas, em especial, o Partido Trabalhista britânico, o Partido Socialdemocrata da Alemanha e o Partido Socialista francês, começaram a adotar políticas econômicas neoliberais. Isso foi chamado de “Terceira Via”. Gerou uma grave crise de identidade entre os membros e eleitores desses partidos por a socialdemocracia se distinguir do liberalismo estritamente econômico. Enquanto a socialdemocracia defende benefícios sociais universais e regulação econômica, o neoliberalismo apoia benefícios sociais limitados e livre-mercado. Juntar os dois é uma concepção fracassada de intelectuais sem base social.

Na “coronacrise” atual, sociedades reguladas ou influenciadas por Capitalismo de Estado como as asiáticas ou Estados de Bem-Estar Social como as nórdicas, ou mesmo as herdeiras de Sistemas de Saúde Pública Universais, de origem socialdemocrata, como há na Europa, parecem estar se saindo melhor. Superam no enfrentamento da crise, tanto o Capitalismo de Mercado à americana com precário sistema de saúde pública, quanto os latinos descendentes de regimes fascistas (Itália, Espanha, Portugal) ou ditatoriais (Brasil, Chile, Argentina).

Socialdemocracia é uma questão de classe? Acho-a mais inteligível ao entende-la como fruto da aliança entre duas castas de natureza ocupacional: a casta dos trabalhadores (organizados em sindicatos e partidos) e a casta dos sábios-universitários, tecnocratas ou intelectuais (formados na massificação do ensino a partir do pós-guerra).

Essa aliança, em determinadas conjunturas, conseguiu fraturar a aliança entre a casta dos militares e a casta dos mercadores, seja após a II Guerra Mundial, seja na Guerra Fria ou nos Anos de Chumbo da ditadura militar brasileira. O ponto de ruptura atual oferece a oportunidade de romper o oportunismo da aliança entre o populismo de direita militar e o neoliberalismo no Brasil. A virada propiciará o retorno ao necessário Estado de Bem-Estar Social.

As opiniões expressas no artigo são de responsabilidade pessoal do autor.

* Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Capital e Dívida: Dinâmica do Sistema” (2020; download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..