Ricardo Carneiro | IHU Unissinos
Uma imagem que ilustra a situação da economia brasileira hoje “é a do fundo do poço”, porque “o PIB caiu muito nos últimos dois anos, e houve um forte aumento do desemprego, fatos que as pessoas conhecem e, mais do que conhecem, estão vivendo. Em 2017 a economia teve uma estabilização e um crescimento de 1%, ou seja, a economia ficou praticamente parada, estacionou no fundo do poço”, diz o economista Ricardo Carneiro à IHU On-Line. Na avaliação dele, o crescimento sustentável do país depende do investimento na indústria e da superação da desindustrialização. “Para crescermos de uma forma sustentável, teremos que pensar no futuro com uma estratégia para a indústria”, frisa.
Carneiro também defende a participação do Estado na economia e destaca que as parcerias público-privadas ainda são fundamentais para um país como o Brasil. “Existem várias formas de fazer isso, porque o Estado tem vários instrumentos para isso, como crédito subsidiado, incentivos fiscais, a política de conteúdo local, compras governamentais. A minha ideia é que esses instrumentos existem, estão aí e podem ser usados, cabendo escolher que setores serão beneficiados. A partir desses setores, se constrói em cada um deles uma forma de articulação com o setor privado”, argumenta.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, o economista também reflete sobre o gasto social e defende que um conjunto de gastos precisa ser analisado e corrigido, como as despesas com o funcionalismo público, e as diferenças entre a previdência pública e a privada. “Minha proposta é que se faça uma indexação das despesas pelo crescimento do PIB. Então, é preciso ampliar o gasto per capita do Brasil, porque a renda do país é um quinto da renda dos EUA e um quarto da Alemanha. Para fazer Estado de bem-estar social é preciso crescer, respeitando a ideia de que a sociedade pode não querer aumento de carga tributária. Então, uma forma de melhorar o gasto é pelo crescimento do PIB, sem aumento da carga tributária, o que torna mais importante tributar e gastar corretamente. Essa proposta visa aumentar a renda disponível das pessoas que têm menos e financiar os gastos sociais. É uma forma de equacionar o conflito distributivo: mantém-se a carga tributária e os gastos crescendo em linha com o PIB, mas muda-se a sua composição na direção da progressividade”, explica.
Ricardo Carneiro é mestre e doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Foi diretor executivo pelo Brasil e Suriname do Banco Interamericano de Desenvolvimento em Washington (2012/2016). Atualmente é professor titular aposentado e professor colaborador da Unicamp. Ele esteve presente no Instituto Humanitas Unisinos - IHU na última segunda-feira, 9-4-2018, onde ministrou a palestra Novos desenvolvimentismos no Brasil. Tendências e desafios para a economia brasileira. A íntegra da conferência pode ser vista aqui.
Confira a entrevista.
IHU On-Line — Qual é a atual situação da economia brasileira? O aspecto mais crítico da crise já passou? O governo anuncia a retomada do crescimento, mas esse crescimento é sustentável, ele aponta para alguma direção, para um projeto de crescimento, ou trata-se apenas de uma recuperação sem direção?
Ricardo Carneiro — Uma imagem que pode ilustrar bem nossa situação é a do fundo do poço. O PIB caiu muito nos últimos dois anos, houve um forte aumento do desemprego, fatos que as pessoas conhecem e, mais do que conhecem, estão vivendo. Em 2017 a economia teve uma estabilização e um crescimento de 1%, ou seja, a economia ficou praticamente parada, estacionou no fundo do poço.
Qual é a chance de crescer? Como a economia caiu muito em 2015/2016, qualquer dado positivo que apareça, mesmo um dado isolado, como o crescimento da safra ou a liberação de recursos do FGTS, qualquer dado positivo aparece magnificado. Estatisticamente, aparece como sendo de 2,0% ou 2,5%. A verdade é que o ritmo da recuperação é um ritmo muito lento.
Há quem discuta se essa recessão é a maior da história, ou a segunda maior da história. No entanto, o importante é que a recuperação da economia a partir de 2017 é, de fato, a recuperação mais lenta da história econômica do Brasil. Isso se dá por várias razões, entre elas, porque é muito difícil crescer com um governo sem legitimidade, que foi fruto de rupturas institucionais e que não conseguiu se firmar. Por outro lado, as muitas denúncias de corrupção afetaram e afetam o clima econômico. O fato de haver uma eleição tão indefinida pela frente também dificulta o processo.
Outro aspecto importante é que a recessão não significou só uma perda de produto, de emprego etc., mas traduz o fato de que as famílias e as empresas se endividaram bastante, ou seja, os agentes privados estão muito endividados. Portanto, diante do quadro político, dos agentes econômicos endividados e do governo fazendo uma política equivocada, fazendo muita ideologia, dizendo que precisa ter menos Estado na economia, estamos indo para uma situação sem horizontes. A única coisa que salvou um pouco a situação, e não tem a ver com política de governo nem com a situação interna, foi o fato de que a situação internacional foi boa em 2017 e deve ser ainda boa em 2018. Esse é um dado importante e ajudou ao arremedo de recuperação que ocorreu em 2017.
A minha visão não é otimista. Há algum crescimento, mas um crescimento um pouco maior dependerá, sobretudo, do crescimento de consumo das famílias. Mas este é um ano difícil, e os bancos estão reticentes em emprestar. Assim, a “bala de prata” do crescimento este ano é o consumo das famílias, que depende, sobretudo, da recuperação do emprego, que recupera mas recupera mal, porque a qualidade do emprego, por conta da reforma trabalhista, está muito pior. Eu vejo vários obstáculos para que haja um crescimento econômico mais significativo e mesmo o setor externo contribuirá muito menos este ano. Será difícil chegar ao final de 2018 com 2,5% de crescimento.
>> Leia a entrevista completa aqui.
Os desafios da economia brasileira
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