MÍDIA

 

POR LUCAS LIMA, MIGUEL TORRES, ADEMAR ROMEIRO E CAROLINA BUENO | Revista Economistas 

 

“O que acontecerá se o desenvolvimento econômico, para o qual estão sendo mobilizados todos os povos da Terra, chegar efetivamente a concretizar-se, isto é, se as atuais formas de vida dos povos ricos chegarem efetivamente a universalizar-se? A resposta a essa pergunta é clara, sem ambiguidades: se tal acontecesse, a pressão sobre os recursos naturais não renováveis e a poluição do meio ambiente seriam de tal ordem (ou, alternativamente, o custo do controle da poluição seria tão elevado) que o sistema econômico entraria necessariamente em colapso” (Furtado, 1974, p. 19).

O estruturalismo e o neoestruturalismo, duas das vertentes mais importantes no campo das teorias latino-americanas de desenvolvimento e subdesenvolvimento, caracterizam-se por serem corpos teóricos em expansão histórica, ou seja, vão ampliando suas estruturas conceituais conforme surgem novos fenômenos globais emergentes, que complexificam e problematizam a análise das relações centro-periferia ao longo do tempo (Bielschowsky, 2010). A incorporação de aspectos sociológicos e políticos à análise do desenvolvimento, o estudo dos efeitos dos conglomerados multinacionais nas economias periféricas (Sunkel, 1973), a dimensão de gênero e a economia feminista no processo de desenvolvimento são exemplos claros disso, assim como foi também a incorporação da dimensão ambiental no fim dos anos 1970 nas análises da CEPAL (Bielschowsky e Torres, 2018; Bárcena et al., 2019; Porcile e Torres, 2024).

As primeiras análises estruturalistas que abordaram a questão ecológica na CEPAL¹ estavam relacionadas com os recursos naturais, dado o padrão de especialização da América Latina nesses bens e a tendência declinante dos seus termos de troca, conforme Prebisch (1949). No entanto, em Prebisch (1963 e 1970) encontram-se esboçadas, de maneira intuitiva, suas primeiras preocupações com a deterioração do meio ambiente e o esgotamento dos recursos naturais como consequência da poluição gerada pela sociedade industrial. Contudo, somente a partir da década de 1970 a CEPAL incorporou a dimensão ecológica em seus estudos sobre desenvolvimento.

Em 1974, durante seu exílio político, Celso Furtado publicou O Mito do Desenvolvimento Econômico. No primeiro capítulo, ele aborda a impossibilidade de replicar (homogeneização) o padrão de crescimento econômico dos países centrais (ditos desenvolvidos) nos países da periferia (denominados subdesenvolvidos), devido a três aspectos.

Primeiro, porque as reservas de recursos naturais são finitas e incapazes de sustentar uma ampla homogeneização dos padrões de vida dos países centrais; e porque a poluição e o consequente aquecimento da temperatura média do planeta colocam em risco a vida na Terra. O segundo aspecto diz respeito à presença de empresas transnacionais, que comprometem a autonomia dos países periféricos, limitando suas opções de inversão (investimento) e reduzindo sua autonomia no processo de tomada de decisões, enquanto criam mecanismos de fuga para os excedentes de poupança de seus países de origem. Por fim, em terceiro lugar, o autor postula que as estratégias de desenvolvimento dos países centrais não promovem o progresso das nações periféricas, ao contrário, reforçam a concentração de renda entre elites locais e estrangeiras.

Furtado (1974) destaca, portanto, que o modelo de desenvolvimento engendrado pelos países desenvolvidos, caracterizado pela apropriação dos excedentes gerados nas periferias, cria um ciclo vicioso, em que o aumento da dependência externa anda de mãos dadas com o aumento da exploração interna, perpetuando não só o subdesenvolvimento, mas também agravando as desigualdades sociais. Esse ciclo mantém a concentração de renda e a marginalização das massas, reforçando a dominação cultural e econômica das elites, tanto locais quanto estrangeiras (p. 44-60).

Além disso, a homogeneização dos padrões de consumo e a adoção de tecnologias inadequadas para as realidades locais resultam em uma modernização superficial, que não gera desenvolvimento sustentável, mas sim uma dependência crescente (p. 80-81). Em suma, a replicação do modelo de desenvolvimento das economias centrais para as economias periféricas é um mito. Para o autor, superar o mito exige novos estilos de desenvolvimento.

No fim da década de 1970 e início da seguinte, Osvaldo Sunkel, junto a uma equipe multidisciplinar na CEPAL, estudou as relações entre estilos de desenvolvimento e meio ambiente. Desses estudos (Sunkel, 1980, 1981 e 1987; Sunkel e Gligo, 1980) surgiram as primeiras problemáticas entre economia e ecologia em um contexto periférico, entre elas: a relação inversa entre produção e poluição, a desigual distribuição inter e intrageracional dos seus danos, conforme estratos sociais; e a necessidade de uma gestão ambiental que promova o desenvolvimento inclusivo e sustentável.

A partir da década de 1990, as bases da análise ambiental sistemática estabelecidas por Sunkel foram ampliadas sob o enfoque da análise neoestruturalista. Assim, por exemplo, Fajnzylber (1990) argumentou que um esquema de competitividade baseado em baixos custos e na depredação extrativa dos recursos naturais e biodiversidade constituía uma competitividade “espúria”, em contraste com uma estratégia de competitividade “autêntica”, baseada na geração de progresso técnico e na equidade distributiva.

Com base nessas ideias, a CEPAL tem analisado, nos últimos anos, os efeitos das mudanças climáticas e a necessidade de avançar em direção a padrões de eficiência ambiental, schumpeteriana e keynesiana, requeridos para um grande impulso ambiental (CEPAL, 2020). Essa nova perspectiva teórica, analisada, entre outros, por Sánchez et al. (2023) e Porcile e Torres (2024), é chamada de neoestruturalismo ecológico.

 

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