MÍDIA

Ricardo Carneiro | No Le Monde Diplomatique

Economistas, jornalistas e outros formadores de opinião de posição conservadora têm sido incansáveis em apregoar a inevitabilidade da crise fiscal. Segundo eles, o déficit fiscal inevitável, decorrente da pandemia, induziria a uma trajetória explosiva da dívida pública. Todavia, ressalvam, há uma tábua de salvação: o ajuste fiscal duro, com a manutenção do teto dos gastos, na pós-pandemia, quiçá acompanhado de eventuais acomodações patrimoniais como a venda de estatais e de reservas internacionais. É surpreendente a abstração de fatos e variáveis relevantes nessa postulação; provavelmente por um misto de interesse e ideologia, mas cuja consideração a põe sob forte suspeita.

Independentemente do conceito de dívida pública a ser considerado, uma constatação inicial a ser levada em conta é que para a sua trajetória ampliar déficits é mais favorável do que a não ampliação. Ou seja, por razões estritamente econômicas, o aumento dos déficits, no contexto atual, redundará numa posição da dívida/PIB, que é o critério essencial de sua sustentabilidade, menor do que aquela resultante de uma postura passiva. E as razões são: a ociosidade, o efeito multiplicador do gasto sobre o PIB e a elasticidade da arrecadação ante este último.

A ociosidade de trabalhadores e máquinas, na verdade um eufemismo para caracterizar a recessão aguda pela qual passamos, permitirá uma rápida mobilização da produção, ante o aumento de gastos públicos. Está amplamente consolidado na teoria, e nos estudos empíricos, que isso induzirá o incremento da renda via efeito multiplicador. Em situações recessivas e para gastos sociais e de investimentos este último é recorrentemente superior à unidade. Por último, o PIB incrementado dará origem a uma ampliação da arrecadação, cujo montante dependerá da elasticidade desta última ante o primeiro, sabidamente alta em estruturas tributárias muito dependentes de impostos indiretos, como a brasileira. Em resumo, amplia-se o déficit, coeteris paribus, aumenta a dívida em igual magnitude, mas o incremento do PIB e da sua parcela apropriada pela arrecadação já permite amortizar uma parte desse aumento. Ao final, com o crescimento do PIB, teremos uma relação dívida/PIB menor do que a inicial.

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