Pedro Paulo Zahluth Bastos | Na Carta Capital
As flutuações da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) se descolaram da realidade das variações do PIB e mesmo dos lucros das empresas. Desde 2014, refletem muito mais as apostas do mercado financeiro (o “mercado”) sobre se os governos vão ou não fazer o que o mercado acha melhor para si mesmo.
É claro que os agentes e porta-vozes do mercado vão sempre dizer que o mercado acha melhor para si mesmo é também o melhor para o País. O problema é que isso não corresponde à realidade: as apostas do mercado sobre o impacto econômico de sua agenda já se mostraram erradas sistematicamente. O mercado não aprende isso porque, na verdade, não está preocupado com o País, mas consigo mesmo.
Em 2014, por exemplo, o Ibovespa ficava bem humorado quando as chances de Marina Silva e Aécio Neves aumentavam, e caía quando as de Dilma Rousseff subiam. Depois que a presidenta Dilma resolveu nomear Joaquim Levy na Fazenda e prometeu corte grande no gasto público, a bolsa se animou e as expectativas de mercado cravaram um crescimento de 0,8% para 2015.
A economia despencou 3,8% em 2015, em parte porque o choque de preços administrados e a austeridade (fiscal e monetária) exigida pelo mercado derrubou as expectativas de lucro das empresas nos mercados não-financeiros.
O mercado voltou a se animar quando Michel Temer substituiu Dilma e prometeu mais austeridade. Alguém lembra que o mercado achava no final de 2017 que a economia cresceria 3% em 2018?
A bolsa comemorava o “sucesso” das reformas de Temer que cortaram direitos dos trabalhadores, o gasto social e o investimento público, privatizaram o Pré-Sal e liberaram a Petrobras para elevar preços de combustíveis de acordo com a especulação no mercado internacional.
O problema é que tudo isso prejudicava a recuperação da economia. O corte de salários e direitos trabalhistas mantinha a demanda dos consumidores em passo de tartaruga. A quase eliminação do investimento público contribuía para manter a grande capacidade ociosa que desanima o investimento privado. E a liberação dos preços dos combustíveis nos jogou na greve dos caminhoneiros.
No final de 2018, o mercado passou a bombar com a eleição de Bolsonaro e a nomeação de um dos seus, o radical mercadista Paulo Guedes, para o superministério da Economia. Esqueceram de combinar com a realidade.
O Banco Central apontou que a economia “real” se contraiu em janeiro de 2019 enquanto a bolsa batia recordes. Semana passada o superministro anunciou corte de 30 bilhões de reais no orçamento federal por causa da frustração da arrecadação. No final deste mês, o IBGE nos informa que a taxa de desemprego subiu de 11,6% para 12,4% no trimestre.
Enquanto o Ibovespa batia recordes, o número de desempregados aumentou 7,3% em relação ao trimestre anterior e chegou a 13,1 milhões. A subutilização da força de trabalho chegou ao recorde de 27,9 milhões (24,6% dos que querem trabalhar). O desalento dos que não tem mais dinheiro ou esperança para procurar emprego também bateu um recorde, alcançando 4,9 milhões de desesperados.
Os mercadistas deviam se reciclar e começar a ler relatórios do FMI com atenção. Sua principal publicação anual afirmou, em abril de 2012, “que os mercados parecem um pouco esquizofrênicos – pedem austeridade fiscal, mas reagem mal quando a austeridade fiscal leva a um crescimento menor”.
Hoje o mercado se anima ou deprime de acordo com a (in)competência mostrada pelo governo de Paulo Guedes para alcançar o Nirvana no futuro: transferir trilhões de reais das contas de aposentadoria dos brasileiros para um sistema de capitalização que será administrado, com comissões elevadas, pelo próprio mercado.
O mercado jura que aumentar o número dos trabalhadores que vão pagar comissões caras para os planos de Previdência por capitalização ou que vão disputar empregos inexistentes com salários menores por não conseguirem se aposentar – por causa da reforma da Previdência que o mercado quer para si mesmo – vai finalmente trazer o milagre do crescimento prometido desde 2015. Acredite quem quiser, com toda fé.
De uma coisa temos certeza. Se os conselheiros do mercado financeiro errarem suas previsões de novo (crescimento de 2,5% em 2019), não vão ter o menor pudor em culpar a “velha política”, os trabalhadores, os sindicatos e os economistas “heterodoxos” por não permitirem que o mercado faça o que quer para o País, ou melhor, para si mesmo. Não corro o risco de errar esta previsão.
As opiniões expressas no artigo representam a opinião pessoal do autor.