Fernando Nogueira da Costa | No GGN
O cérebro humano recorre a narrativas, inclusive às sem compromisso com a verdade, para racionalizar o comportamento. Humanos são eternos contadores de histórias. Falácia da Conjunção diz respeito à compreensão intuitiva para histórias “consistentes” ou “plausíveis”, isto é, contadas de maneira convincente, impressionante e vívida, mesmo não se não forem verdadeiras. A verdade é o todo. Estórias são reducionistas.
A Narrativa do Mais Tolo é conhecida como a crença do investidor quando compra um determinado ativo supostamente valorizado e acredita poder o vender no futuro com maior valorização. Ele espera encontrar um investidor ainda “mais tolo” capaz de o comprar. Dedução da narrativa: não se compra um ativo por o preço corresponder ao justo valor fundamentado, mas sim pela expectativa de revendê-lo por valor mais alto.
A Narrativa do Mais Tolo é comum em cenário especulativo com viés de alta, onde há um movimento predominante de força compradora. Por exemplo, no período anterior à explosão da “bolha da internet”, ocorrida no início de 2000, quando empresas de internet ainda obtinham um lucro pequeno, chegaram a valer bilhões de dólares por pressuposta valorização futura – e não pela distribuição efetiva de dividendos. Há distinção entre duas formas de operação na bolsa de valores: uma se baseia nos dividendos esperados e outra especula quanto à variação futura dos preços das ações.
Essa narrativa é similar à Narrativa do Concurso de Beleza utilizada por Keynes, no capítulo 12 da Teoria Geral, para ilustrar o comportamento especulativo dos investidores na bolsa de valores. A comparação é feita entre o investidor profissional na bolsa de valores e o participante do concurso para eleger, dentre uma centena de fotografias, os seis rostos mais bonitos.
No concurso, o prêmio é atribuído àquele participante cujas preferências mais se aproximam da seleção representativa da opinião média do conjunto dos participantes. Deste modo, a diretriz a ser seguida pelo participante não é a sua preferência, mas sim escolher as fotografias representativas da imaginada opinião média dos demais participantes do concurso. Por sua vez, todos eles se deparam com a mesma situação.
Portanto, torna-se irrelevante quais são, subjetivamente, os rostos mais bonitos, quando todos os participantes compartilham esse raciocínio. Ele visa antecipar a opinião média do conjunto de participantes, ou seja, um exercício de empatia coletiva. Em analogia, os rostos mais bonitos do concurso correspondem, no mercado financeiro, às ações a serem compradas por se acreditar a opinião média dos investidores também imaginar serem elas a serem compradas.
Os julgamentos buscam adivinhar o que a opinião média considera a opinião média. Keynes propôs este ser o comportamento dos analistas de mercado e gestores de fundos de investimentos. Estes agentes são, de maneira paradoxal, “racionalmente irracionais” ao lidarem não com fatos, mas sim com boatos ou rumores.
Ao fugir de mercado notoriamente arriscado por inflar uma bolha descolada dos fundamentos da empresa, do setor de atividade e mesmo da macroeconomia, mas com firme e contínua valorização de todas as ações, o investidor se considera tolo. Isto por não levar em conta a sugestiva Narrativa do Mais Tolo: sempre haver alguém comprando papeis já sobrevalorizados, como prova os mesmos estarem ainda se valorizando em processo de retroalimentação.
Na Narrativa do Concurso de Beleza, o jurado sincero com sua preferência selecionaria as genuinamente bonitas sob seu ponto de vista. Mas ele seria considerado um excêntrico, não convencional e dissidente da opinião especializada ou mesmo pública. Curiosamente, o vencedor do prêmio por se aproximar da opinião média é considerado pelos demais players um excêntrico distinto deles. Quem for perdedor não terá misericórdia por parte do vencedor por os considerar previsíveis – e equivocados.
Afinal de contas, a Narrativa do Senso Comum Defensivo sugere ser melhor errar copiando erros de outros a tentar acertar na verdade contra a opinião dos demais. No primeiro caso, você assim como os outros é uma vítima de acontecimentos coletivos. No segundo caso, você é um incompetente – e será despedido.
Dedução dessa narrativa: os gestores oportunistas continuam a tomar decisões em conjunto com O Mercado, mesmo sua opinião pessoal, no íntimo, sendo contrária à opinião predominante. Se o gestor contrariar O Mercado e acertar é tido como mero sortudo, mas, caso erre a previsão, é considerado irresponsável.
O que faz o preço das ações oscilarem na bolsa? Tudo em economia é reduzido a um único e exclusivo movimento, devido à Lei da Oferta face à Demanda. Em ainda maior reducionismo, apenas à demanda, porque a oferta de papeis é considerada fixa (ou dada) em um corte temporal, isto é, no presente. Então, se aumenta a demanda, ou seja, o número de compradores de determinada ação, então aumenta a cotação da empresa. Se diminuírem os compradores, seu valor de mercado cai.
Se o mercado é muito pulverizado e movimenta um valor expressivo, cada “voto” individual é insignificante. Em consequência, seria mais interessante tentar “votar” no papel já valorizado pelos “demais tolos” – e não em sua avaliação dos fundamentos!
A Teoria dos Jogos mostra as chances de você obter melhores resultados via tentativa de adivinhar qual ação será selecionada pela maioria do grupo. Avaliar a opinião a ser predominante faz sentido, dada a premissa de a cotação se movimentar por demanda aquecida face à dada oferta.
No mercado de ações, se alguém pesquisar e achar um papel com ótimos fundamentos microeconômicos, setoriais e macroeconômicos, mas com baixa liquidez por ninguém o comprar, então, dependendo do montante comprado por ele, poderá até provocar uma pequena elevação na cotação. Mas se ninguém mais o comprar, é impossível a alta persistir. Na outra ponta, poderá até aparecer vendedores para aproveitar a oportunidade e se livrar do “mico”. Com essa oferta maior, começará a diminuir a cotação até aparecer algum comprador, pagando um preço inferior ao anterior. Isso levaria ao comprador inicial um custo de oportunidade temporário a não ser ele mesmo o comprador de mais dessas ações com expectativas dela pagar maiores dividendos.
O interessante da Narrativa do Concurso de Beleza é ela também explicar um comportamento comum de acordo com a Narrativa do Efeito Manada. No curto prazo, muitos traders ficam atentos ao movimento do volume de alguns papeis, principalmente daqueles não possuidores de muita liquidez. Eles sabem: ao entrar um volume grande de dinheiro para comprar nesses papeis, haverá forte movimento: inicialmente para alta, depois poderá se reverter para baixa.
Se investidores utilizam análise fundamentalista para concluir se uma empresa pode ou não ser uma boa compra, para valorização futura, outro passo é os preços sinalizarem isso para essa opinião predominar e contaminar as análises grafistas. Superando a linha de resistência (níveis máximos atingidos em certo período ao contrário da reta de suporte formada pelos níveis mínimos), a compra tende a ser de uma grande maioria, então, a demanda por papeis aumenta, fazendo o seu preço aumentar.
A análise técnica é Psicologia Social aplicada ao mercado. Seu objetivo é identificar tendências e mudanças no comportamento da multidão, isto é, massa de investidores cujo comportamento coletivo comanda os preços. O Mercado corresponde à
soma dos desejos, medos e expectativas dos participantes individuais – e institucionais.
A análise técnica, cujo algoritmo pesquisa a volatilidade de cotações face aos padrões do mercado de ações, prognostica as probabilidades de acerto, mas não o curso real dos eventos. Essa narrativa tem pouco fundamento teórico além da afirmação de, em preços das ações determinados pela oferta e procura, a experiência passada ser a única fonte de dados para prognóstico do futuro.
Há uma arbitrariedade na convenção projetiva ao supor a situação atual continuar a existir no futuro, exceto quando houver indicações claras em contrário. Viés de Resultado ou Falácia do Historiador se refere à nossa tendência de avaliar decisões com base no resultado — e não com base no processo anterior à decisão. “Profecia reversa” é julgar o processo a partir da linha-de-chegada.
É um tipo especial de “ilusão de ordem”. Os eventos raramente ocorrem como se espera, mas a necessidade de a mente humana acreditar em ordem racional se impõe.
Baseia-se na crença, totalmente sem fundamento teórico face à quebra de regularidade provocadas por mudanças estruturais, de a história se repetir. Na verdade, se faz uma “previsão da história” a partir de uma dada hipótese do historiador e extrapola uma repetição ordenada dessa história imaginada para se prever o futuro. Ela permitiria, sem nenhuma mudança em sua regularidade, previsões corretas.
O Mercado, embora reverenciado com letras maiúsculas como um ser sobrenatural, onipotente, onisciente e onipresente, é “o que é”, isto é, resultado de múltiplas decisões descentralizadas, descoordenadas, desinformadas uma das outras e conflitantes. O Mercado não é “o que deveria ser” racionalmente.
Dedução da Narrativa do Concurso de Beleza: é uma analogia com o mercado de ações. O critério de compra, utilizado pelo investidor, não é exclusivamente o dele. Quando cada qual imagina como os outros podem pensar, não só extrapolando sua própria opinião para os demais, como faz a expectativa racional, cria-se uma dinâmica coletiva de profecia autorrealizável. As decisões se influenciam mutuamente e podem mudar o resultado antes esperado. Isso é considerado “risco” no mercado de capitais.
As opiniões expressas no artigo são de responsabilidade do autor.
*Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..