Fernando Nogueira da Costa | No GGN

O atraso cultural de nosso País está revelado pela história brasileira da formação tardia da casta dos sábios-universitários. Ela se diferencia da casta dos sábios-pregadores ou sacerdotes de outrora – e dos sabidos-pastores evangélicos contemporâneos.

Antes da “modernização conservadora” da ditadura, ocorrida após o Golpe Militar de 1964, só se formaram 19.049 profissionais universitários em 1963. No total acumulado em 35 anos (1963-1998), tinham se formado 5.954.028 universitários no País. No fim do século XX, possuía a população total de 169,5 milhões de habitantes. Essa minoria, por alguns classificada como a “elite intelectual”, era apenas 4% da população.

Para comparação, em 1950, para a população de 15 anos ou mais, a Coréia do Sul tinha 1,5% com alguma educação superior, enquanto no Brasil essa porcentagem correspondia a 0,7%. Em 2005, essa parcela se eleva para 32,5% na Coréia do Sul, enquanto no Brasil, apenas para 6,3% (Barro & Lee Educational Atteinment Dataset).

Segundo o Censo da Educação Superior de 2017, divulgado pelo MEC (Ministério da Educação), o país tinha 8,3 milhões de alunos em cursos de nível superior (presencial e a distância), contra 5,3 milhões em 2007 – crescimento de 68%. As instituições privadas registraram 6,2 milhões de alunos matriculados nos cursos presenciais e de educação à distância. Nas universidades públicas estavam 25% dos estudantes universitários.

O ensino a distância tem registrado expansão nos últimos anos e já representa 21,2% do total de alunos — em 2007, era apenas 7%. Nos cursos presenciais, a procura costuma ser pela qualidade, reputação da universidade e por vocação para a área. A média de preços, nas instituições privadas presenciais, é de R$ 1.009, enquanto no ensino a distância é de cerca de R$ 295. Pior, o corte no FIES (Financiamento Estudantil), promovido pelos neoliberais, emperram a entrada de novos universitários.

As características socioeconômicas dos estudantes do ensino superior brasileiro foram analisadas em tese de doutorado recém-defendida pela economista Ana Luíza Matos de Oliveira no IE-UNICAMP (baixe). Com base na PNAD do IBGE, ela analisou dados de alunos de faculdades tanto públicas como privadas. Os resultados mostram, apesar da importante persistência de desigualdades, o perfil dos alunos de graduação se aproximou cada vez mais do da população em geral entre 2001 e 2015, tanto no quesito renda como nos de cor e de diversidade regional, nas universidades públicas e nas particulares.

Há 18 anos, apenas 21,9% dos universitários eram pretos ou pardos. Em 2015, esse percentual chegou a 43,5%. Pretos e pardos são 53,4% da população brasileira. Em 2001, os estudantes de graduação entre os 30% de maior renda familiar do país eram 82% do total do alunado. Em 2015, eram 51,5%.

Em 2016, porém, a tendência de redução da desigualdade é revertida, em meio ao golpe político, a crise econômica e os cortes no Orçamento pelos neoliberais. Se a participação dos negros segue em alta, principalmente devido à intensificação de políticas afirmativas, de 2016 para 2017 a distância entre os 30% mais ricos e os 70% mais pobres mais pobres aumentou no ensino superior.

Porém, para a Ana Luíza Oliveira “as políticas públicas são fundamentais para uma adequada política educacional, porque os mais pobres têm menos condição de arcar com a universidade”. Ela cita programas como o FIES, financiamento para pagar as matrículas; o PROUNI, troca bolsas em vagas de faculdades particulares por isenção tributária (em vez de sonegação); o REUNI, programa de expansão das vagas em universidades federais; e as cotas para negros e para indígenas.

Para testar essa hipótese, ela pesquisou o caso da Índia, onde também houve expansão de vagas, mas não foram implantadas políticas complementares. Com isso, a desigualdade de acesso ao ensino superior aumentou no país.

Quanto à quantidade de alunos concluintes, atingiu 1,19 milhão em 2017, considerando as modalidades presencial e a distância. Apenas o Censo a ser realizado no próximo ano, caso não seja também cortado pelo governo do capitão, revelará um número preciso, mas estima-se em 13,4 milhões o número de formados em Ensino Superior na população ocupada, ou seja, apenas 15% dos trabalhadores.

Se os cortes em verbas públicas obrigatórias para a Educação não forem revertidos, deve levar a mais concentração de renda. O Brasil é um dos países do mundo onde a conclusão de uma graduação resulta em maior ganho salarial. Senão, vejamos.

Segundo a PNADC, o rendimento médio real habitual de pessoas ocupadas no primeiro trimestre de 2019 estava em R$ 2.291. A RAIS (MTb) apontava a remuneração média em dezembro de 2016 por escolaridade com Ensino Médio Completo e Incompleto em R$ 2.018. Pela PNADC 2017, rendimentos do trabalho em R$ 2.246 correspondiam ao decil entre 70% e 80% na distribuição de renda. Em outras palavras, quem tinha apenas ensino médio receberia a média dos rendimentos dos trabalhadores ocupados e estava limitado à faixa de renda até 80% da pirâmide social. Metade dos trabalhadores recebiam até R$ 1.171, ou seja, somente até 17% acima do salário mínimo.

Ao completar o Ensino Superior, quem exerce a profissão na qual se formou já entra na faixa dos 10% mais ricos. Entre 90% e 95% recebem rendimentos médios de R$ 5.214. Com um doutorado passa a integrar a faixa entre 95% e 99% com média salarial de R$ 9.782. Com todos os títulos acadêmicos poderá ingressar no 1% mais rico ao receber em torno de R$ 27.213. São valores fornecidos pela PNADC 2017.

Entre o 1% mais rico, 62% são graduados, embora na população ocupada em geral, segundo o Censo 2010, eram apenas 14%, isto sem considerar os mestres com 9% entre o 1% mais rico e 0,7% no geral e os doutores, 5% no top e 0,1% no geral.

Apenas 0,1% de trabalhadores analfabetos ou com primário completo entraram no 1% com maior renda; 0,2% com primário completo ou médio incompleto; 0,5% com médio completo ou universitário incompleto. Por sua vez, 4% com superior completo, 13% dos mestres e 19% dos doutores se situam entre o 1% mais rico.

Quantos às profissões, 15% dos participantes do topo da pirâmide trabalhavam em Administração, Negócios e Economia acima de 11% de médicos. Porém, aqueles eram 97 mil, face a 3,6% no total, enquanto médicos eram 69 mil, face a 0,4% do total. Cerca de 29% dos 241 mil médicos atingiram a faixa 1% mais rica, enquanto apenas 4% dos 2,2 milhões de trabalhadores com negócios entraram nessa faixa top.

Segundo as DIRPF 2017-AC 2016, no ranking das 10 ocupações com maior rendimento per capita mensal não só do trabalho como também de outras fontes (financeiras, imobiliárias, etc.), apenas “Atleta e Desportista” apareceu sem exigência de diploma em Ensino Superior. Ficou em 10º lugar. As demais, pela ordem, Titular de Cartório, Procurador e Promotor, Membro do Poder Judiciário e Tribunal de Contas, Diplomata, Médico, Advogado do Setor Público, Servidor do Banco Central, CVM e SUSEP, Auditor e Fiscal, Piloto de Aeronaves e Comandante de Embarcações, exigem graduação.

Evidentemente, para dispensar o diploma, basta ser um empreendedor bem-sucedido. A distribuição da remuneração média por diretor de metade das Sociedades Anônimas apontava, em 2017, um diretor receber R$ 1,4 milhão por ano em rendimentos fixos (R$ 116 mil / mês), R$ 1,036 milhão em renda variável (bônus), R$ 535 mil em ações e R$ 244 mil em outros (free benefits). A remuneração média totalizava R$ 3,2 milhões, enquanto a mediana de rendimentos fixos era R$ 1,2 milhão e variáveis, R$ 615 mil. Só.

Um dos 150 mil capitalistas, isto é, dependentes apenas de rendimentos do capital, inclusive aluguéis, pelas DIRPF 2017, recebia em média per capita R$ 19.409 / mês. Os 406 mil membros ou servidores públicos da administração direta federal recebiam 80% desse valor com a média per capita de R$ 15.445 e empregados de empresas estatais 2/3 desse valor (R$ 12.763). Demais castas de natureza ocupacional declarantes do imposto de renda ganhavam per capita menos da metade dos capitalistas: inativos 40%, governantes 44%, militares 38%, sábios profissionais liberais ou autônomos 37%, e trabalhadores 37%. Sem dúvida, a ocupação mais rica é a de capitalista. Talvez, nem precisa estudar...

Quando se analisa a riqueza financeira per capita, calculada através dos dados da ANBIMA sobre segmentos de clientes, em março de 2019, a estratificação social brasileira fica ainda mais clara. Nossa sociedade pode ser dividida nos seguintes estratos. Há 144 milhões depositantes de poupança. Mas, para não distorcer as estimativas, desconsidera-se 82 milhões deles com menos de R$ 100 na conta de poupança, cujo saldo médio dá R$ 15. Considerando 62 milhões com saldo médio de R$ 11.688, em conjunto, acumulavam, em março de 2019, R$ 725 bilhões, ou seja, um grande funding para financiamento da casa própria para a classe média.

Cerca de 65% da carteira de ativos financeiros do varejo tradicional é composta de depósitos de poupança – em média per capita de R$ 10.274. Excluindo-os e considerando apenas fundos de investimentos e títulos e valores mobiliários, os 8 milhões de clientes desse segmento têm em média R$ 41.500. Os 4 milhões do varejo de alta renda, R$ 195.203, e as 122 mil pessoas clientes do Private Banking, R$ 9,2 milhões. Suas 56.508 famílias possuem em média R$ 19,9 milhões. Não por acaso, o total de 12,3 milhões desses clientes é um número próximo dos 13,4 milhões diplomados em Ensino Superior. No caso, a correlação parece ser causalidade.

As opiniões expressas no artigo são de responsabilidade pessoal do autor.

 

* Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..