Luiz Gonzaga Belluzo | Na Carta Capital

Nos Estados Unidos, a adesão de Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez à chamada Moderna Teoria Monetária desatou um fervilhante debate entre economistas. O entrevero de opiniões cuidou das liberdades e restrições que envolvem as políticas de gestão moeda. Engalfinharam-se o principal formulador da nova teoria, Randall Wray, Paul Krugman, Lawrence Summers e Bradford De Long.

Aqui, a moderna teoria foi apresentada por André Lara Rezende em artigo discutido na Casa das Garças e resumido no jornal Valor: “O primeiro pilar do novo paradigma macroeconômico, a sua pedra angular, é a compreensão de que moeda fiduciária contemporânea é essencialmente uma unidade de conta. Assim como o litro é uma unidade de volume, a moeda é uma unidade de valor. O valor total da moeda na economia é o placar da riqueza nacional. Como todo placar, a moeda acompanha a evolução da atividade econômica e da riqueza. No jargão da economia, diz-se que a moeda é endógena, criada e destruída à medida que a atividade econômica e a riqueza financeira se expandem ou se contraem. A moeda é essencialmente uma unidade de referência para a contabilização de ativos e passivos. Sua expansão ou contração é consequência, e não causa, do nível da atividade econômica…

“Moeda e impostos são indissociáveis. A moeda é um título de dívida do Estado que serve para cancelar dívidas tributárias. Como todos os agentes na economia têm ativos e passivos com o Estado, a moeda se transforma na unidade de contabilização de todos os demais ativos e passivos na economia. A aceitação da moeda decorre do fato de que ela pode ser usada para quitar impostos. O segundo pilar é um corolário do primeiro: dado que a moeda é uma unidade de conta, um índice oficial de ativos e passivos, o governo que a emite não tem restrição financeira. O Estado Nacional que controla a sua moeda não tem necessidade de levantar fundos para se financiar, pois ao efetuar pagamentos, automática e obrigatoriamente, cria moeda, assim como ao receber pagamentos, também de maneira automática e obrigatória, destrói moeda”.

A Moderna Teoria Monetária, inspirada no Cartalismo de Knapp, está acompanhada da prima-irmã, a hipótese das finanças funcionais de Abba Lerner. Ambas partem da soberania do Estado e de sua faculdade-poder de criar impostos, definir a unidade de conta e decidir autonomamente o gasto.

Ausente do artigo de André, John Maynard Keynes concordaria parcialmente com a MMT. Maynard sustenta que no âmbito da “economia como um todo” é o gasto das empresas, das famílias e do Estado que “cria” a renda.

Keynes, no entanto, concebe a organização da sociedade como uma teia de relações hierarquizadas entre proprietários capitalistas e trabalhadores. “Se a firma decide empregar trabalhadores para usar o equipamento de capital e gerar um produto, ela deve ter suficiente comando sobre o dinheiro para pagar os salários e as matérias-primas que adquire de outras firmas durante o período de produção, até o momento em que o produto seja convenientemente vendido por dinheiro.”

A ideia de comando supõe não apenas a propriedade dos meios de produção, mas também o controle dos meios monetários capazes de mobilizá-los. Aqui surgem os bancos. A criação de liquidez decorre da concessão de crédito para financiar os gastos de investimento e de consumo, com a consequente acumulação de ativos e passivos nos balanços dos protagonistas já mencionados.

A inter-relação entre os balanços – ativos e passivos – dos agentes relevantes exige o exercício cuidadoso da política monetária soberana, sempre dilacerada entre o estímulo à decisão de gasto e a preservação do valor dos estoques de ativos – títulos de dívida e direitos de propriedade (ações) denominados na unidade de conta garantida pelo Estado.

Os governos não escapam das imposições dos mercados que negociam direitos sobre a renda e a riqueza. Participam emitindo títulos públicos – riqueza privada de alta qualidade, segurança e liquidez – para regular as condições do mercado monetário, sem comprometer a reprodução das relações de propriedade.

O gráfico abaixo revela a evolução do endividamento das famílias e do governo, bem como a inflação nos Estados Unidos, entre 1970 e 2012. No período 1995-2007 a relação dívida pública-PIB cai, enquanto a dívida das famílias cresce aceleradamente, como é demonstrado pela inclinação das curvas. Depois da crise de 2007-2008, a desalavancagem das famílias é acompanhada por uma aceleração do endividamento público. A inflação manteve-se deprimida, assim como o gasto fiscal, os salários e o investimento privado.