Fernando Nogueira da Costa | No GGN
O processo de crescimento de empresas não-financeiras é limitado pela capacidade de financiamento dos ativos a serem adquiridos pelas empresas. Talvez esta seja a maior restrição quando elas encontram oportunidades de investimentos operacionais para fazerem uma inovação técnica favorável à disputa com a concorrência.
Há conjunturas, como a atual brasileira, quando elas não conseguem criar novas atividades produtivas lucrativas. Em uma economia estagnada, não adicionam muito valor novo. Elas se restringem a disputar a apropriação de ativos existentes.
O financiamento da expansão de empresa capitalista tem duas origens. Internamente, através dos lucros retidos e aos quais podem ser incorporados capitais através da subscrição de mais ações por parte dos acionistas fundadores da empresa. Externamente, através do capital de terceiros, tomados emprestados, ou através da emissão de ações para novos acionistas em sociedade aberta.
O autofinaciamento depende do poder de geração e retenção de lucros. Estes são determinados pelos investimentos anteriores na expansão da capacidade produtiva, pela margem bruta de lucro, e pela distribuição de dividendos. Esta é decidida em função de lucro no processo de produção e vendas e do plano de novos investimentos.
Estudo do CEMEC-FIPE revela no ciclo de investimentos 2004-2006 (FBCF em torno de 17% do PIB) o uso de recursos próprios ter declinado de 69% a 60% do total financiado. Nos ciclos de 2007-2014 (FBCF em média próxima de 21% do PIB) e 2015-2018 (FBCF no patamar médio de 15% do PIB), o uso de recursos próprios foi entre o máximo de 57% em 2008 ao mínimo de 37% em 2014 – e daí girou em torno de 43% do total.
Para o financiamento externo, o volume de capital próprio da empresa não-financeira impõe um limite ao montante de capital de terceiros possível de ser tomado emprestado, dado certo grau de aversão ao risco de endividamento e avaliada a taxa prospectiva de lucro. A rentabilidade esperada é a referência para o pagamento (ou não) da alavancagem financeira.
O segredo do negócio capitalista é usar o dinheiro dos outros ao tomar empréstimos para fazer alavancagem financeira. Essa operação dá muito maior escala na aquisição de ativos de investimento. É mais comum em economia de endividamento, típica do Brasil, distinta da economia de mercado de capitais, característica norte-americana.
Se obtiver a mesma ou maior valorização do ativo com a tomada de um empréstimo de capital de terceiros, pode-se multiplicar os recursos próprios com a maior rentabilidade sobre o capital próprio original. O limite do juro a ser pago tem de ser inferior à rentabilidade patrimonial sem empréstimo, para valer a pena o endividamento.
Não foi o ocorrido na economia brasileira, durante o locaute empresarial golpista, por conta do aumento de endividamento até 2015, quando o exigível financeiro de Pessoas Jurídicas não financeiras alcançou 58,6% do PIB. O custo financeiro disparou, devido ao ciclo de seca, ao choque tarifário de Joaquim Levy e o consequente choque de juros.
A taxa média de juros das concessões, no crédito livre a empresas, alcançou 20,2% a.a. em janeiro de 2019, apesar da queda da taxa SELIC desde outubro de 2016. Em função desse alto patamar para a rentabilidade patrimonial superar, historicamente, os concessionários de serviços de utilidade pública tinham a alternativa de obter empréstimos do BNDES com juros abaixo do cobrado no crédito com recursos livres, em longos prazos de carência e pagamento, para obter uma taxa de retorno alavancada.
Os desembolsos do BNDES entre 2005 a 2008 foram de 8,1% a 11,4% do total. Em sua atuação anticíclica contra a crise foi 18% do total em 2009. Ficou no patamar entre 13,2% e 15,2% até 2014. Após o golpe de 2016, caiu progressivamente de 6,2% para 4,7% do total em 2018. Esse desmanche histórico, abriu espaço para o mercado de capitais ocupar, elevando sua participação de 7,4% em 2015 a 17,1% em 2018.
O limite à capacidade de financiamento externo da expansão de empresa não-financeira depende de sua capacidade de endividamento. Esta é duplamente determinada por considerações de risco do devedor (empresa não-financeira) e risco do credor (banco). Antes disso, o sistema financeiro supervisionado pela Autoridade Monetária impõe determinado grau de alavancagem financeira em relação ao capital próprio.
A alavancagem (dívida bruta / patrimônio líquido) das empresas abertas (exceto Petrobras) cresceram de 0,65 em 2010 até 1,04 em 2015. A partir de então, o processo de “desalavancagem financeira” levou-a a 0,89 no fim do terceiro trimestre de 2018.
Em economia de mercado de capitais, a capacidade de uma empresa mobilizar capital através da emissão primária de ações a novos acionistas se relaciona também ao princípio de risco crescente. A cotação para aquisição dessas ações constitui uma demarcação da rentabilidade dos antigos acionistas face aos novos acionistas.
Esse preço de ação não pode deixar de ser crescente, a partir de determinado volume mínimo de emissão, para não infringir uma perda de capital aos acionistas correntes. Isso se refere à questão da manutenção do controle da empresa não-financeira, ou seja, não haver diluição das participações acionárias atuais.
No caso de um novo investimento, uma nova emissão pode se constituir em uma forma apropriada de obtenção do financiamento externo necessário. Isso ocorrerá se o mercado de capitais acreditar o “dinheiro novo emitido” vir a ser aplicado em determinado projeto particularmente lucrativo, permitindo futuro ganho de capital.
Dado o limite de endividamento da empresa, só uma parcela dos investimentos poderia ser financiada por novos empréstimos. Isso exigiria aumentar os lucros retidos até serem suficientes para autofinanciar o restante. Esse autofinanciamento poderia implicar, entretanto, em uma acentuada redução da taxa de distribuição de dividendos. Nesse caso, uma nova emissão tem um efeito menos prejudicial à posição de liquidez dos acionistas em lugar de uma redução dos dividendos.
Houve uma mudança na política de dividendos, nas empresas brasileiras, a partir de 2016, quando a taxa de retenção de lucros voltou a ser positiva e crescente. Reverteu a taxa negativa de 2014 e 2015, quando a distribuição de lucros para os acionistas se deu em desfavor do capital investido pelas empresas.
Quanto maior for o preço da ação da empresa, em boom (alta das cotações), menos ações serão necessárias serem emitidas, reduzindo a diluição dos atuais acionistas. Se houver baixa de seu preço, eleva a quantidade de ações dadas em garantia de empréstimos ou a necessidade de emitir mais para captar “dinheiro novo”. Logo, o “momentum” adequado não é após um crash, mas sim durante um boom. Em outras palavras, o mercado de capitais não é uma alternativa à atuação anticíclica desempenhada por bancos públicos durante recessões. É uma irresponsabilidade (ou um crime de lesa-pátria) o desmanche do BNDES, minguando-o e obrigando-o a devolver R$ 271 bilhões ao Tesouro Nacional até 2022!
O texto representa a opinião pessoal do autor.
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-Unicamp. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..