Fernando Nogueira da Costa | No GGN
A mitificação da reforma da Previdência Social com a falsa promessa de um regime de capitalização à chilena soou como música para os ouvidos de O Mercado. A onda de otimismo fez o Ibovespa, índice referência do mercado acionário, renovar as máximas de forma consecutiva até superar a barreira dos 100 mil pontos.
A implantação de um regime de capitalização em lugar do regime de repartição se referia à recordação juvenil dos Chicago’s Oldies ao servirem à ditadura chilena: uma bolha de ativos inflada (e posteriormente explodida), propícia ao enriquecimento de quem já detinha os poucos ativos existentes em resposta ao choque de demanda.
O “cisne negro” não era esperado pelo ex-banqueiro de negócios, czar atual do Ministério da Economia. Rodrigo Maia, presidente da Câmara de Deputados, nasceu no Chile, na época de exílio de seu pai, Cesar Maia, sendo registrado no consulado do Brasil em Santiago, o que o caracteriza brasileiro nato. Como filho de chilena sabe: lá, entre 2010 e 2015, 936 adultos maiores de 70 anos se mataram por conta da miséria (+/- US$ 100 ou R$ 400) na aposentadoria. Foi a maior taxa de suicídio de idosos do mundo.
Com o (falso) anúncio do projeto em favor do mercado de ações, quase 600 mil pessoas físicas ingressaram na especulação da bolsa de valores brasileira desde 2016 até junho de 2019. O numero de investidores individuais ativos bateu um recorde histórico com 1,161 milhão (PF). Esse choque de demanda inflou uma bolha sem fundamentos macroeconômicos para justificar essa euforia. Apenas há estagdesigualdade.
É um mercado de ações muito concentrado e propício à “sorte do iniciante”. Este faz uma falsa associação a êxitos anteriores, projetando repetir os êxitos no futuro. Os primeiros lucros dão motivação para mais investir, mas obviamente nada tem a ver com sua capacidade individual, mas simplesmente por ter entrado em ciclo de alta.
Os investidores individuais são ¾ do gênero masculino, provavelmente, agressivos. Os investidores acima de 56 anos têm 24% das contas e 65% do valor total detido por Pessoa Física. O valor de mercado de apenas 332 empresas listadas na Bovespa, entre as 1040 sociedades anônimas existentes no Brasil, é de R$ 4,022 trilhões ou US$ 1.058,7 bilhões. O PIB brasileiro está estimado em R$ 7 trilhões, ou seja, um fluxo de renda bem superior (75%) a esse estoque de riqueza com baixa distribuição de dividendos.
As ações da maior sociedade aberta, Petrobras, detêm 9,32% da movimentação da Bovespa. As das cinco maiores, além da petrolífera, pela ordem, Itaú, Bradesco, Vale e Banco do Brasil, concentram 29,54%. São ações blue chips. As demais do grupo de dez maiores são Eletrobrás, JBS, Itaúsa, Braskem e Oi. Todas elas controlam 42,62%. Como as trinta maiores recebem 2/3 das ordens de compra e venda, as demais são tratadas como “small caps” (baixa capitalização). Logo, não possuem tanta liquidez.
O segmento de 123 mil clientes Private Banking com riqueza financeira per capita de R$ 9,2 milhões tinha 20,6% em ações, sendo 14,2% diretamente e 6,4% através de fundos de terceiros ou exclusivos. Representava R$ 237 bilhões do total de R$ 1,151 trilhão retidos pelos ricaços, em maio de 2019, antes de privatização das empresas estatais. Cada qual tinha, em renda variável, média per capita de R$ 1.923.715,30.
Insensíveis ao ilusório futuro brasileiro, sem (bons) fundamentos, mas apenas devido ao anúncio da agenda de reformas modernizantes-conservadoras, os estrangeiros na bolsa brasileira executaram um roteiro de fuga de capitais. Foi como em um dos seus piores momentos na história. Em dezembro de 2015 eram detentores de 51% dos valores nela investidos; em junho de 2019 detinham bem menos: 45%. A saída de R$ 11,5 bilhões da B3 no ano de 2018 e de R$ 4,8 bilhões no primeiro semestre de 2019, foi a maior desde a crise financeira de 2008, quando os não residentes sacaram R$ 24,2 bilhões.
Em contrapartida à inércia da equipe do capitão perante à estagnação econômica, no segundo trimestre de 2019, estavam 28,5 milhões de pessoas de 14 anos ou mais de idade subutilizadas. Eram 12,8 milhões desocupadas, 7,4 subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e 8,3 milhões apenas compondo a força do trabalho potencial, divididas entre 4,9 milhões de desalentados e 3,4 milhões de não desalentados. A taxa total de subutilização da força do trabalho era 25%, crescente desde o 4º trimestre de 2014, quando era 14,9%, e lá se encerrou a Era Social-Desenvolvimentista.
Quando se verifica a distribuição da desocupação por nível de instrução, 10,4% dos desocupados tinham curso superior completo, enquanto 39% tinha até o ensino médio completo 20,4% só tinham o fundamental incompleto. A importância do nível da escolaridade da população fica evidente quando se vê a taxa de desocupação, entre o primeiro trimestre de 2012 e o de 2019, ter se elevado de 4,3% para 6,9% para os detentores de ensino superior completo, de 9,5% para 14,5% (dobro) para os de ensino médio completo e de 13,6% para 22,1% (triplo) para os de médio incompleto.
Pela correlação entre desemprego e renda mensal familiar, entre as pessoas da classe E com renda até R$ 1.100 (mediana dos rendimentos da população ocupada), 30,7% estavam desempregadas no fim de 2018. Enquanto isso, as pessoas pertencentes às Classes A e B (10% do total) com renda mensal familiar acima de R$ 7.278, tinham taxas de desemprego, respectivamente, de 3,3% e 3,8%.
O atraso no fluxo de oferta de empregos, entre outros motivos pelo atraso educacional brasileiro, é o grande “desequilíbrio interno”. O outro círculo vicioso passou, de certa forma, por um feedback de balanceamento, impedindo-se explodir a inflação. O atraso no fluxo de alimentos, devido às secas nos primeiros trimestres de 2013 a 2016, não se repetiu na estação chuvosa de 2017 e 2018. Quando aconteceu, novamente, no primeiro trimestre 2019, a economia brasileira já estava “rastejante” com uma estagnação após a Grande Depressão de 2015-16.
Em outros termos, a taxa de inflação esteve abaixo do teto da meta inflacionária desde 2005, só ultrapassando este por conta do choque “levyano” em 2015. Foi resultante de tratamento de choque do ministro da Fazenda neoliberal, Joaquim Levy, em busca de reequilíbrio de preços relativos. Devido ao choque tarifário, a inflação de preços administrados (24,4%) atingiu 18,07% em 2015, caindo para 5,50% no ano seguinte, 8% em 2017 e 6,22% em 2018. A inflação de preços livres (peso 75,6%) caiu de 8,51% em 2015 para 6,54% em 2016, 4,52% em 2017 e 3,34% em 2018.
Quanto ao “desequilíbrio externo”, no período 1995-2019, só ocorreram déficits no balanço comercial de 1995 a 2000 e em 2014. O superávit no balanço de transações correntes de 2003 a 2007 foi inédito na história econômica moderna do Brasil. Mas, em 2017 e 2018, os déficits em transações correntes foram diminutos, respectivamente, -0,4% e -0,8% do PIB. Os investimentos diretos estrangeiros no país os cobriram.
A participação da exportação brasileira no total mundial entrou em tendência de queda desde 2011 (1,43%), quando em setembro explodiu a “bolha de commodities”, até 2018 (1,09%), com consequente queda dos termos de troca de 129% para 109% no período. A depressão/estagnação pós 2015 levou a importação a crescer menos. Em índices de quantum (com o ano-base em 1994 igual a 100), o da exportação atingiu 318 e o da importação 372, em 2018. A dedução é a evolução dos índices de preços das exportações (173) e das importações (147) ter sido favorável à pauta comercial brasileira.
Os valores da exportação de manufaturados superaram os dos básicos até 2008. A partir da crise mundial, inverteu: os valores da exportação dos básicos se tornaram superiores. Alguns economistas “apressadinhos” correram para denunciar “a reprimarização da pauta de exportação brasileira”. Lego engano, embora a participação de sete commodities (complexo de soja, petróleo, minérios, complexo de carne, celulose, açúcar e café) tenha atingido 50,2% no total da exportação em 2018, outras cinco exportações industriais (material de transporte, metalúrgicos, químicos, equipamentos mecânicos, elétrico-eletrônicos) atingiram 29,7%. Se considerarmos petróleo (exportado pela Petrobras) e minérios (principalmente pela Vale) como exportações da indústria extrativa, o número de produtos industriais seria superior, demonstrando a economia brasileira ser diversificada em termos produtivos. Manufaturados (36,2% em 2018) e semimanufaturados (12,8%) representam a metade da composição das exportações.
Quanto à participação das exportações industriais por intensidade tecnológica, as de alta tecnologia em 2018 foram apenas 4,2%, as de média-alta 16,2%, as de baixa 23,3%, as de média-baixa 15,2%. Os restantes 41,1% da pauta eram produtos não industriais.
O país tem déficit comercial em alta (exceto em aviação e aeroespacial), média-alta e média-baixa tecnologia. Em produtos de baixa tecnologia, o superávit em alimentos, bebidas e tabaco, além de madeiras e/ou derivados em papel e celulose, compensa os déficits dos demais, obtendo um bom superávit comercial como saldo líquido.
A cadeia produtiva globalizada em veículos automotores e aviões, além do peso dos químicos, comprovam a importância de o país fazer uma maior abertura externa, aumentar a competição entre corporações globais, e ingressar em blocos regionais de comércio. Processo de substituição de importações nunca foi autárquico. O protecionismo hoje é um atraso histórico. A esquerda deve criticar o capitalismo de compadrio e defender maior competição da comunidade face ao mercado e ao Estado.
A economia brasileira não está com problema no balanço de pagamentos. Hoje, o petróleo é o segundo maior produto na pauta de exportações do país. A produção de petróleo no Brasil deve passar dos atuais 2,7 milhões de barris diários para 3,756 milhões de barris diários em 2023, de acordo com projeções da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Especialistas apontam para daqui a 15 anos se dobrar essa produção. O Brasil será uma economia de exportação de petróleo.
Crise cambial, como se tinha no passado, deixou de ameaçar. A inflação é muito ligada à taxa de câmbio. Então, o maior problema é o da desocupação. A prioridade da política econômica deveria ser a retomada do crescimento da renda e do emprego – e não ajuste fiscal, o chamado “austericídio”. Houve um atraso para entrar na Era dos Juros Baixos.
O Brasil é uma “colônia” dependente de tecnologias estrangeiras por conta da baixa prioridade concedida à Educação e à Pesquisa & Desenvolvimento. Notavelmente, agora com a casta de militares e a subcasta de sabidos-pastores evangélicos no Poder Executivo, essa política pública prioritária está vilipendiada. Os cidadãos conscientes sentem pânico pelo retrocesso civilizatório, inclusive com ataques aos direitos civis conquistados após os anos de ditadura de 1964 a 1984. Reagirão com a reorganização da sociedade civil como ocorreu antes para derrubar o regime militar.
Assista a palestra do professor Fernando Nogueira da Costa, no Conselho Federal de Economia (Cofecon) que motivou a redação do artigo acima.