MÍDIA

Fernando Nogueira da Costa | No Jornal GGN

Semelhante ao acontecido com uma epidemia, o Efeito Contágio se dá quando o ocorrido na economia de um país provoca a sensação daquilo também poder ocorrer em todos os países inseridos na economia mundial, ou seja, globalizados. Efeito Demonstração ou Imitação é a tendência dos países de menor desenvolvimento socioeconômico de tentar reproduzir em seu território os hábitos de consumo e de vida dos países mais desenvolvidos, acarretando pressões sobre as importações.

Efeito Dominó ocorre quando algum acontecimento econômico se encadeia com outro, provocando efeito semelhante e assim sucessivamente, “até todas as peças do jogo de dominó” sejam derrubadas. Por exemplo, a falência de uma grande empresa pode provocar o mesmo efeito em várias outras empresas, acarretando daí uma crise geral.

Esse Efeito Dominó se une ao Efeito Imitação quando quebra um banco de porte significativo. Provoca inquietação em clientes de outros bancos com características semelhantes. Perguntam-se: “se aquele do mesmo tamanho do meu quebrou, por que o meu também não pode quebrar?” Aí ocorre o Efeito Manada.

Por isso, “há bancos grandes demais para quebrar”, quando a Autoridade Monetária tem de o salvar por conta do risco de crise sistêmica com corrida bancária generalizada. Tem de salvar o banco, não o banqueiro. Este deve ser desapropriado de suas ações por conta da bancarrota. Todo banco opera com recursos de terceiros – acumulações de todas as Pessoas Físicas e Pessoas Jurídicas –, cuja responsabilidade de zelar é compartilhada com (e regulada por) o Banco Central.

Efeito Spread relaciona os efeitos benéficos do desenvolvimento de uma economia regional, por exemplo, a asiática, sobre as economias de outras regiões como a latino-americana. Esses efeitos seriam decorrentes da ampliação dos mercados para os produtos das demais regiões e a difusão do progresso técnico a partir da desenvolvida.

Esse efeito trata-se de um caso particular de causação circular cumulativa e apresenta resultado contrário ao do Efeito Backwash. Esta “retrolavagem” adverte o desenvolvimento econômico de uma região de um país pode ter efeitos perversos no desenvolvimento de outras. Isso se daria especialmente mediante o deslocamento de fatores de produção — capital e trabalho — da atrasada para a avançada.

Na globalização, a novidade foi o capital se movimentar para regiões antes menos desenvolvidas, indo atrás de mão-de-obra mais barata ou de conquista do mercado interno. Foram os casos, por exemplo, tanto da Chimérica – capital norte-americano investindo na China – quanto da transferência de indústrias automobilísticas dos Estados Unidos para o México. Com isso se alterou o Efeito Repulsão dos emigrantes em relação ao Efeito Atração dos imigrantes. O neoliberalismo não aprecia o livre fluxo de força do trabalho, só o do livre mercado para o capital.

Efeito, quando associada a um atributo, é uma palavra indicadora de uma causação econômica característica. Autores da Escola de Estocolmo sempre superaram os da Escola de Chicago por pensarem em termos dinâmicos: variações ao longo do tempo.

O economista sueco Gunnar Myrdal apontou a Causação Circular, segundo a qual problemas sociológicos e econômicos são provocados por causas encadeadas em círculo vicioso. Se os países subdesenvolvidos não possuem condições estruturais de melhorar o nível da qualidade de vida da população, jamais tirarão o país dessa condição inferior.

Esse círculo poderia ser rompido graças a reformas sociais e econômicas capazes de atuarem diretamente em determinados pontos de reforço do feedback do círculo. Não seria o caso de reformas neoliberais para cortar encargos trabalhistas e previdenciários. Cortar esses custos tem o efeito de também cortar a demanda agregada.

Reformas estruturalistas como a melhoria das condições de saúde e educação do povo, investimento em ciência e tecnologia, diversificação produtiva, possibilitaria uma produtividade nacional mais elevada e menores gastos sociais, acabando por redundar em aumento da riqueza da Nação. Enfim, trocaria o círculo vicioso por círculo virtuoso de modo a propiciar o desenvolvimento do país.

Encadeamento é a ligação de coisas possíveis de manter entre si certas relações. No caso, ilustro aqui o encadeamento das ideias e das circunstâncias econômicas.

Toda Matriz de Decisão enfrenta algum problema considerando os seguintes elementos: a) várias linhas de ação a serem seguidas pelo tomador de decisões, também chamadas estratégias, saídas ou alternativas; b) várias situações da realidade, representadas em termos de probabilidade de acontecer tudo aquilo alheio ao controle do tomador de decisões, como a conjuntura econômica, a situação internacional, o ambiente, etc.; c) um resultado, geralmente representado em valores monetários. Ele será diferente a depender da estratégia adotada e da situação da realidade.

Adeptos do Laissez-Faire, Laissez-Passer (“Deixar Fazer, Deixar Passar”), palavras de ordem do neoliberalismo econômico, omitem-se quanto a um planejamento estatal indicativo e só defendem a mais absoluta liberdade de produção e comercialização de mercadorias. A Matriz de Preços Relativos indicaria a desejada alocação de capital.

Em conjuntura de crise sistêmica se percebe, claramente, como estivéssemos em um laboratório para exame da dinâmica social, a interdependência entre os setores de atividade econômica. Propicia uma análise da estrutura produtiva de modo a diagnosticar seus pontos de estrangulamento, seus atrasos e suas necessidades de intervenção estatal. O Mercado gripa!

O estudo de um caso atual é elucidativo de como a fixação de um preço básico, a taxa de juro de referência, e a oscilação de outro preço básico, a taxa de câmbio, apresenta problemas em sua relação ao longo do tempo. O diretor financeiro de uma das maiores exportadoras de carne bovina da América do Sul disse: “O hedge natural é bonito no livro-texto, mas na prática há muitas variáveis não controladas”. Em tese, a receita em dólar oriunda das vendas externas compensaria, no médio prazo, o efeito negativo do salto do valor em reais da divisa americana sobre o endividamento e suas despesas com juros, mas a dura realidade é mais difícil.

A exportadora mantém a exposição de longo prazo ao dólar protegida por meio de instrumentos derivativos, basicamente NDFs, equivalentes à compra de dólar futuro no mercado de balcão. Com isso, a companhia julgava estar a salvo das piores tormentas provocadas pela valorização do dólar. Em 2020, a moeda americana se apreciou 24,5% ante o real, passando de R$ 4,03 para R$ 5,02. Grosso modo, a variação cambial teria feito a dívida dela em moeda estrangeira aumentar pelo menos ¼ em um trimestre.

Sem o hedge cambial, inevitavelmente o Indicador de Endividamento (relação entre dívida líquida e EBITDA) dispararia. Antes, esse indicador estava em quase três vezes.

No entanto, a receita da exportação em dólar valorizado, capaz de compensar o aumento da dívida, não aparecerá imediatamente. Isso ocorre, entre outros motivos, porque o primeiro trimestre é, sazonalmente, mais fraco para as exportações de carne bovina. Afora isso, a desaceleração econômica global pode ter reflexos negativos sobre o fluxo das exportações nos próximos meses.

As perspectivas para o ano são piores, mesmo se a China, sofrendo ainda os efeitos da epidemia de peste suína africana, continuar a importação de carne. A recuperação da demanda chinesa enfrenta problemas logísticos, como a falta de contêineres. Já as exportações à Europa sofrem grande abalo em razão do coronavírus.

Nesse ambiente, a exportadora anunciou férias coletivas em seus frigoríficos no Brasil. Ajuda no combate à propagação do coronavírus, mas também um reflexo da “piora dos cenários doméstico e global, com a queda na demanda no segmento de food service e limitações logísticas em diversas partes do mundo”. Suas vendas estão concentradas no exterior, mas a parte daqui sofre com o isolamento da população nas residências.

A proteção financeira só́ é possível porque o custo para montar posições de hedge cambial caiu sensivelmente. Quando a taxa de juros no Brasil era alta, o custo de oportunidade para proteger a exposição em dólar era impeditivo. Essas operações eram episódicas e mal recebidas pelos analistas de mercado de ações por ser impossível estimar com precisão as despesas financeiras. Chegou a pagar 14% por ano. Mas a expressiva redução do diferencial entre os juros brasileiros e os americanos fez o custo do hedge cair para menos de 4%. Assim, pode manter a proteção cambial por longos períodos com o custo de proteger o balanço contra a valorização do dólar, somado ao custo de dívida do grupo, sendo inferior ao Retorno sobre o Capital Investido (ROIC).

A Autoridade Monetária se depara com o dilema: arrefecer com maior juro a corrida desenfreada dos investidores para o dólar ou atender às empresas necessitadas de crédito (e refinanciamento) suficiente para continuar operando. Se elas começam a quebrar, gerará mais dificuldades aos bancos. Consequentemente, causará restrição de crédito. Em Efeito Encadeamento, outras empresas não conseguirão continuar operando. A possibilidade desse evento sistêmico passou alheia ao cenário do tomador de decisões quando ingressou na “farra da dívida corporativa em dólar com juro barato”.

As opiniões expressas no artigo são de responsabilidade pessoal do autor.

* Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.