Fernando Nogueira da Costa* | No GGN
A etimologia das palavras Economia e Ecossistema tem em comum o grego oikos (casa). No caso da primeira, nomos significa “costume ou lei”, ou também “gerir, administrar, regular”: daí se entende Economia como as “regras da casa” ou a “administração doméstica” do nosso lar, seja o país, seja o planeta. No caso da segunda palavra, sistema define o conjunto formado por comunidades bióticas habitantes e interativas em determinada região e pelos fatores abióticos, cuja influência afeta essas comunidades. Logo, o ecossistema é constituído por dois elementos inseparáveis, uma área (biótopo) e um conjunto de seres, ocupantes de um território em uma contínua interação mútua.
Biocenose é o conjunto de organismos viventes e interagentes entre si em um mesmo habitat ou área. Deste componente biótico emerge um ecossistema complexo.
Ecologia Política é o estudo da relação entre os grupos sociais e o ecossistema onde estão inseridos. Desarmonia surge quando alguns se apropriam dos recursos naturais e outros sofrem mais com os impactos da poluição e/ou os desastres ambientais.
Possui um caráter de transdisciplinaridade tal como a Geopolítica. Esta última estuda aspectos ecológicos, geológicos e geográficos do ambiente e a interferência dos Estados nacionais nesses aspectos, incluindo os fatores políticos, econômicos e sociais.
Evidentemente, a Ecologia Política está inter-relacionada à Geopolítica, porque se refere à influência da sociedade (comunidade), do Estado (nacional) e do mercado (empresas), notadamente as transnacionais, na geração ou exacerbação de problemas ambientais. Os conflitos de interesses entre os valores morais das castas dos trabalhadores-organizados e sábios-intelectuais, de um lado socialdemocrata, e das castas dos militares, oligarcas regionais e mercadores, de outro lado conservador nos costumes e predador na natureza, aparecem na formulação e implementação das atuais políticas ambientais. Os “párias”, nativos antes da conquista do território por europeus, sofrem o efeito da barbárie ou selvageria sobre suas comunidades, agora, na Amazônia.
Correlaciona-se o grande risco da degradação do solo na Amazônia sobretudo à política de concentração fundiária, adotada desde a apropriação colonial da terra. Não se deve à superexploração do solo por parte dos agricultores nativos. Considera-se, desde sempre, serem terras devolutas, isto é, adquiridas por devolução... dos nativos?! Veem-nas até hoje como não tivessem habitantes, estivessem desocupadas, vagas, vazias. Portanto, poderia se dispor delas livremente por três regras simples: queimadas/motosserras - soja - pastos. Nove em cada dez focos
de queimadas em áreas destinadas ao agronegócio foram em pastagens para criação extensiva de gado.
A Ecologia Política combina métodos de análise ecológicos com considerações sociais, especialmente tratando do modo como visões e interesses divergentes sobre à obtenção de alimentos e matérias-primas geram conflitos e crises socioambientais. Ela se utiliza também da Economia Política para analisar as questões ambientais.
É possível sintetizar os três princípios da Ecologia Política:
· a desigualdade social afeta o meio ambiente e os problemas ambientais não afetam a todos igualmente, sendo os pobres geralmente os mais prejudicados, e a riqueza dos ricos dependente, em sua originária fonte de alimentação, da apropriação particular do meio ambiente;
· consideração do contexto político, da pressão econômica e das regras da sociedade para análise das decisões da comunidade sobre o ambiente natural;
· relações desiguais entre sociedades internacionais afetam o ambiente natural.
Os animais humanos e os transumanos – aqueles seres capazes de se adequarem ao meio-ambiente, indo além das limitações da natureza humana sem serem sobre-humanos ou sobrenaturais –, exibem uma complexidade social extraordinária. Isso lhes permite adaptar-se e responder às mudanças em seu ambiente. Em três palavras, no reino animal, a simplicidade leva à complexidade, o que leva à resiliência: capacidade de se recobrar ou se adaptar à má sorte, inclusive às mudanças climáticas.
A simplicidade extrema nas regras de movimento no nível individual pode resultar em uma grande complexidade no nível do agrupamento social. O desafio para se entender a situação atual da Amazônia é simplificar essa complexidade.
A multidisciplinaridade se restringe a um nível de análise, embora com múltiplos objetivos, e não tem cooperação entre pesquisadores. Já a interdisciplinaridade adota dois níveis de análise, múltiplas metas, com uma coordenação de nível superior. Hoje, a Ciência busca a transdisciplinaridade com múltiplos níveis, múltiplos objetivos, sendo necessária a colaboração de diversas áreas de conhecimento e uma coordenação sistêmica. Precisamos, metafórica e disciplinarmente, transpor fronteiras nacionais e de conhecimentos para lidar com a questão de dimensão amazônica.
Transformemos a complexidade em simplicidade com a análise da interação entre os três pilares do modus vivendi contemporâneo: Estado - Mercado - Comunidade.
O termo Nacionalismo designa a ideologia de determinado grupo político defensor do Estado nacional, tipificado no lema da aliança da casta dos militares com a dos sabidos-pastores: “Brasil acima de todos, Deus acima de tudo”. Em tese, o Nacionalismo se sobrepõe às ideologias dos partidos políticos – da direita à esquerda –, absorvendo-as em perspectiva. Somente um Partido Verde privilegiaria uma visão planetária mais ligada à Comunidade internacional. Observando os seres da Natureza, os naturalistas os classificaram em três reinos: mineral, vegetal e animal. Superam fronteiras.
O Estado nacional gerou o Nacionalismo exacerbado, quando suas estruturas de poder, burocráticas e centralizadoras, possibilitam a evolução de um projeto político tacanho, visando a fusão de Estado e Nação, isto é a unificação, em seu território, de língua, cultura e tradições, mas de modo avesso aos interesses planetários de preservação ambiental, por exemplo, climática. O problema do aquecimento global por definição ultrapassa as fronteiras nacionais. É questão-chave para a comunidade internacional.
O nacionalismo militar canhestro veria a preocupação mundial com as queimadas na Amazônia apenas como um problema de ingerência na segurança nacional, isto é, de soberania. As declarações (e ações) do seu notório porta-voz demonstram a falta de habilidade diplomática e de destreza na atual política ambiental. Na verdade, ela é incentivadora das queimadas em vez de protecionista da riqueza propiciada pela biodiversidade florestal.
O aumento das queimadas este ano tem relação direta com o discurso de exploração desregulada da Amazônia do presidente da extrema-direita. A redução na área de fiscalização e a ameaça às reservas indígenas foram fatores preponderantes. Este governo se coloca a favor da depredação, ou seja, da ação de natureza destrutiva. Como consequência, vem a aniquilação e a devastação dos interesses da Comunidade.
Na verdade, consiste em uma privação ilegal de bens alheios essa conquista selvagem dos grileiros. Eles se apoderam ou procuram apossar-se de terras devolutas, mediante falsas escrituras de propriedade. Simplesmente, é um roubo, furto. Os ambientalistas conscientes lutam contra o desmatamento e a favor da exploração sustentável da área.
Esse capitalismo selvagem (mal defendido pela ignorância nacionalista) se expressa por um extrativismo primitivo. Consiste em extrair da natureza quaisquer produtos possíveis de serem comercializados de imediato. Porém, os incêndios na Amazônia contrariam alguns grandes gestores de recursos externos. Eles adotam o conceito de boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) para alocar seus investimentos. Isso deixa o investidor estrangeiro ainda mais cauteloso com o Brasil.
Embora as empresas do agronegócio não estejam diretamente envolvidas nos incêndios, no futuro elas se apoderarão dessas terras devolutas no mercado imobiliário. Essa queima da Amazônia afeta a imagem do país perante os investidores focados em critérios ESG. Tais fundos buscam maximizar o lucro, porém, seus gestores de capital de origem trabalhista (fundos de pensão) optam por aplicação exclusivamente em empresas e em países com compromissos e metas ambientais, sociais e de governança corporativa.
O comércio exterior do agronegócio brasileiro também pode ser prejudicado por boicote dos importadores e/ou consumidores de outros países. A questão climática global é tema recorrente, especialmente no caso dos europeus. Vêm demonstrando preocupação crescente com os incêndios florestais.
Alheio a essa realidade complexa, o odiado ministro do Meio Ambiente tem defendido a “monetização” da Amazônia, para seu desenvolvimento comercial. Os verdadeiros ambientalistas com uma visão holística de Ecologia Política defendem o ecossistema, propondo instrumentos geradores de renda da floresta em pé, como o pagamento pelo carbono sequestrado em área preservada ou o incentivo à agricultura de coleta de frutos com a capacitação das comunidades nativas. O ganho de produtividade também depende de estratégias para transformar áreas já degradadas em produtivas através do uso de técnicas regenerativas, como sistemas agroflorestais, com captura de carbono e a fixação de água no solo, propiciando retorno financeiro ao plantio comunitário.
As opiniões expressas no artigo são de responsabilidade pessoal do autor.
* Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.