Fernando Nogueira da Costa | No GGN

“A determinação do nível de preços na FTPL pressupõe que o regime fiscal não zelará por satisfazer a ROI do governo em qualquer circunstância. No jargão da FTPL, é a hipótese de um regime fiscal ‘ativo’, ou ‘não ricardiano’. Se, pelo contrário, o regime fosse ‘passivo’, ou ‘ricardiano’, a ROI valeria como identidade, pelo ajuste endógeno da postura fiscal, e não determinaria o nível de preços de equilíbrio. A MMT não reconhece tal condição de equilíbrio, muito embora o regime fiscal que propõe adotar seja, aos olhos da FTPL, nitidamente ativo, ou não ricardiano.”

Assim falou Eduardo Loyo, economista, sócio e membro do Conselho de Administração do Banco BTG Pactual, a respeito da polêmica recente sobre a “Moderna Teoria Monetária” (MMT para os íntimos) e pela controvérsia de dois anos atrás sobre ‘neofisherianismo’ e sua prima-irmã̃, a ‘Teoria Fiscal do Nível de Preços’ (também chamada pela sigla em inglês, FTPL). Para o leigo em Economia, mas leitor do Caderno de Fim-de-Semana do jornal Valor (31/05/19), esse discurso hermético, onde se usa e abusa do “economês”, pode ser lido como ato ou efeito de empulhar. O logro, a tapeação, o embuste, a mentira, tudo de ruim transparece na falta de transparência desse jargão profissional. Mas o pressuposto é remediar todos os males.

Economês é a linguagem em um estilo supostamente típico dos economistas. É linguajar destinado a não ser entendido senão por um grupo restrito. Em geral, quem demonstra menosprezo pelo saber de outros profissionais se utiliza de um texto excessivamente complicado ou obscuro, repleto de termos técnicos de Economia e Finanças.

O esnobismo de economistas ortodoxos despreza também seus colegas heterodoxos e pressiona a mídia brasileira para não dar espaço no debate público às suas “sandices”. No meu caso, defendi como tese de Livre-Docência no IE-UNICAMP há 25 anos, em 1994, a organização de postulados de uma Teoria Alternativa da Moeda. Publiquei-a parcialmente em livro impresso, na Editora Makron Books, em 1999. Foi finalista do Prêmio Jabuti. Por não ter sido divulgada em inglês e por ter sido defendida na UNICAMP, embora tenha a graduação em Economia no primeiro lugar no RUF (Ranking Universitário da Folha), a tese não foi lida por professores de escolas ortodoxas.

Praticamente, não há debate público entre as diversas correntes de pensamento econômico, seja na academia, seja na mídia brasileira. Pela falta do contraditório, governos e empresários cometem erros em suas decisões econômico-financeiras. Não vislumbram as alternativas entre opiniões especializadas.

Por exemplo, uma aliança de esquerda em Portugal definiu uma alternativa à política de austeridade centrada em maior crescimento, mais e melhor emprego e mais igualdade. “Virar a página da austeridade” foi o lema eleitoral dos socialistas capaz de atrair o apoio de comunistas e do Bloco de Esquerda para formar governo. A fórmula, batizada depreciativamente como a Gerigonça, se transformou em um sucesso dois anos depois, apesar do receio de organismos como a Comissão Europeia e o FMI. Eles velavam pelos bilhões de euros emprestados em 2011 para impedir o país quebrar.

Somente dois anos após, pela primeira vez desde a adesão ao euro, Portugal já cresce acima da média da União Europeia: 2,7%, a maior taxa de crescimento neste século. O salário mínimo subiu de 505 a 580 euros e chegará a 600 no próximo ano, respectivamente, R$ 2.057, R$ 2.362 e R$ 2.444. Se em 2013 o desemprego chegou a 16,2%, hoje baixou para 8,9%. Os funcionários públicos tiveram os salários descongelados, as aposentadorias subiram e o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de produtos básicos deixou de ser taxado em 23%. O déficit público, acima de 3% há dois anos, é de 1,1% e no próximo ano será de 0,3%.

O crescimento não é devido a um aumento de gasto público, porque vem das exportações, com um aumento de 11,7%, e do investimento, com elevação de 9%, especialmente o privado e o estrangeiro. Também ajudou muito o aumento do turismo: no ano passado, o país superou seu recorde de visitantes, com 20 milhões, quase o dobro da população portuguesa.

Aqui, o obscurantismo censura “os heterodoxos”, tipicamente os pensadores de vanguarda. Impede a busca de alternativas à política econômica de austeridade, onde só se tecla, de maneira robotizada, a “reforma da Previdência”. Confira, como exemplo, o ataque do economista aos próprios autores em lugar de debater as novas ideias.

“[Não fique com] uma falsa impressão de equidistância da profissão entre a FTPL e a MMT. Formularam e propagandeiam a FTPL acadêmicos perfeitamente inseridos no campo dominante da Macroeconomia, alguns com merecido destaque. As hipóteses que conduzem às conclusões peculiares da determinação fiscalista do nível de preços são facilmente distinguíveis, e sua consistência teórica presta-se a um escrutínio disciplinado dentro da própria modelagem convencional. A resistência mais forte que enfrenta é à vigência empírica dessas hipóteses, que aparenta ser um evento raro no mundo real (embora a evidência nesse sentido não seja irretorquível). A MMT, por sua vez, é extravagante e marginal mesmo no universo acadêmico, polêmica até no interior do campo heterodoxo, pelo que um contingente dominante de estudiosos enxerga como sérias lacunas lógicas em sua cadeia de argumentação. (...) No debate econômico global, modismos heterodoxos reciclados são como a mitológica sereia, que não manteria sua presença milenar na parada de sucessos sem cantar um repertório continuamente antenado às demandas do momento.”

Virando a página, o que se lê na primeira entrevista exclusiva do presidente do Banco Central do Brasil, o neto do Roberto Campos? Apenas o truísmo da palavrinha-mágica – credibilidade –, sustentando a forma correta de estimular a economia ser pela credibilidade da política monetária. “Eu vou lá e reduzo os juros, porque eu quero dar um impulso à economia. Provavelmente, o que vai ocorrer nesse cenário? A curva de juros vai inclinar, os juros futuros vão subir", afirma. Mas ele vê sinais positivos em O Mercado (com maiúsculas por ser tratado como um ser divino, sobrenatural, onipotente, onipresente e onisciente) ao avaliar ter aumentado “a confiança na aprovação da reforma da Previdência, o que leva à queda da inflação implícita nos títulos públicos e a uma melhora na curva de juros”. ‘tendeu? Nem eu com 45 anos de profissão não entendo essa mitificação de um canal de transmissão inexistente. Os colegas substituem fundamentos econômicos objetivos por subjetividade dos agentes econômicos – “estado de confiança na credibilidade” – como o decisivo na Economia.

O argumento reducionista e simplório é: as Autoridades Monetárias adquirem credibilidade com a própria manutenção da política contracionista, acima das pressões políticas para mudá-la. O equilíbrio fiscal é relevante para elas não se verem forçadas a acomodar déficits públicos com emissão monetária. Nessa abordagem novo-clássica, a inflação é reduzida pela elevação da taxa de juro: se isso causa ou não recessão depende muito da credibilidade na mudança de regime monetário. Acredita todos os agentes fixadores de preços e salários ajustarem seu comportamento para ficarem de acordo com o modelo dominante no arcabouço mental dos economistas no comando da economia. Eles extrapolam sua opinião especializada para toda a opinião pública!

Mas nem tudo está perdido, caro leitor leigo.  Na tabela abaixo vou lhe ensinar a pronunciar de acordo com “o conhecimento do charlatão”. Charlatões agem como se tivessem algum conhecimento. Aprenderam a se apresentar, aparentemente, como os sábios. Para tanto, juntam em frases-feitas os verbos usuais, os substantivos sem substância e os adjetivos laudatórios. Juntando essas palavrinhas-mágicas das colunas, verdadeiras panaceias, você formará lugares-comuns em um discurso rebuscado. Será capaz de enganar trouxas e esconder seu desconhecimento de causa. Certamente, com esta linguagem, obterá sucesso em O Mercado.

Adjetivo

Jargão

Predicado

eficiente

eficaz

abundante

robusto(a)

incerta

relevante

qualificado

constante

variável

substancial

estridente

alavancagem

complexidade

credibilidade

conformidade

confiança /
desconfiança

curva de juros

expectativa

observância / inobservância

reforma da previdência

reforma tributária

abaixo da linha

acima da linha

de primeira linha

futura

ancorada

deixou a desejar

deu a volta por cima

em alto e bom tom

em curto prazo

em longo prazo

quanto estivermos mortos

As opiniões expressas no artigo são de responsabilidade pessoal do autor.

 

 * Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..