MÍDIA

Walter Belik | Nexo Políticas Públicas

François Quesnay (1694-1774) foi o médico-cirurgião particular do rei Luís 15 da França. Vivendo na corte em Versailles, sua maior preocupação era de caráter filosófico - explicar os mecanismos de geração de riqueza e o funcionamento da economia da época. Tendo acesso às contas públicas e à arrecadação de impostos do vasto território controlado pela Casa de Bourbon, Quesnay desenhou um esquema de circulação com os fluxos de recursos entre as classes sociais, destacando o importante papel da aristocracia no desenvolvimento econômico. Derivando para o campo da medicina, o funcionamento da economia era equiparado aos vários sistemas circulatórios observados no corpo humano. A geração e distribuição de valor seria, segundo Quesnay, um processo natural estabelecido pelos desígnios divinos, proposta que seria combatida mais tarde pelas ideias iluministas que estavam despontando.

A Fisiocracia, como ficou conhecida a doutrina abraçada por nobres e altos funcionários da coroa, identificava a agricultura como único setor capaz de gerar o valor original na economia. Portanto, a riqueza da sociedade estaria apenas no que a natureza nos proporcionasse. A energia biológica capturada pela produção rural geraria o valor (produit net), consubstanciado em novos bens materiais, que seriam posteriormente levados ao comércio e, finalmente, aos consumidores. Para os fisiocratas, os proprietários de terras e a nobreza moviam a economia e os artesãos, que por realizarem apenas a transformação de bens materiais, não geravam nenhum valor novo. Assim, de forma natural e a partir dos desígnios de Deus, o progresso de uma nação estaria ligado ao consumo final e ao bom uso da riqueza. No contexto do início do século 18, a França agrária, abalada pela Guerra dos Sete Anos, havia sido superada economicamente pela rival Inglaterra que despontava industrialmente. Caberia, portanto, à Quesnay dar o suporte ideológico para a aristocracia agrária, pregando inclusive a necessidade de ampliar o comércio livre que, conforme se acreditava, seria favorecido pelas melhores condições naturais da França.

Mais de 250 anos após a publicação do Tableau Économique em 1770, obra seminal de Quesnay, seu pensamento continua vivo no Brasil. Neste estranho país abaixo da linha do Equador, construiu-se toda uma economia baseada no que se acredita ser um fito divino, uma capacidade natural inesgotável da agricultura de nos carregar adiante. Curiosamente, esse país viveu tempos coloniais nos quais a monocultura também trouxe muitas riquezas e grandes esperanças, mas que - por motivos alheios -, foram embora da mesma maneira que chegaram. Dentro dessa visão messiânica pré-Adam Smith, a indústria e os serviços deveriam ser setores acessórios da agropecuária, de modo que a qualidade das terras e a engenhosidade dos empresários verde-amarelos garantiriam o progresso da nação. Incorporando a racionalidade dos nossos tempos e de forma similar às leis de movimento da física e da astronomia, a economia teria um comportamento determinado por regularidades que, por sua vez, deveriam decorrer da liberdade e do espírito empreendedor dos indivíduos.

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