Fernando Nogueira da Costa | No GGN

Classificações com viés partidário e simplórias dividem o espectro ideológico dos principais candidatos presidenciais em 2018 em cinco posicionamentos. O propósito é distinguir os “centristas” dos “extremistas”. No caso, é posicionar o Bolsonaro (PSL) na extrema-direita e o Lula (PT) na extrema-esquerda. Logo o Lula, um negociador e conciliador nato. Durante seus oito anos de mandato o País teve efetivamente democracia. Mas, ao fazer esse estigma, a mídia golpista coloca seu preferido Alckmin (PSDB) como centro-direita, sua alternativa “menos ruim”, Marina (REDE), como centro, e seu incontrolável Ciro (PDT) como centro-esquerda.

Mais correto seria classificar os pensamentos predominantes entre os assessores econômicos de cada candidatura. Assim, seriam: ultraliberal (Bolsonaro), neoliberal (Alckmin), ambientalista (Marina), novo-desenvolvimentista (Ciro) e social-desenvolvimentista (Lula). Pessoalmente, acho mais esclarecedor identificar cada qual com a respectiva casta de natureza ocupacional: guerreiros-militares (Bolsonaro), mercadores (Alckmin), sábios-pregadores (Marina), oligarcas-governantes (Ciro), e trabalhadores-organizados (Lula).

As lógicas de ação das castas são: militar (guerreiro como Bolsonaro), mercantil (negociante como Alckmin), inspirada (sábia-pregadora como Marina), familiar (dinástico como o Gomes), cívica (trabalhador como Lula). Se Joaquim Barbosa tivesse aceitado o sacrifício da candidatura, estaria também representada a lógica de ação corporativa (sábio-tecnocrata como os técnicosnão eleitos dos Poderes republicanos, notadamente o Judiciário). Respectivamente, as principais instituições representadas pelos candidatos são: Forças Armadas, Associações Patronais, Igrejas Evangélicas, Universidades, e Sindicatos Trabalhistas.

Os valores morais dessas castas são, na citada ordem, os de guerreiros (fama, glória, coragem, vingança), negociantes (competitividade, empreendedorismo, os brandos dotados de tolerância e liberalismo cultural, os firmes defensores de disciplina, regras, autoridade), sábios-pregadores (especialização, educação, autonomia, auto expressão, moralismo religioso), governantes (paternalismo, distinção, respeito), trabalhadores (ceticismo quanto ao livre-mercado, igualitarismo, habilidade, criatividade). Os sábios-tecnocratas defendem seu poder técnico com base na educação e especialização, por exemplo, a jurídica.

Evidentemente, esses valores são referências para alianças no segundo turno ou no governo caso saiam vitoriosos no pleito eleitoral. Embora na campanha haja defesa de pontos de vista contrários, debate, discussão, argumentação, a escolha, por sufrágio, de certa pessoa, para ocupar um cargo, um posto ou desempenhar determinada função, acaba por levar ao governo alguns valores marcantes. Por exemplo, na Era Neoliberal houve aliança entre a casta dos negociantes e a dos guerreiros. As palavras-chave nos anos 90 eram: competitividade, individualismo, livre-mercado, meritocracia, eficácia, eficiência, etc. Na Era Social-Desenvolvimentista (2003-2014), com a aliança socialdemocrata típica entre trabalhadores e sábios intelectuais e artistas, em um governo neocorporativista, as ideias propagadas eram solidariedade, coletivo, regulação, igualitarismo social.

Quando se analisa com lupa os pensamentos dos assessores econômicos dos candidatos, observa-se distinções tanto à direita quanto à esquerda. Muitos eleitores desconhecem as diferenças entre o conservadorismo inspirado na Escola de Chicago e o ultra liberalismo adotado pela Escola Austríaca. O fato de tanto uma quanto a outra defenderem os preços livres como a chave para regular a economia ou o livre mercado ser preferível à intervenção levou a essas duas tradições, na verdade competitivas, serem avaliadas como iguais.

Os mercados deveriam ser livres de interferências governamentais, corporativas ou sindicais: isso é o que há de comum entre as duas.  O uso conflitante da palavra “liberal” era fonte de confusão entre europeus e americanos até, recentemente, a expressão “neoliberal” ser consagrada entre ambos como designação dos adeptos do “liberalismo econômico”, mas não do “liberalismo político e de costumes”. A esquerda norte-americana se designa como liberal, isto é, defensora da liberdade em todos os planos.

Enquanto Hayek acreditava o livre mercado ter o monopólio da virtude, estudiosos de Chicago acreditavam
ele poder ser tão ineficiente quanto a intervenção do governo. Destacavam, por exemplo,
a ligação entre as contrações desnecessárias na oferta de moeda e 
as recessões consequentes, além das defasagens entre decisões, devido às expectativas adaptativas com informações assimétricas ou não perfeitas.

Hayek e Mises pensavam ser a atividade econômica demasiadamente complexa para ser quantificada com base em médias. Estas são indicadores enganosos do modo como os distintos indivíduos estabelecem ospreços relativos, informações cruciais para suas decisões. Friedman, por sua vez, aliás tal como os keynesianos, observava a economia como um todo, isto é, a macroeconomia, e usava as médias para determinar a causa e o efeito das mudanças econômicas.

À esquerda distingo entre os novos-desenvolvimentistas (assessores de Ciro) e os social-desenvolvimentistas (assessores de Lula), apenas por razão didática, porque, por exemplo, professores da FGV-SP foram membros da equipe econômica da Dilma Rousseff.  E Ciro foi ministro da Integração Nacional no primeiro mandato de Lula.

Um economista novo-desenvolvimentista defende o modelo exportador, baseado em maxidesvalorização cambial, com a qual os industriaisdo nosso país emergente de dimensão continental acessariam duas grandes vantagens comparativas: a mão de obra barata e a cópia da fronteira tecnológica.Lucros dos exportadores, por razão inexplicada, superariam
o choque de custos de insumos importados e, depois, de salários e juros para combater o choque inflacionário, sem deterioração do mercado interno.Se o país adotasse essa estratégia asiática de industrialização orientada para as exportações, o choque cambial teria de ser muito forte para as empresas industriaisobterem tecnologia de ponta e competitividade para exportar.

Um economista social-desenvolvimentista contraporia esse risco inflacionário de corrosão do poder aquisitivo dos trabalhadores com outro programa governamental. Em contexto de crescimento da renda e do emprego, com política de elevação real do salário mínimo, programa de transferência direta de renda com condicionalidades (Bolsa Família), a política social ativa, inclusive educação, fomentaria o mercado interno com a mobilidade social. O respaldo governamental à luta sindical pela reposição salarial contra a corrosão inflacionária propiciaria inclusive a conquista de maior participação nos lucros e resultados (PLR) das empresas, além de maior formalização do mercado de trabalho, ampliando o mercado interno. Essa estratégia em longo prazo seria direcionada pelo investimento do setor produtivo estatal, associando os fundos de pensão patrocinados pelo setor público com o setor privado nacional e estrangeiro.

O programa novo-desenvolvimentista nasce do diagnóstico da Grande Crise Fiscal, para propor uma alternativa pragmática na qual a afirmação social-democrática dos direitos (à educação, à saúde, ao trabalho e à previdência social), garantida pelo Estado, se soma à afirmação liberal na crença no mercado e na competição. Propõe o interesse nacional ser negociado caso a caso, em contraposição à visão entreguista de aceitação passiva da liderança estrangeira, e à visão nacionalista-burguesa de proteção do mercado interno, ao invés de competir em produtividade.Crêhaver a possibilidade de estabelecer um pacto político nacionalista para o desenvolvimento socioeconômico.

O programa social-desenvolvimentista acredita em investimento autônomo diante das condições pessimistas quanto à expansão da demanda agregada, em contexto de crise internacional. Adota o olhar estadista “para enxergar mais adiante, além da demanda corrente”.

Não se restringe ao debate da política econômica em curto prazo (monetária e de crédito, fiscal, cambial e de controle de capital) ao priorizar a necessidade de investimentos em infraestrutura, inclusive energética, seja elétrica, seja extraída de hidrocarboneto, e logística (transportes e mobilidade urbana). Desenvolvimento socioeconômico resultaria da política de crescimento distributivo da renda e emprego em conjunto com política social ativa.

Seriam quatro os eixos do desenvolvimento proposto pelos social-desenvolvimentistas:

  1. política de distribuição da renda não por preços e/ou salários administrados pelo governo em nível acima da produtividade, mas sim por políticas sociais ativas;
  1. investimentos em infraestrutura (energia, transporte, habitações de interesse social, saneamento, etc.), mobilidade urbana e urbanização de favelas;
  1. política industrial com incentivos para incorporação à 4ª. Revolução Industrial eintegração às cadeias globais de valor, mas buscando um padrão de inserção internacional menos dependente;
  1. política de comércio exterior abrindo mercados para usufruto das vantagens comparativas em recursos naturais e produtividade agrícola.

Em síntese, os social-desenvolvimentistas defendem as Interações entre os direitos da cidadania – civis (liberdade e justiça), políticos (associar-se, votar e ser votado), sociais (educação, saúde, moradia, transporte, previdência, lazer, etc.), minorias (étnicas, homossexuais, feministas, etc.) e econômicos (salário mínimo, emprego, acesso a bancos e crédito, tributação progressiva, etc.) –, componentes-chave de um sistema complexo, propiciarem a emergência da democracia socioeconômica e política no Brasil.

O artigo representa a opinião pessoal do autor