Fernando Nogueira da Costa e Liszt Vieira | No GGN
Quem assistiu à série documental da Netflix, produzida por Robert Redford e denominada The West, em especial, a sequência onde Crazy Horse lidera a resistência dos indígenas à expansão dos colonos imigrantes europeus para o Oeste, amparada pelo general Custer, não deixa de lembrá-la agora, quando garimpeiros, grileiros, madeireiros, e traficantes de droga invadem reservas indígenas na Amazônia. Pior, estão amparados pela verborragia do líder da casta dos militares reformados na presidência.
Ele usa uma quantidade excessiva de palavras com enorme fluência – e pouca influência. Diz coisas de conteúdo ralo ou sem importância em termos da sabedoria ou da diplomacia esperada de um verdadeiro líder. Por essa postura inadequada a um chefe de Estado, por nepotismo em relação aos filhos e favoritismo com seus pares, demonstra total falta de compostura. Perde apoio político da maioria da população.
Deveria apresentar um nexo para nossa diversidade cultural e social, representar uma ligação das distintas partes para configurar um todo nacional coeso. O cargo maior da República exige um modo de ser – ou de estar –, revelador de sobriedade, educação, comedimento. Um tosco se caracteriza pela rudeza e grosseria em sua linguagem provocadora de inimizades. É destituído de cultura, de refinamento espiritual. Inculto, representa apenas gente limitada, também tosca de espírito. Demonstra uma educação (familiar ou militar) sem nenhum apuro ou refinamento escolar.
Ulysses Simpson Grant (1822-1885) foi também um militar e político. Foi capaz de ser eleito a cargo equivalente, como o 18º Presidente dos Estados Unidos de 1869 a 1877. Anteriormente, sob o presidente Abraham Lincoln, foi nomeado para liderar o Exército da União até a vitória sobre os Estados Confederados da América na Guerra de Secessão.
Depois de ter se formado em 1843, na Academia Militar dos Estados Unidos, serviu na Guerra Mexicano-Americana até aposentar-se em 1854. Mas voltou para o exército em 1861 com o começo da Guerra de Secessão. Após suas vitórias em uma série de batalhas, Lincoln o promoveu, em março de 1864, a General Comandante. Enfrentou e derrotou o general confederado Robert E. Lee, em abril de 1865, efetivamente encerrando a guerra civil. Historiadores elogiaram o gênio militar de Grant e suas estratégias aparecem em livros militares. Porém, uma minoria afirma ele ter vencido mais por força bruta em vez de estratégias superiores.
Grant foi eleito presidente em 1868 e reeleito 1872, estabilizando a Nação durante o período, perseguindo a Ku Klux Klan e reforçando leis de Direitos Civis e Políticos através do Exército e do Departamento de Justiça. Grant empregou esse aparato para construir o Partido Republicano no Sul com eleitores negros, novatos do Norte e brancos sulistas.
No entanto, as coligações do seu Partido Republicano (progressista na época da Guerra Civil) romperam-se durante seu segundo mandato. Os brancos conservadores reconquistaram o controle por meio de coerção e violência. Ele foi o presidente norte-americano do século XIX cujo governo recebeu mais acusações de corrupção.
Vale comparar seu grau de tolerância multiétnica distinta em relação ao atual presidente brasileiro. A política de Grant com nativos americanos inicialmente reduziu a violência na conquista de suas terras. Porém, ela é mais conhecida pela derrota e morte de George Armstrong Custer e seus regimentos na Batalha de Little Bighorn.
No ano do Centenário da Independência dos Estados Unidos (1876), opôs o 7º regimento de cavalaria do exército dos Estados Unidos do famoso General Custer a uma coligação de Cheyennes e de Sioux, unidos sob a influência dos também afamados líderes indígenas Touro Sentado e Cavalo Louco. Aniquilaram um destacamento da cavalaria norte-americana, comandado pelo general Custer, pretendente a suceder a Grant na presidência dos Estados Unidos. Seu afã de aparecer na imprensa da época foi causa da maior derrota do exército americano durante as chamadas Guerras Indígenas.
O que importa aqui destacar, como comparação histórica, é em seu segundo mandato Ulysses S. Grant ter abandonado seus esforços para acalmar a nação. Devido à grave depressão econômica de 1873-1877, até então a maior da história norte-americana, o ex-militar imaginou encontrar a solução na descoberta de ouro em Black Hills, no território entregue por ele mesmo ao Sioux nove anos antes. Tendo ele implantado o padrão-ouro nos Estados Unidos, depois da corrida ao ouro da Califórnia (1848-1855), os comerciantes e os exploradores de riqueza extrativa queriam invadir a terra indígena.
Anular o acordo de paz só reacenderia o conflito entre os imigrantes europeus invasores e os nativos. Grant propôs uma negociação: comprar Black Hill dos Lakota Sioux por seis milhões de dólares, equivalentes hoje a apenas cem milhões de dólares. Era um lugar especial para a preservação da cultura dos nativos originários de lá. Ouro não valia nada para eles. A terra e os animais sim, eram a maior riqueza natural e hereditária.
Com a rejeição da oferta ridícula do governo do ex-militar pelos nativos, ele os transformou em inimigos, cuja batalha contra os quais supôs estar perdendo. Com seus assessores militares lhe fazendo a cabeça, seu Éthos cultural bélico aceitou a entrada do exército no território em defesa da garimpagem do ouro. Decretou todos os membros da tribo Sioux serem obrigados a ir para outra reserva. Quem se recusasse seria considerado violento e tratado como tal, ou seja, exterminado. É ainda hoje a maneira militar de tratar da questão dos nativos com riqueza em suas terras: genocídio.
Este é o extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso. No caso atual, no Brasil, ameaça às populações indígenas, entendidas como minorias étnicas, cujo território foi ocupado pela expansão colonial portuguesa e depois pela formação de um Estado-nação.
O aniquilamento de grupos humanos, se não chega ao assassínio em massa, inclui outras formas de extermínio, como a submissão a condições insuportáveis de vida. Por exemplo, a competição por recursos talvez tenha deteriorado fontes de alimentação das demais raças humanas e irrompido em violência e extermínio há cerca de 70 mil anos. A tolerância não é uma marca registrada dos instintos primários dos sapiens e seus descendentes sem mente “formada”, via aprendizado, cultura e socialização. É provável ter havido queimadas desenfreadas em territórios alheios e “limpeza étnica”, eufemismo para genocídio, nos primórdios da história da espécie animal humana. Aqui-e-agora, esse animal-humano repetirá novo genocídio na conquista do Norte brasileiro?
Embora seja o décimo-segundo maior produtor de ouro em minas e possuidor da sétima maior reserva mundial, o Brasil tem uma Autoridade Monetária reconhecendo não ter competência legal ou instrumentos para averiguar a origem do ouro negociado como ativo financeiro. Garimpos ilegais movimentam de 20 a 30 toneladas de ouro por ano. As explorações clandestinas são vistas também como um “modelo de negócios” propício para lavagem de dinheiro, abrigando até operações feitas pelo narcotráfico.
Há mais de 850 garimpos ilegais de ouro trabalhando em regiões vedadas a essa prática, como áreas de conservação ambiental e terras indígenas na Amazônia. Fazem uso descontrolado de mercúrio e degradam o meio-ambiente. Parte do ouro dos garimpos é enviada ao exterior, sem recolhimento de imposto. Seu transporte, em geral, é feito em pequenos aviões a países vizinhos. Outra parte fica no Brasil para ser usada como ativo financeiro ou instrumento cambial no mercado oficial.
É fácil comprar ouro nas vilas de garimpeiros com dinheiro ilícito e mais fácil ainda transformar esse ouro em dinheiro lícito. Por isso, o negócio dos garimpos de ouro pelo Brasil interessa não apenas a garimpeiros-aventureiros, invasores de matas e rios dos nativos, mas também a empresários com investimentos de grande porte em suas lavras. Os garimpos de ouro também atraem o narcotráfico. O garimpo ilegal de ouro e o narcotráfico são duas atividades ilícitas muito próximas, inclusive geograficamente.
O governo miliciano defende regularizar mineração em terra indígena e facilitar a regularização de garimpos. A Constituição prevê̂ atividade minerária nessas áreas, mas, como o tema nunca foi regulamentado pelo Congresso Nacional, continua sendo proibido. Segundo o governo do ex-militar, os povos indígenas não terão poder para vetar projetos de mineradoras em suas terras. Na prática, caberão aos índios em pé-de-guerra dissuadir eventuais investimentos. A Constituição obriga as comunidades indígenas se beneficiar do valor dessa produção. Discute-se, no governo genocida, se isso vai ser um royalty fixo ou se vai ser um ganho participativo.
Abrir terras indígenas à mineração foi tema de campanha do presidente militar-reformado. Sem dúvida, a presença de mineradoras trará novos problemas a comunidades indígenas. A alegação miliciana é melhor ter operações legais no papel a ter invasões e garimpos ilegais. Só rindo...
Enquanto isso, a bancada ruralista intensificou as articulações para dar novo impulso à proposta de regulamentação da venda de terras para estrangeiros. Na corretagem da venda barata do Brasil, espera-se a invasão de fundos soberanos de outros países ou concentração de terras por empresas estrangeiras. Tanto o bioma amazônico, quanto a faixa de fronteira, ambos ficarão desprotegidos. Estima-se 51% das queimadas na Amazônia ocorrerem em áreas sem definição de titularidade. O ciclo vicioso na região não é só queimada-madeira-soja-boi. Envolve também ouro-e-droga. E miliciano.
As opiniões expressas no artigo são de responsabilidade pessoal do autor.
* Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.