Fernando Nogueira da Costa | No GGN
Há cinismo ou incoerência em um cliente bancário como depositante querer um “banco grande demais para não quebrar”, e como devedor, um "banco pequeno demais para quebrar"... E ele enrolar a massa falida com o pagamento da dívida bancária.
Um sistema bancário é complexo por sua emergência pelas interações entre múltiplos componentes. Ele oferece ao mesmo tempo um sistema de pagamentos, agências para depósitos e investimentos, e crédito.
A tomada de crédito é fundamental para a alavancagem financeira dos empreendimentos, isto é, obter uma rentabilidade patrimonial superior à obtida apenas com o uso de recursos próprios, devido à economia de escala. Esse “segredo do negócio capitalista” é visto por analistas como a principal função sistêmica dos bancos, sem dimensionar apropriadamente as necessárias interações entre aquelas citadas três funções. Um banco se estabelece pela captação de recursos de terceiros para lastrear os empréstimos concedidos. O Banco Central o fiscaliza para ele não perder esses recursos.
Segundo a ANBIMA, em junho de 2018, existiam 142 milhões de depósitos de poupança, sendo 83 milhões contas com menos de R$ 100 de saldo e 59 milhões com saldo médio de R$ 11.573,16. Segundo o FGC, eram 153,4 milhões depositantes de poupança (35,5% do saldo total), 104,5 milhões de contas de depósitos à vista (7,9%), 18,1 milhões de depósitos a prazo (40,4%). Os 755 mil clientes de LCI e 283 mil de LCA propiciavam 15% do funding, isto é, da composição passiva ou fontes de financiamento. Desconsiderando os depositantes de poupança entre os clientes bancários, mas incluindo os investidores em Fundos, eram 11,4 milhões nos segmentos de varejo tradicional (7,3 milhões), varejo de alta renda (4 milhões) e Private Banking (122 mil).
O SCR – Sistema de Informações de Crédito do Banco Central do Brasil apresenta um número distinto, comparado ao de contas bancárias, de quantidade de clientes em operações de crédito: cerca de 126,4 milhões. O “big five” (Bradesco, Itaú, Caixa, BB, Santander) com 107 milhões possui 71% dos clientes tomadores de crédito e fazem 75% do número das operações de crédito, entre as quais as de crédito rotativo em cartões, do sistema financeiro nacional. Evidentemente, nem todos os depositantes tomam crédito.
A estrutura do mercado bancário se caracteriza como um oligopólio diferenciado, ou seja, os bancos competem por diferenciação na qualidade do serviço (eletrônico e pessoal) prestado e não por preço (juros ou tarifas). Quanto mais segurança oferecer, capta maior volume de recursos e possui maior capacidade de financiamento. Fintechs e outras inovações financeiras são bem-vindas, mas não se deve iludir a opinião pública apresentando-as como panaceias para remediar o problema da concentração bancária.
Oligopólio é um tipo de estrutura de mercado, nas economias capitalistas, onde poucas empresas detêm o controle da maior parcela do mercado. A concentração da propriedade em poucas empresas de grande porte ocorreu devido à fusão ou à aquisição e incorporação de menores empresas ao longo da história bancária. Quanto maior for o banco, mais oferece facilidade de acesso, e daí ele conquista maior clientela.
Poucas empresas lideram os mercados bancários. Elas dividem entre si as diversas áreas de atuação, focalizando certos nichos de mercado, embora tenham presença em todos. Por exemplo, a Caixa domina o crédito imobiliário, o Banco do Brasil, o crédito agrícola, Itaú, cartões de crédito e Private Banking, Bradesco, microempresas, Santander, financiamento de veículos, etc. O debate público eleitoral hoje é se o oligopólio bancário limita a concorrência e se o “big five” configura um cartel. Os grandes bancos formalizaram um acordo para uma atuação coordenada, com vistas a atender interesses comuns, especialmente, fixando preços de modo a ampliar muito a margem de lucro?
Na verdade, devido ao grande porte desses cinco bancos de varejo, eles têm maior capacidade de investimento em tecnologia para lançarem produtos novos e oferecerem melhores atendimentos. Nesse sentido, devido à economia de escala, eles poderiam oferecer preços mais baixos em relação à concorrência de bancos menores.
Vamos testar essa hipótese. Em agosto de 2018, na modalidade adiantamento sobre contratos de câmbio (ACC) - pós-fixado referenciado em moeda estrangeira, a taxa de juro média cobrada pelo Itaú era a segunda menor (2,78% aa) e a 37ª. era do Banco Bocom BBM (10,94% aa). Em antecipação de faturas de cartão de crédito - pré-fixado, as taxas do Banco do Brasil (12,6% aa) e Itaú (13,1% aa) eram as menores e bem inferiores à do BRB (39,5% aa). E assim por diante, em doze modalidades de crédito para Pessoa Jurídica (PJ), o “big five” tendia a se situar na metade de baixo na classificação por ordem crescente de taxa de juro realizada pelo Banco Central.
Há muita dificuldade para medição de qual banco é o spread mais elevado. Em Pessoa Física (PF), o financiamento imobiliário com taxas de mercado - pós-fixado referenciado em TR, o Banco Mercantil do Brasil cobrava a menor taxa (8,7% aa) e a Caixa Econômica Federal a maior (11,5% aa). Por sua vez, em financiamento imobiliário com taxas reguladas, a Caixa cobrava a menor taxa (6,8% aa) e o Itaú a maior (9,6% aa) também em um ranking de dez bancos. Só dois bancos ofereciam financiamento imobiliário com taxas reguladas - pré-fixado: o Santander (11,4% aa) e o Banco do Brasil (12,9% aa).
Em outras modalidades de crédito para Pessoa Física, exceto imobiliário, em aquisição de outros bens - pré-fixado a Caixa oferecia a segunda menor taxa de juro (3% aa) e pequenos bancos se situavam do 34º. ao 39º. lugar ao cobraram de 108% aa a 137% aa. Em aquisição de veículos - pré-fixado, destacavam-se com menores taxas de juro os bancos das montadoras nos dez primeiros lugares, os cinco maiores se espalhavam em posições médias, por exemplo, a Caixa em 32º. (27,4% aa), e as maiores taxas eram cobradas por pequenas SCFI na faixa de 50% a 60% aa. Em cartão de crédito parcelado e pré-fixado, os grandes também ficavam em posições intermediárias (Bradesco 85% aa, Caixa 126% aa, Itaú 128% aa, BB 142% aa), e os “escândalos” estavam nas taxas do banco Paraná (464% aa) e no banco do Estado de Sergipe (498% aa). Novamente, em doze modalidades de crédito para Pessoa Física, o “big five” se dispersava e não se destacava em atuação como fosse um cartel capaz de impor as maiores taxas de juro de crédito aos seus clientes na classificação por ordem crescente realizada pelo Banco Central.
Um participante desse oligopólio bancário, contudo, dificilmente baixará muito seus preços (tarifas e juros), pois será imediatamente seguido pelos demais quatro bancos, ficando então com a mesma fatia do mercado, mas lucros menores. A competição tende a estabelecer-se mais através de marketing. Na prática, há tendência ao oligopólio em todos os setores de atividades exigentes de grande volume de investimentos – e não apenas na atividade bancária. Esse é o caso de oligopólios concentrados e, ao mesmo tempo, diferenciado por qualidade de serviços no sistema de pagamentos e pela segurança oferecida a depósitos e/ou investimentos financeiros.
O mercado de dinheiro não funciona como um mercado competitivo de bens e serviços. Neste, em tese, um maior número de ofertantes de determinada mercadoria poderia elevar a concorrência e baixar preços. Em mercado de dinheiro, há uma “servidão voluntária” do tomador de crédito. Se este oferece reciprocidade em volume de negócios financeiros, em uma relação de clientela com determinado banco, recebe uma linha de crédito pré-compromissada favorecida por essa garantia oferecida.
O crédito é um contrato mútuo. O mutuário assume o risco do devedor: não receber a renda esperada por desemprego, no caso de PF, e depressão, no caso de PJ, e então não conseguir cumprir o compromisso financeiro. O mutuante assume o risco do credor: além de não receber os juros e as amortizações do devedor, ele não conseguir liquidar sua garantia colateral no valor esperado quando houve a concessão do crédito. Porém, nenhum banco pode perder os recursos de terceiros depositados nele, portanto, a perda com inadimplentes é repassada ao custo do crédito pago pelos adimplentes. Para estes conseguirem pagar os débitos, as condições macroeconômicas têm de continuar favoráveis com crescimento da renda e sem desemprego.
Logo, para resolução da questão do spread bancário e do custo do crédito, não cabe uma solução “punitiva” para os bancos. Não se deve imaginar poder resolver esse problema complexo ao atacar uma única variável: a margem de lucro bancário.
Entre outras causas do problema da elevada taxa de juro, tem de ser enfrentada, por exemplo, o “risco jurídico” brasileiro. O Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933, conhecido como “Lei da Usura”, proibiu o anatocismo: cálculo de juros compostos (“juros sobre juros”). Se estes incidem sobre o passivo, têm de ser repassados à carteira ativa de crédito. Essa cláusula vem de uma época quando o mercado financeiro era praticamente inexistente, se comparado aos padrões atuais. Mas ainda hoje continua sendo uma das principais causas de demandas judiciais e amparo a devedores inadimplentes. Eles utilizam o Poder Judiciário para postergar a execução da dívida.
A facilidade de qualquer juiz de comarca tem para “fazer justiça social com as próprias mãos” e decidir em desacordo com a lei e o contratado gera um risco de perda imenso. Os bancos, racionalmente, precificam seus créditos considerando esse cenário possível.
Os juízes, ao tomarem uma decisão supostamente em beneficio de um “pobre coitado” (mau pagador) frente a um “banco explorador”, acabam impondo a conta aos bons pagadores, aqueles com o saudável hábito de cumprirem os compromissos assumidos.
As opiniões expressas no artigo são de inteira responsabilidade do autor.
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018 - no prelo). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..