Fernando Nogueira da Costa* | GGN
Ciclos de Vida se referem, em princípio, às fases nas quais se divide o período de vida de um indivíduo. O ciclo se estende do nascimento até a morte, embora religiões o tratem com um ente social antes do nascimento ao condenar o aborto em qualquer situação. Outras religiões têm fé na existência da alma depois da morte – em outro mundo, seja paradisíaco, seja infernal.
Alma penada é o espírito de pessoas falecidas ainda com compromissos por cumprir na vida terrena. Regressam a ela, sob transfigurações do sobrenatural ao natural, apelando ao socorro e à oração de familiares e amigos. Cruz credo!
Extrapola-se o ciclo de vida às etapas definidas em cada sociedade ou civilização. Do individualismo metodológico se dá um passo ao ponto de vista social. As etapas do ciclo de vida de um indivíduo marcam a sua preparação para assumir papéis sociais e institucionais. Porém, de acordo com o grau de desenvolvimento econômico e cultural da sociedade, cada povo tem a delimitação dessas etapas históricas de forma diferente.
A esperança de vida de pessoa nascida no início do século XX, no Brasil, era a “idade de Cristo”: 33 anos. Se nascida em 2018, tinha expectativa de viver, em média, até os 76,3 anos. A expectativa de vida dos homens era 72,8 anos em 2018, enquanto a das mulheres era 79,9 anos. A maior expectativa de vida foi encontrada em Santa Catarina, 79,7 anos, e a menor no Maranhão, 71,1 anos.
Uma pessoa idosa, tendo completado 65 anos em 2018, teria a maior expectativa de vida (20,4 anos) no Espírito Santo. Por outro lado, em Rondônia, a expectativa de vida seria de mais 16,1 anos. Ganhará 4 anos a mais de vida ao se mudar para o Espírito Santo?! Não tem garantia… Temos de lembrar: “enquanto existirmos, a morte não existe, mas, quando a morte existir, não existiremos”.
Pelo aumento da longevidade humana, cabe rever as fases do ciclo de vida, inclusive os limites de etapas variantes em relação aos sexos:
infância: até os sete anos;
adolescência: dos sete aos 13 anos;
juventude: dos 14 aos 25;
maturidade: entre os 26 e 60 anos;
velhice: de 61 e mais.
O período de meia-idade do homem deve ser destacado como um dos fenômenos capazes de se renovar os ciclos de vida de forma constante. Trata-se de uma “crise do desenvolvimento”, quando um homem encara novas tarefas e novos dilemas sobre seu futuro, testando novos modos de vida pessoal ou oportunidades para crescer. Esse período de crise provoca retração na vida de alguns homens e expansão na de outros.
É equívoco achar nenhum desenvolvimento ligado à idade ocorrer durante os anos de vida adulta. O início da vida adulta pode ser remarcado para dos 25 aos 45, com a crise de meia-idade durando entre os 40 e 45 anos, o meio dela seria dos 45 aos 65, com a crise pré-aposentadoria durando entre os 65 e 70 anos. A terceira-idade é alcançada após ser ultrapassada essa última “crise do desenvolvimento psicológico”. Talvez seja mais apropriado empregar o termo “transição” em lugar da palavra “crise”.
A primeira “crise de transição histórica” é a saída da vida de adolescente e a entrada na vida de adulto. Ocorre, em geral, quando o jovem sai da casa da família direta, tentando separar-se de seu apoio e de sua autoridade. Enfrenta o desafio de tornar-se financeiramente independente e assumir novas posições para se tornar mais autônomo.
Ele entra no mundo adulto dos 25 aos 30 anos, afastando-se do coletivo de amigos para estabelecer uma direção ocupacional e criar amizades e relacionamentos sexuais mais duradouros, talvez se casando. Muitos acalantam “sonhos”, mas são incapazes de planejar o alcance de metas pessoais ou objetivos profissionais.
As grandes mudanças psicológicas na “crise da meia-idade” são em parte causadas pelo fato de o homem achar ter traído seus “sonhos juvenis”. Pior, se ele perde um mentor, seja o pai ausente, seja o professor/mestre inspirador, pode sentir uma insuportável carga de responsabilidade para alcançar o sucesso planejado. O sentimento de pertencimento a uma organização ou agrupamento social substitui a carência paternal.
Pior, se a imaginada “mulher amada” se colocar como um obstáculo ao sonho dele, uma discórdia entre ambos é esperada. Reafirma seu casamento ou sai para uma tentativa (e erro) de trocar a companheira de 40 anos por duas de 20, em último suspiro sexual…
Durante essa crise de transição, o homem em geral se indaga se deve continuar em sua atual ocupação ou fazer uma mudança profissional enquanto ainda tem chance. Se até os 39 anos ele se comprometia mais com seu trabalho e sua família, como fossem uma “tribo” organizada para a auto realização, aos 40 anos surgem os impasses. Caso estiver entre os 5% mais ricos no Brasil, ganhando acima de dez mil reais, não está ainda no “topo” 1% acima de 30 salários mínimos. Se for professor, quer ser Professor-Titular, Se for executivo, almeja ser um sócio mais graduado.
Dinheiro, consumo, poder e prestígio acabam no topo do sistema pessoal de valores, à frente da família e dos amigos. A maior parte das pessoas, em economia de mercado capitalista, vive de modo equivocado em relação aos valores dessa escala. Priorizam o dinheiro, querendo ter mais para gastar em consumismo de luxo. Daí, fazem escolhas equivocadas, emocionais ou não racionais de modo sistemático.
O homem preso nesse padrão de vida consumista, sem imaginar uma fuga para nova filosofia de vida, pode se afogar em excesso de bebidas (ou mesmo drogas), trabalho ou sexo compulsivo. Sem crescer mais como ser humano, poderá caminhar sem rumo ou mecanicamente pelo resto da vida. Esta “crise de meia-idade” é também uma oportunidade de crescimento pessoal para a maturidade autônoma. Com autodeterminação, estará preparado para próxima etapa da vida com outro significado.
Alerta: a mulher, depois de passada a fase reprodutiva e de cuidadora dos filhos, busca a autonomia com sua realização profissional. Por isso, há defasagem com as “idades psicológicas” do homem. Se este ainda for machista, ele se ressente do sucesso de sua companheira. Se a mulher não tiver filho até os 40 anos, poderá ter crise de meia-idade similar à masculina. É a chamada, popularmente, “idade-da-loba”.
Conhecimento da filosofia de Immanuel Kant (1724-1804) pode ajudar essa transição. Ele define a palavra “esclarecimento” como a saída do homem de sua menoridade. Esta é a incapacidade do homem de fazer uso do seu próprio entendimento, autonomamente, sem a tutela de uma razão alheia.
A permanência do homem na menoridade se deve ao fato de ele não ousar pensar. A covardia e a preguiça são as causas. Outro motivo é o comodismo. É bastante cômodo permanecer na área de conforto com outras pessoas pensando, fazendo tudo e tomando decisões em nosso lugar.
O Iluminismo daria a possibilidade de o homem seguir por meio de sua própria razão, sem deixar enganar por crenças, tradições e opiniões alheias. Nesse processo de ilustração, o ser humano se torna consciente de sua inteligência para fundamentar um conhecimento de outra maneira de agir sem a doutrina ou tutela alheia. Não são todos os homens capazes de conseguir pelo exercício do próprio espírito libertar-se da menoridade.
Há quatro pilares de uma vida com sentido. Quanto ao “pertencimento”, é cultivar relacionamentos afetivos, nos quais seu valor é reconhecido por ser quem você é (e não por quem ama ou odeia em rede social) e também valorizar os outros. Ter propósito meta, objetivo, não é simplesmente ter descoberto uma ocupação no qual se sente “feliz”. Tem mais a ver com o que oferece aos outros se comparado a o que deseja para si. Usar seus pontos fortes para ajudar outros, através do trabalho não alienado, onde se sente criando algo significativo, impulsionado por novos conhecimentos.
A “transcendência ou êxtase”, quando vai além de si mesmo, do tempo e do lugar, pairando acima da rotina cotidiana e se sentindo conectado a uma realidade maior, se obtém, por exemplo, através da criação ou apreciação estética de todo o tipo de arte, por exemplo, a escrita, a pintura, a música e/ou o cinema. A pessoa se sente menos egoísta e misantropa – e mais altruísta.
Contar ou compartilhar histórias pessoais a nós mesmos, sobre nós mesmos, com a criação de uma narrativa a partir dos eventos da nossa vida para trazer luz e entender como nos tornamos quem somos – e controlar nosso ego com reconhecimento de erros – tem significado para si. E para os jovens aprender com o vivenciado por mais velhos.
Autônomo é aquele capaz de estabelecer suas próprias leis. Uma sociedade autônoma não implica somente a autogestão, o autogoverno, a auto instituição. Ela implica uma outra cultura. Implica um outro modo de vida, outras orientações para a vida humana.
As opiniões expressas no artigo são de responsabilidade pessoal do autor.
*Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..