Rodrigo Baptista | Da Agência Senado

Importante programa assistencial de transferência de renda do país, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) é, junto com a aposentadoria rural, um dos pontos da proposta de reforma da Previdência do governo (PEC 6/2019) que enfrentam maior resistência. As mudanças no BPC, vistas com reservas mesmo por parte dos apoiadores da reforma, têm sido alvo de críticas desde a chegada da proposta ao Congresso Nacional e têm grandes chances de serem alteradas pelos parlamentares.

Pela proposta do governo, idosos com renda familiar mensal de até R$ 238 terão de aguardar até os 70 anos para receber integralmente o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Atualmente o benefício, no valor de um salário mínimo (R$ 998), é pago mensalmente às pessoas com deficiência e aos idosos com 65 anos ou mais que comprovem não possuir meios de se sustentar, e nem de ter auxílio da família. A equipe econômica quer criar duas faixas de benefícios para idosos carentes — a partir dos 60 anos, com valor de R$ 400, e a partir dos 70 anos, no valor de um salário mínimo.

O governo estima que as mudanças no BPC garantirão uma economia de R$ 34,8 bilhões em 10 anos. Pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, o ganho líquido seria menor: R$ 28,7 bilhões. Para o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, o governo precisa explicar como chegou a esse resultado.

— Isso nos surpreendeu bastante. Quando divulgamos os R$ 28,7 bilhões, mostramos o detalhe do cálculo em uma nota técnica com gráficos e tabelas ano a ano. Agora o governo divulgou R$ 34,8 bilhões. É preciso que o governo explique um pouco melhor esses números — ponderou Salto.

Números frios

Independentemente da economia estimada, parlamentares consideram que a “frieza” dos números não pode se sobrepor ao retorno social do BPC.

— Não podemos colocar o peso nos ombros das classes sociais mais frágeis. Com a redução para R$ 400 por mês, o idoso vai ser devolvido para o asilo. Se hoje eles estão na casa de suas famílias, é porque o BPC ajuda a comprar medicamentos, alimentos. Fora que esse valor não significa nem 1% do rombo da Previdência — argumentou a senadora Kátia Abreu (PDT-TO).

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), também considera “sensível” mexer no BPC e avalia que esse ponto da PEC 6/2019 deverá ser revisto por deputados e senadores.

— Sem reforma, o Brasil quebra, mas é natural que a proposta seja aprimorada. O BPC é uma questão muito sensível, assim como [a aposentadoria do] trabalhador rural. Pela leitura que faço, essas duas matérias têm boas chances de serem modificadas ou até mesmo retiradas, porque o BPC não é Previdência, é assistência social — avaliou Bezerra.

Diante da resistência dos parlamentares em relação ao BPC, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já admitiu publicamente a possibilidade de tornar a regra apresentada pelo governo opcional. Assim o beneficiário decidiria pelo recebimento de R$ 400 a partir dos 60 anos, ou esperaria os 65 anos para começar já ganhando um salário mínimo. Mas a tendência é que a proposta seja derrubada antes mesmo da análise pelos senadores.

O presidente da comissão especial do Senado Federal criada para acompanhar o andamento da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, senador Otto Alencar (PSD-BA), crê que as mudanças no BPC têm poucas chances de prosperar.

— É uma falta de sensibilidade dos homens do governo que prepararam essa proposta. O que acontece nos gabinetes e na Avenida Paulista é muito distante da realidade das cidades do interior e das favelas. Tenho conversado com muitos deputados federais e a minha impressão é que a Câmara vai derrubar essa possibilidade de diminuição do valor do BPC — disse o senador.

Pacto social

A regra proposta pelo governo também acrescenta novo critério para aferição da condição de miserabilidade do beneficiário do BPC, que alcança tanto o benefício ao idoso quanto ao deficiente. Além do critério de renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo, já previsto atualmente na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas — Lei 8.742, de 1993), o patrimônio familiar deve ser inferior a R$ 98 mil, de acordo com a PEC 6/2019.

Outra mudança na PEC trata do cálculo da renda familiar. Pelo texto, o valor da renda mensal recebida a qualquer título (incluindo o BPC) por membro da família do requerente integrará a renda mensal per capita. Hoje o Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 2003) permite a exclusão de benefícios recebidos por outro membro da família.

A reforma da Previdência prevê ainda a possibilidade de postergar a idade mínima para o BPC à medida que a expectativa de sobrevida média da população brasileira aumenta.

Desalentados

O professor de economia Eduardo Fagnani, da Unicamp, avalia que, ao criar um benefício menor, o governo vai formar uma massa de desalentados, que será empurrada da Previdência para a assistência social. Ele adverte que o texto da proposta não detalha quais as formas de reajuste do BPC.

— Do jeito que está posto, a regra permite congelar o valor do BPC em R$ 400, não há previsão de aumento. Junto com as outras regras que dificultam o acesso à aposentadoria, em 20 ou 30 anos isso vai criar uma massa de desalentados. Sem correção, os R$ 400 serão, em 10 ou 15 anos, o equivalente a R$ 200. O governo quer apenas cortar gastos — criticou.

Fagnani alega que o objetivo da PEC 6/2019 é acabar com a seguridade social conquistada no Brasil com a Constituição de 1988, no período de redemocratização do país. Ele afirma que a PEC 6/2019 desconstitucionaliza diversos direitos previdenciários e permite que futuras propostas de alteração na Previdência sejam feitas com menos esforço por meio de leis complementares e ordinárias e decretos do Executivo.

— O governo tenta provocar terror econômico dizendo que, sem a reforma, o Brasil vai quebrar. A reforma de Bolsonaro não é a PEC 6. A proposta coloca regras de transição para abrir caminho para a verdadeira reforma que vai ser feita por leis complementares e ordinárias — alertou.

A visão do economista é compartilhada pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE). Para ele, o BPC deve ser visto como parte integrante de um sistema de proteção social, e não meramente como um custo.