Fernando Nogueira da Costa | No Brasil Debate
Para entender a sociedade brasileira é necessário conhecer a estratificação social de sua riqueza financeira. Segundo a ANBIMA, a base de ativos financeiros – formas de manutenção de riqueza – da economia brasileira alcança R$ 10,6 trilhões (dados de dezembro de 2018), distribuídos entre fundos de investimento, ações, títulos públicos federais, CDB (Certificados de Depósitos Bancários), LF (Letras Financeiras), poupança, debêntures, notas promissórias, LCI (Letras de Crédito Imobiliário) e LCA (Letras de Crédito do Agronegócio). Desse total, quase a metade – 43,4% ou R$ 4,6 trilhões – é administrada por meio de fundos de investimento. Essa participação é crescente: em 2013, apenas 37% do estoque de ativos estava em poder dos fundos.
Em termos macroeconômicos, os fundos de investimento cuidam do carregamento da dívida brasileira, tanto pública como privada. São os maiores detentores de títulos públicos do país, com R$ 1 trilhão em carteira. O volume equivale a 27,2% do total de R$ 3,7 trilhões em mercado. O montante é ainda maior se considerados os títulos públicos carregados em certos veículos, como os fundos exclusivos mantidos por investidores institucionais, a exemplo das entidades de previdência com 24,6% do total.
A ANBIMA também informa: além dos títulos de dívida pública, os fundos de investimento concentram boa parte dos ativos privados, com crescimento recente. Do patrimônio de R$ 4,8 trilhões dos fundos, R$ 712 bilhões (17%) são títulos corporativos, bancários e de cessão de crédito. O volume colocado em suas carteiras representa 29,7% do estoque total de R$ 2,4 trilhões desses títulos em mercado. No conjunto da carteira dos fundos, os títulos públicos são predominantes, com uma participação de 73%, somando as operações compromissadas com lastro em títulos públicos (23%).
Os ativos privados estão ganhando participação na carteira dos fundos. Em 2018, o estoque de debêntures e de ações nas carteiras dos fundos aumentou 30% e 27,5%, respectivamente. Os títulos públicos, por sua vez, cresceram apenas 9%. Ainda assim, os ativos privados representam uma parcela muito pequena da carteira. As debêntures, por exemplo, respondem por apenas 4% do total de ativos detidos pelos fundos de investimento.
O cenário esperado pelos idolatras do mercado de capitais, representados no comando neoliberal do ministério da Economia, é de uma mudança na composição das carteiras dos investidores, em função do crescimento do estoque de ações e debêntures pelo aumento de custos de empréstimos e perda de funding do BNDES. Enquanto isso, o corte de direitos trabalhistas quanto à Previdência Social e a privatização de empresas estatais possibilitariam parte da dívida bruta ser resgatada e então cairia a emissão de títulos públicos, dada a menor necessidade de financiamento da dívida pública.
Por isso a consultoria Ernest & Young projeta os títulos do governo saírem de uma participação relativa de 54% em 2018 para 36% em 2030. Em contrapartida, as ações avançariam de 19% para 30% e as debêntures corporativas (somadas com as notas promissórias) elevariam sua participação de 6% para 9%. Nesse sonho neoliberal, a economia de mercado de capitais substituirá a economia de endividamento brasileira!
Voltando a mundo real, a partir de dados divulgados pela própria ANBIMA, podemos mensurar os distintos públicos-alvo dos cinco maiores bancos comerciais (BBBICS) brasileiros, dois públicos (Banco do Brasil e Caixa), dois privados nacionais (Bradesco e Itaú) e um privado estrangeiro (Santander). Em abril de 2019, eles administravam 70% dos recursos de terceiros, sendo os públicos 33%, os nacionais 31% e o estrangeiro 7%. Em termos de clientes, possuíam quase ¾ (73%) dos 11,911 milhões investidores em Fundos.
Percebe-se, então, outros “bancos” se destacarem por serem administradores de grandes fortunas. Por exemplo, a Votorantim Asset tinha 1.704 clientes com média per capita de R$ 22,3 milhões, provavelmente muitos eram da família fundadora. A JMA Lucelli Investimentos tinha apenas 243 clientes, mas cada qual tinha em média R$ 9,5 milhões. Depois, nesse ranking de riqueza, vinham os 3.026 clientes da Modal com média per capita de R$ 9 milhões, os 15.584 clientes da corretora do Credit Suisse Hedging Griffo tinham média de R$ 7,7 milhões e os 43.384 clientes do BEM atingiam a média de R$ 6,7 milhões.
Fica nítido o papel dos cinco maiores bancos comerciais atenderem aos segmentos de clientes do varejo. Mas, além desses, pelo ranking de saldo médio per capita o Itaú se destaca também por ser o líder em administração dos recursos do varejo de alta renda e de grandes fortunas em Private Banking com R$ 704 mil. Em contraste, os clientes do Bradesco com R$ 173 mil e da Caixa com R$ 277 mil se situavam na classe média, abaixo dos R$ 396 mil dos clientes do Santander e dos R$ 480 mil dos clientes do Banco do Brasil.
Quando abrimos os dados de cada um dos “big-five” bancos por tipos de investidores, os nichos de mercado aparecem com maior nitidez. A tabela abaixo mostra as dominâncias de cada qual.
Em Market-share, o BB DTVM tem 49% do mercado de fundos de pensão fechados e a Caixa, 23%. Tais participações se devem, provavelmente, ao fato de o BB ser a empresa patrocinadora da PREVI, o maior fundo de pensão do país, e a Caixa a da FUNCEF, terceiro maior fundo de pensão fechado. Por sua vez, a Fundação Itaú Unibanco é o quinto maior, talvez por isso o Itaú administra 18% dos recursos das EFPC de empresas privadas. O Santander administra 16%. Por sua vez, o Bradesco se destaca em administração de recursos de Seguradoras: 22%.
Quanto aos recursos das EAPC (Entidades Abertas de Previdência Complementar como VGBL e/ou PGBL), elas representam os maiores investidores institucionais. Com R$ 860 bilhões representam 20% do total dos Fundos de Investimentos Financeiros. A disputa é acirrada entre BB (31%), Bradesco (28%) e Itaú (20%). Caixa (8%) e Santander (5%) veem bem abaixo.
Outros tipos de investidores significativos são os do Private Banking. Possuem 15% dos recursos de terceiros, só abaixo das EAPC. O Itaú com 29% se sobressai se comparado com os demais do grupo “big five”: BB (7%), Bradesco (4%), Caixa (4%), Santander (5%). A soma destes dá apenas 20%.
Já no varejo de alta renda, embora o Itaú seja o líder com 31% do mercado, os demais somam mais em comparação: BB (18%), Bradesco (13%), Caixa (10%) e Santander (14%) somam 55%. No varejo tradicional, o BB é mais “popular” com 44%. Se somado aos 16% da Caixa, os dois bancos públicos atendem mais (60% dos valores) à classe média baixa em lugar dos bancos privados: Itaú (11%), Bradesco (14%) e Santander (6%).
Ao ler por linha o último bloco da tabela se verifica a importância de cada tipo de investidores focalizado pelos maiores bancos. Quase todos captam mais recursos de terceiros em EAPC. Só o Santander capta mais (18%) em EFPC de empresas privadas contra 15% de EAPC e a Caixa mais (11%) em Varejo Tradicional e empata (9%) no Varejo de Alta Renda.
Ficou claro como todos os bancos “adorariam” cair em suas mãos um regime de capitalização em lugar do atual regime de repartição da Previdência Social?
As opiniões expressas no artigo são de responsabilidade pessoal do autor.
* Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..