MÍDIA
Fernando Nogueira da Costa*
No passado, jornal no dia seguinte só servia para “embrulhar peixe”. Aí, os peixeiros inovadores, para provar o peixe ser fresco, passaram a embrulhar com o jornal do dia!
Hoje, jornais impressos estão deixando de ser lidos. E os digitais só têm suas manchetes lidas com vista-d’olhos em smartphones ou tablets. Mas seus arquivos digitais servem como fontes primárias preciosas para qualquer pesquisador da história recente!
Nos anos 70, pesquisei as fontes primárias impressas, para escrever minha dissertação de mestrado – “Bancos em Minas Gerais (1889-1964)”, em bibliotecas públicas e privadas de bancos, arquivos públicos, coleção completa da Revista Bancária Brasileira - RBB, fundada em 1933. Tudo em papel. Exigia viagens e hospedagens para levantar as fontes impressas, xerocar, calcular e escrever à mão.
Nos anos 80, fui convidado a estudar o caso Banespa. Em 1986, ele comemorava 60 anos desde quando foi estadualizado. Passou de Banque de Crédit Hypothécaire et Agricole de l’état de São Paulo, société anonyme brésilienne, constituée le 14 juin 1909, pour une durée de 30 ans (consultei esses dados agora no Dr. Google), para Banco do Estado de São Paulo. Obtive livre acesso aos seus arquivos de documentos impressos. Infelizmente, não apreciaram minha história analítica – e não laudatória. Sorte a minha: virou minha tese de Doutoramento.
Escrevi essa tese, rapidamente, em um Apple II. O computador doméstico teve sua produção iniciada em 1977. Tornou-se mais acessível durante a década de 1980.
Na virada dos anos 90 para 2000, comecei a escrever artigos para a Folha de S.Paulo sobre o processo de privatização dos bancos estaduais e a ameaça pairando sobre os bancos públicos federais. Em sua defesa, os sindicalistas de todos esses bancos me convidaram para palestras e consultorias. Por isso, indicaram-me para ser nomeado vice-presidente da Caixa (2003- ½ 2007).
Tive a surpresa (e alegria) de reler alguns desses artigos agora na web. Encontrei-os quando pesquisei os arquivos digitais da Folha e Valor para organizar um novo livro para a atualização da história bancária do Brasil no período recente (2008-2020). Não tem finalidade comercial, propõe-se apenas à divulgação gratuita de conhecimentos.
Em 2008, conclui meu livro “Brasil dos Bancos (1808-2008)”, o primeiro livro com a história bancária brasileira em toda sua extensão. Foi reconhecido pelo Conselho Federal dos Economistas, conferindo-o o prêmio de Livro de Economia do Ano, em 2012, quando foi finalmente publicado pela EDUSP. Foi finalista do Prêmio Jabuti 2013.
Também foi rápida a pesquisa em Relatórios de Administração do Banco do Brasil já digitalizados. Consultei-os para escrever, sob encomenda, sua história desde a reforma bancária de 1964 até a comemoração de 200 anos da fundação do primeiro no Brasil em 2008. Da mesma forma digital, consegui no site do Banco Central do Brasil todos os documentos e os dados necessários para análise da indústria de cartões de crédito no país em trabalho encomendado pela ABECS.
Na última quinzena do primeiro ano da pandemia, tive a inspiração de pesquisar os fatos marcantes da história bancária recente em fontes digitalizadas dos jornais Valor e Folha, os quais assino. Este novo livro eletrônico é um relatório de pesquisa de fontes primárias jornalísticas para completar a leitura do meu Brasil dos Bancos.
Esse eu conclui logo antes da explosão da crise de 2008. Desde então, o sistema bancário brasileiro sofreu grandes transformações. Eu as acompanhei com postagens no meu Blog Cidadania & Cultura, existente há mais de uma década. Foi criado em 22/02/2010.
Publiquei também outros livros a respeito de bancos brasileiros: Bancos Públicos no Brasil (2016), Bancos Estatais sob Estado Mínimo (abr2020), Breve História Comparativa de Bancos de Negócios (nov2020). Eles se referiram mais aos bancos estatais.
Como passageiro de um tempo breve, penso já ser o momento de contar a história recente dos bancos privados nacionais. Nas duas últimas décadas, morreram os banqueiros fundadores dos maiores bancos brasileiros privados.
Tracei seus perfis, isto é, registrei traços biográficos, informados em obituários, para comparar com os perfis dos novos banqueiros emergentes. Estes surgem em uma economia de endividamento bancário em busca de transição para uma economia de mercado de capitais. Seus bancos são de negócios e/ou digitais, explorando nichos de mercado.
O protagonista da narrativa de Joseph Schumpeter é o líder visionário: a função de um empreendedor é revolucionar o padrão de produção, explorando uma invenção ou, de modo geral, uma possibilidade tecnológica ainda não tentada, como novos produtos ou novas fontes de fornecimento de matérias primas. “Empreendedores schumpeterianos” são também banqueiros e outros agentes financeiros, capazes de mobilizar capital, avaliar projetos, administrar risco, monitorar os administradores, propiciar bons negócios, redirecionar os recursos de velhos para novos canais.
Analisei os perfis biográficos dos mais notáveis banqueiros brasileiros. O propósito foi verificar se eles correspondem a esse esboço de empreendedores.
Antes disso, na Introdução, apresentei um preâmbulo histórico com uma breve linha do tempo, para recordar os primeiros fenômenos institucionais no sistema bancário brasileiro, desde a reforma bancária de 1964 até a crise mundial de 2008. No primeiro capítulo, através dos relacionamentos entre políticos protagonistas (Delfim Netto, emedebismo, FHC, Lula, Dilma, golpistas) e banqueiros, resumi os contextos políticos, vivenciados no país, desde o golpe militar de 1964 até o governo militar eleito em 2018.
Acho relevante destacar como se alterou a atuação política dos grandes banqueiros. Evoluiu de uma participação pessoal direta para uma indireta por parte de seus sucessores. Estes atuam mais com reivindicações corporativas, junto ao ministro da Fazenda/Economia e ao presidente do Banco Central do Brasil, em favor do funcionamento adequado do sistema financeiro nacional.
Uma evolução bancária sistêmica é incompreendida até por parte do atual ministro da Economia, um ex-banqueiro de negócios, voltado só para si. Está longe do conhecimento de como as maiores corporações bancárias, verdadeiras instituições coletivas nacionais, atendem aos direitos da cidadania financeira. O ministro Paulo Guedes, dando mau exemplo, chamou a FEBRABAN de uma “casa de lobby” e a acusou de agir para enfraquecê-lo.
Tanto à direita, quanto à esquerda, os banqueiros são atacados. Parece-me ser mais devido à ignorância a respeito do papel-chave do sistema bancário para todos os clientes com direito à cidadania financeira. A respeito eu debato com meus companheiros.
O capitalismo é um sistema financeiro – e este é um sistema tecnológico de informações do qual todos os cidadãos participam. Portanto, desmitifica-lo de preconceitos, como fosse um mal improdutivo ou uma instituição artificial ao sistema capitalista, exige demonstrar sua importância social em atender a todos com suas funções básicas: pagamentos, gestão das reservas financeiras e financiamentos.
Surgiu como inovações financeiras e tecnológicas uma “sopa de letrinhas”. Parecem placas de automóveis: ITI, BITZ, DINDIN, PICPAY, OLX, MOVA, CREDITAS, CREDISFERA, BCREDI, FINPASS, CAIXA TEM, CONTA ZAP, PIX, QR CODE, etc. etc. Isto fora as siglas inspiradas nos nomes dos “novos banqueiros”: BTG e XP, contratantes de AAI (Agentes Autônomos de Investimentos). São “iiispiertas” as siglas, não?
Serviços de pagamentos gratuitos e investimentos um pouco mais rentáveis, para seus clientes, são apontados como os fatores mais relevantes na escolha de um banco digital, à frente da marca, da conveniência e da experiência do usuário do mobile banking. Conquistaram milhões de clientes – sem estes abandonarem totalmente os big-five bancos –, na parcela da população não incluída entre os 10% mais ricos do Brasil, isto é, quem ganha abaixo de R$ 5 mil. A renda mensal média de seus clientes é R$ 3.000: 43% até R$ 2 mil e 31% entre esse valor e R$ 4 mil.
Há espaço para as instituições financeiras tradicionais manterem seus clientes com uma boa oferta multiprodutos. Podem tirar proveito, especialmente, de sua “prateleira de crédito”. Esse é um dos pontos fracos dos concorrentes digitais, ao lado dos baixos limites em cartões de crédito, oferecidos por eles.
Um dos maiores desafios para os digitais será “monetizar” sua base de usuários, em sua maioria, de baixa renda. Algumas fintechs colocam em seus aplicativos soluções de comércio eletrônico a investimentos, mas não oferecem a função básica de crédito.
As “banquetas” planejam disputar duas funções com os “bancões”, mas não têm a “terceira perna” deles: acreditar em clientes para lhes conceder crédito. Tampouco a “quarta perna”: a segurança, para os trabalhadores-investidores guardarem suas reservas financeiras para a aposentadoria, por serem “grandes demais para quebrar”. A Autoridade Monetária cuida disso com a finalidade de evitar o risco sistêmico.
Na luta para a evolução sistêmica no sentido de maior bem-estar social, o cooperativismo de crédito para trabalhadores é um ativismo anticapitalista. Também faz parte desta pesquisa de fontes primárias jornalísticas: Fernando Nogueira da Costa – Bancos e Banquetas. jan2021
As opiniões expressas no artigo são de responsabilidade pessoal do autor.
* Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP.
Autor de Brasil dos Bancos (2012), Bancos Públicos no Brasil (2016), Bancos Estatais sob Estado Mínimo (abr2020),
Breve História Comparativa de Bancos de Negócios (nov2020).
Baixe em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/
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