MÍDIA
Fernando Nogueira da Costa | Na Carta Maior
“O Brasil é diferente, mas algumas lições dos EUA [e da China, acrescentaríamos] são válidas.” Tendo isso em conta, as medidas econômicas recentes adotadas pelo governo Biden, assim como o planejamento que levou ao surpreendente desenvolvimento chinês, apontam caminhos que merecem ser debatidos em nossas terras. Inspirar os brasileiros progressistas é a meta do trabalho “Plano Biden, estudo para debate”, realizado pelo professor Fernando Nogueira da Costa, do Instituto de Economia da UNICAMP, que Carta Maior publicará em cinco partes:
1. Introdução
2. Socialismo de Mercado Chinês
3. Capitalismo de Estado Norte-Americano
4. Segunda Guerra Fria: Comercial e Tecnológica
5. Fundamentos Teóricos do Plano Biden: A Posteriori
Plano Biden, estudo para debate
Introdução
Apresento aqui um estudo sobre o chamado “Plano Biden”. Necessitamos estudá-lo bem para os brasileiros progressistas elaborarem um bom Plano Social-Desenvolvimentista Sustentável. Sua inspiração será muito necessária para o planejamento do almejado em longo prazo para a Nação. Será possível implementá- lo quando, provavelmente em 2023, o Brasil adotar um governo popular de esquerda ou “liberal igualitário”, eleito por uma Frente Ampla de Democratas.
Pedro Cafardo é um raro jornalista desenvolvimentista, oriundo da equipe criadora do Valor Econômico. Publicou uma coluna (Valor, 19/02/21) onde cita um artigo escrito por David Leonhardt, na “Sunday Review”, do “New York Times”. Ele analisa os avanços da economia americana desde 1933. Sustenta os resultados terem sido muito melhores em governos democratas face aos republicanos.
A taxa média anual de expansão do PIB foi de 4,6% quando os presidentes eram do partido de Joe Biden e de 2,4% sob os da legenda de Trump. A preponderância dos democratas se dá não apenas no PIB, mas também nos demais indicadores importantes da economia: emprego, renda, produtividade e até no preço de ações. Em todos, os democratas levam vantagem nesses quase 90 anos.
O Brasil é diferente, mas algumas lições dos EUA são válidas. Basta comparar os desempenhos melhores de governos desenvolvimentistas com os neoliberais em termos de crescimento de PIB. A economia brasileira não cresce, de maneira sustentada, desde o fim do Nacional-Desenvolvimentismo, entre 1941 e 1980: quatro décadas com crescimento médio anual do PIB em 7% aa. O Neoliberalismo, entre 1981 e 2020, derrubou essa taxa para 2%. Além de ser menos de 1/3 daquela, é menos da 1⁄2 da ocorrida entre 1901 e 1940: 4,3%.
Os quatro presidentes, cujos governos alcançaram o maior crescimento do PIB, eram democratas e, entre os quatro com expansão mais lenta, três eram republicanos. Os seis presidentes com avanço mais rápido do emprego eram democratas. Os quatro com um período de expansão mais lento eram republicanos (ver gráficos abaixo).
Biden, eleito pelo Partido Democrata, acaba de iniciar seu governo. Teoricamente, tenderá a estimular mais o crescimento em vez do feito por um republicano. Porém, há de considerar alguns presidentes, como George W. Bush (2001-2008) e Barack Obama (2009-2016), terem assumido quando a economia estava em recessão. Outros, como Harry Truman (1945-1953) e Donald Trump (2017-2020), herdaram um boom.
Além disso, o desempenho da economia decorre de milhões de decisões tomadas diariamente por empresas e consumidores, muitas das quais têm pouca relação com a política governamental. Um sistema complexo é emergente das interações de seus múltiplos componentes.
A maior polêmica se refere às atitudes de democratas e republicanos no poder. Os democratas tendem a prestar mais atenção a lições econômicas históricas sobre quais políticas públicas realmente desenvolvem a economia. Os republicanos, porém, se agarram a teorias ou dogmas ideológicos nos quais acreditam como fé. Adotam o pressuposto de um Estado mínimo com cortes de impostos e desregulamentação levar à prosperidade individual.
Em consequência, os democratas têm sido mais pragmáticos na ideia de buscar obstinadamente crescimento de produção, emprego e renda. Esta é a meta seja qual for a conjuntura em cada ciclo.
Franklin Roosevelt, democrata, por exemplo, quando concorreu à Presidência pela primeira vez, em 1932, na campanha argumentava reduzir o déficit poderia ser a chave para acabar com a depressão. Mas quando assumiu o governo, durante uma Grande Depressão, sempre pediu a seus auxiliares fazerem experimentações ousadas e persistentes. “Adote um método e tente. Se não der certo, admita francamente e tente outro, mas, acima de tudo, tente alguma coisa”, dizia Roosevelt.
Uma justificativa usual dos republicanos de lá, tal como dos neoliberais daqui, é jogar a culpa pelo próprio pior desempenho nos adversários democratas. Os keynesianos desenvolvimentistas impulsionariam a economia com gastos públicos excessivos, deixando6 para depois os fiscalistas neoliberais terem a tarefa de controlar o déficit público e a inflação.
Porém, os dados estatísticos também contestam esse argumento, porque, nas últimas quatro décadas, presidentes republicanos geraram déficits maiores se comparados aos dos governos democratas. Aqui, no Brasil, as finanças públicas de Maílson, Zélia, Malan, Levy, Meirelles e Guedes tiveram piores resultados face às apresentadas por Palocci (2003-2006) e Mantega (2006-2014).
Desde 1980, pelo menos, a gestão econômica republicana gira em torno de uma única política: cortes de impostos. Mas isso pode levar ao crescimento só em países com taxações muito altas. Não é o caso dos Estados Unidos – e tampouco do Brasil…
Os conservadores buscam rebater a ideia central de os democratas terem sido mais inteligentes ao observar as lições históricas e adotarem políticas de crescimento econômico. Lembram Roosevelt, após o New Deal, ter enfrentado uma nova recessão em 1937 e 1938. Mas isso foi logo antes da Economia de Guerra... e crescimento acelerado!
O New Deal (em português, Novo Acordo) foi uma série de programas implementados nos Estados Unidos, entre 1933 e 1937, sob o governo do presidente Franklin Delano Roosevelt. Tinha o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana, além de auxiliar os prejudicados pela Grande Depressão. Seu nome foi inspirado em Square Deal [Negócio Simples], nome dado por Theodore Roosevelt (1901-1908) à sua política econômica. O Plano consistia em:
1. investimento maciço em obras públicas como construção de usinas hidrelétricas, barragens, pontes, hospitais, escolas, aeroportos, etc., para gerar milhões de novos empregos;
2. destruição dos estoques de gêneros agrícolas, como algodão, trigo e milho, a fim de conter a queda de seus preços;
3. controle sobre os preços e a produção, para evitar a superprodução na agricultura e na indústria; e
4. diminuição da jornada de trabalho, com o objetivo de abrir novas vagas. Além disso, fixou-se o salário mínimo, criaram-se o seguro-desemprego e o seguro-aposentadoria para os maiores de 65 anos.
Essas políticas econômicas, até então inéditas, foram adotadas por Roosevelt nos Estados Unidos e por Hjalmar Schacht na Alemanha. Cerca de três anos após o lançamento do New Deal, suas ideias foram racionalizadas teoricamente pelo economista John Maynard Keynes em sua obra clássica Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Foi publicada originalmente em 1936.
Mas há casos à parte entre os presidentes democratas. John F. Kennedy, assassinado em 1963, por exemplo, era herdeiro de família rica e pressionou por cortes significativos de impostos. Considerava “o sistema tributário obsoleto” um grande empecilho para a expansão do poder de compra privado, dos lucros e do emprego.
Barack Obama comandou uma recuperação da crise econômica de 2007/2008 lenta, embora sustentada. Em 17 de fevereiro de 2009, sancionou um pacote de estímulos de US$ 787 bilhões, aumentou os gastos federais para a saúde, infraestrutura, educação, incentivos fiscais e assistência direta.
As disposições fiscais da lei reduziram temporariamente os impostos para cerca de 98% dos contribuintes, levando as taxas de imposto para os seus níveis mais baixos em sessenta anos. Obama pediu a aprovação de um segundo grande pacote de estímulo, em dezembro de 2009, mas nenhum outro grande estímulo foi autorizado pelo Poder Legislativo sob maioria republicana.
Obama, no entanto, conseguiu um resgate para as montadoras norte-americanas, salvando a General Motors e a Chrysler da falência, ao custo de 9,3 bilhões de dólares. Para os proprietários de residência, em perigo de inadimplência de sua hipoteca, devido à crise do subprime, Obama executou vários programas assistenciais.
As taxas de juros a curto prazo permane eram perto de zero em grande parte da presidência de Obama. O Fed não aumentou as taxas de juros até dezembro de 2015.
Houve um aumento da taxa de desemprego, durante o primeiro ano de seu mandato, chegando a um pico de 10,1% em outubro de 2009. O desemprego caiu posteriormente e, em outubro de 2015, estava em 5,1%.
Porém, a recuperação da Grande Recessão foi marcada por uma menor taxa de participação da força de trabalho. Os economistas atribuíram este acontecimento ao envelhecimento da população e as pessoas permanecerem estudando por mais tempo. A recuperação também revelou a crescente desigualdade de renda, destacado pelo governo Obama como um grande problema.
Sob Donald Trump, eleito pelo Partido Republicano, mentiu a respeito da economia ter retomado o crescimento sustentado, antes da pandemia, com baixa taxa de desemprego. Aliás, fez da mentira uma arma retórica, como o submisso mimético daqui…
O fato da superioridade de resultados alcançados por governos progressistas é insofismável. Os casos específicos não anulam os dados da longa série temporal e a tendência geral de os desempenhos democratas-desenvolvimentistas superarem os dos republicanos-neoliberais. A situação brasileira é muito diferente da americana, mas algumas lições podem ser úteis para o país, se assumir um governo social-desenvolvimentista, em 2023, distinto do atual governo neoliberal:
1. corte de impostos não leva a avanço econômico sem contrapartida em investimentos;
2. dogmas ideológicos como o ajuste fiscal permanente e a exclusividade da meta inflacionária conduzem a economia à estagdesigualdade (estagnação e concentração de riqueza);
3. para haver crescimento é preciso persistir obstinadamente em políticas capazes de levar a isso como investimentos públicos produtivos para substituir em um primeiro momento e depois arrastar os gastos privados inibidos perante o excesso de capacidade produtiva ociosa;
4. o Mercado, por si só, não promove crescimento e tende a concentrar renda e riqueza;
5. é necessário olhar para as experiências históricas com bons resultados, aqui e lá.
Nenhuma Revolução Verde se fará aqui apenas com discursos repletos de expressões e siglas anglófonas como Green New Deal e ESG, mas através da conscientização e mobilização da vontade política de lideranças-chave. Elas tomarão decisões de investimento público em infraestrutura de energia sustentável, por exemplo, eólica e solar.
Durante a campanha eleitoral, Bernie Sanders questionou se Biden iria apoiar suas principais propostas, como:
1. o estabelecimento de um salário mínimo nacional e
2. a criação de um sistema universal de saúde.
Segundo o senador, já antes da pandemia de coronavírus os americanos vinham percebendo ser necessário adotar um modelo de assistência médica unificado para todos os cidadãos, em vez do vigente, baseado em seguros privados. Sanders ganhou reconhecimento nacional exatamente por apoiar esse tipo de projeto, considerado muito radical nos Estados Unidos.
Assim ganhou apelo especialmente entre os jovens e ecos no movimento progressista. Isso se intensificou no Partido Democrata após as eleições legislativas de 2018, tentando levar a legenda mais para a esquerda.
Um dos desafios de Biden era conquistar o apoio desse grupo. Seus índices de popularidade entre os jovens eram baixos. Para resolver suas diferenças, os dois anunciaram a criação de grupos conjuntos de trabalho em seis áreas diferentes — economia, educação, justiça criminal, imigração, saúde e mudança climática. A ideia era eles apresentarem uma plataforma comum, unindo as visões de Sanders e Biden.
O democrata ambiciona dar uma guinada nas políticas ambientais dos Estados Unidos ao investir US$ 2,3 trilhões, inclusive em energia limpa. Será cerca de R$ 11 trilhões ou 1,5 vez o PIB do Brasil. Vai na direção do Green New Deal, defendido pela esquerda de seu partido.
No Senado, o ressentimento republicano pode não aprovar as propostas de Biden. Além disso, ele verá as iniciativas questionadas na Suprema Corte com maioria conservadora e nos tribunais federais onde Trump instalou duas centenas de juízes.
Medidas para combater o aquecimento global costumam ser rotuladas como “socialistas” pela direita, ligada à extração de petróleo, pois envolvem incentivos e subsídios, por exemplo, para a energia solar. Opõe forte resistência política também devido ao risco de aumento da carga tributária sobre os ricos.
Em seguida, faço minha síntese e análise de toda a coleção de informações relativas à volta do processo de planejamento.