Alexandre Putti | Na Carta Capital
Em 2017, Vilson Nobre tinha um emprego de carteira assinada em uma transportadora de valores. Depois de meia década como segurança em carros blindados, na tensa rotina de abastecer caixas eletrônicos espalhados pela Grande São Paulo, recebeu a notícia de que seus serviços não eram mais necessários. Aos 32 anos, pai de três filhos, viu-se dependente do salário da esposa, funcionária do departamento de Recursos Humanos de uma empresa. A conta não fechava.
Sem perspectiva de encontrar um emprego fixo, Nobre seguiu o caminho de um contingente cada vez maior de desempregados no Brasil. Inscreveu-se no aplicativo Uber e começou a trabalhar como motorista de praça. Há dois anos, é daí que ele completa a renda da família. Nobre passa de 12 a 18 horas por dia, de segunda a segunda, atrás de um volante. É a única maneira de faturar 6 mil reais por mês. Um bom ganho diante da média nacional, não? Em termos. Do total, ele repassa de 20% a 35% para o aplicativo, a depender da corrida. Uma outra parte substancial paga a manutenção do automóvel próprio e o consumo da gasolina. No fim das contas, Nobre leva para casa cerca de 2,5 mil reais, caso consiga trabalhar no ritmo descrito acima. Se ficar doente ou tiver qualquer outro contratempo e não trabalhar, não ganha.
O ex-segurança mantém a esperança de encontrar um emprego estável e menos desgastante. Nas poucas horas vagas, distribui currículos pela metrópole. “O Uber foi criado para complemento, não sobrevivência”, avalia o motorista, que mantém um canal no YouTube chamado “Ryan Nobre”, no qual compartilha as agruras do dia a dia em meio ao caótico trânsito paulistano.
Quem presta serviços para os aplicativos fica ainda distante do regime de previdência, caso não faça contribuições por conta própria, situação da maioria. O iFood e o Rappi são as únicas empresas a exigir um CNJP aos interessados em integrar suas plataformas digitais. Daniel Freitas, ex-estudante de Engenharia de 32 anos, foi obrigado a abrir uma microempresa antes de se tornar um entregador. Com uma média de 20 entregas de comida por dia, Freitas chega a faturar 2 mil reais mensais. “O bom trabalhador merece um apoio caso apareça um imprevisto”, afirma, em uma reprodução do argumento usado pelo departamento jurídico da companhia que lhe oferece serviços. Para os aplicativos, é mais uma medida de proteção: como cada entregador é uma microempresa, as relações tendem a ser interpretadas pela Justiça como casos de terceirização, previstos na reforma de 2017.
Ter uma microempresa em seu nome obriga Freitas a contribuir mensalmente para o INSS, o que em tese irá lhe garantir uma aposentadoria por idade. Quem não tem nenhum tipo de registro fica ao Deus dará. Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp e um dos maiores especialistas em contas públicas do País, considera pouco provável que trabalhadores de baixa renda consigam poupar por conta própria para a Previdência. “Talvez um empregado consciente
faça, mas é muito difícil, pois entre pagar uma conta e guardar para a aposentadoria, a tendência é optar pela primeira.”
Tomemos o caso de Freitas como exemplo. Para conseguir uma aposentadoria equivalente aos seus ganhos atuais, de 2 mil reais, o entregador teria de economizar 500 reais por mês durante 30 anos. “Trabalhar 18 horas por dia quando se é jovem é fácil, fazer isso aos 60 é outra história”, afirma Fagnani.
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