MÍDIA

Fernando Nogueira da Costa | Carta Maior


O capitalismo mundial é combinado e desigual, pois há diferenças nacionais, temporais e institucionais.  A economia de mercado no mundo é composta de distintos mercados de capitais, cada qual com uma combinação específica de mercado de ações, bancos privados e bancos públicos, para cumprir a missão social de “dar saltos na história”.

Para tirar a defasagem na dinâmica concorrencial, as Nações-Estados usam diferentes instituições financeiras. Em nível mais abstrato, pode-se falar em capitalismo mundial, porém, quando se diminui a abstração, incorporando na análise as instituições financeiras, é necessário datar e localizar as variedades de capitalismos financeiros.

Os economistas ortodoxos dizem adotar teoremas de validez universal: só haveria uma única Ciência Econômica. Um desses teoremas busca demonstrar, em economia de mercado, todos os participantes, sejam indivíduos, sejam países, se beneficiarem dos atos voluntários de intercâmbio econômico, caso contrário, não seria racional os executar. Baseia-se no Princípio da Racionalidade, questionado mais recentemente pelas descobertas das pesquisas científicas da Neurociência ou Neuroeconomia.

Karl Marx rechaça essa afirmação do benefício mútuo, mas aceita a tese monoeconômica: a Teoria do Valor-Trabalho, no plano mais abstrato, teria validez universal. Nos últimos capítulos de O Capital (Volume I), descreve o processo da colonização e/ou exploração ao qual esteve sujeita a periferia, durante o período da acumulação primitiva no centro.

Entretanto, quando Marx esboça “a história do futuro” dos países de capitalismo tardio, ele a vê espelhada no presente das economias mais avançadas. Não diferencia as “leis de movimento” desses países retardatários das leis aplicáveis aos países avançados.

A concorrência e concentração entre capitalistas exige contínuo aumento da produtividade e/ou mais exploração de menos trabalhadores. A evolução das forças produtivas provoca aumento da composição orgânica do capital (relação capital constante/capital variável), ou seja, ampliação de mecanização, automação ou robotização da produção, geradora então de desemprego tecnológico.

Essa lei de movimento provoca a tendência à queda da taxa de lucro.  Esta relaciona a mais-valia extraída dos trabalhadores no numerador e o total do capital investido no denominador. No plano menos abstrato, a proxy seria a rentabilidade patrimonial, isto é, lucro líquido / patrimônio líquido da empresa.

Embora a taxa de lucro caia, a massa de lucros pode aumentar. Com alavancagem financeira, o capitalista eleva a escala de seu negócio e compensa um lucro menor por mercadoria ou serviço com maior produção e venda. Daí a massa de lucros aumenta.

Como as grandes empresas concorrentes reagem com o mesmo tipo de iniciativa para ampliação da capacidade produtiva, via Oferta Pública Inicial (IPOs) e/ou Oferta Subsequente de ações (follow-on), para depois tomar empréstimos para Fusões e Aquisições, há forte disputa pelo mercado. A crise de superprodução ocorre quando ela supera a massa de rendimentos, disponível no país para consumir os produtos, gera capacidade produtiva ociosa e suspensão de decisões de investimentos produtivos. 

A queda da taxa e da massa de lucros, nessa fase cíclica, não incentiva novos investimentos. A saída vem, geralmente, de aumento da exploração, possibilitada pela superpopulação relativa de trabalhadores, barateamento do capital constante (máquinas e equipamentos), e elevação do lucro com o comércio exterior.  

Embora os governos possam injetar dinheiro na economia (“afrouxamento monetário”), enquanto não se queimar o capital excedente, com falência, fusões e aquisições de empresas, não se restabelece a taxa de lucros das empresas mais encorpadas por novo capital financeiro e produtivo, para o crescimento econômico ser retomado. Esse é o mecanismo básico das crises cíclicas. Pesquisei a especificidade do caso brasileiro atual.

Na Teoria do Desenvolvimento, adotada no mainstream [corrente autodenominada principal entre economistas], WW Rostow chama a atenção para o take-off, isto é, a decolagem, o arranco ou o impulso brusco, exógeno ao sistema econômico de livre-mercado. Ele dividiu o processo de desenvolvimento em cinco etapas: 

1. a sociedade tradicional, 

2. as precondições para o arranco, 

3. o arranco propriamente dito, 

4. a marcha para a maturidade, 

5. a era do consumo de massa.

Essas cinco etapas do desenvolvimento teriam conteúdo idêntico para todos os países, independentemente do momento no qual cada qual se iniciou no caminho da industrialização. Esse autor assumiu a visão de monoeconomia: os países subdesenvolvidos não possuiriam características econômicas distintas dos países industrializados avançados de modo a alterar uma teoria geral, originada nestes países.

O trabalho de Alexander Gerschenkron teve grande importância para a Economia do Desenvolvimento ao fornecer apoio histórico à argumentação contra a tese da monoeconomia. Pode haver mais de um caminho em direção ao desenvolvimento.

Os países, quando planejam sua industrialização, tendem a forjar suas próprias políticas, instituições, sequências e ideologias, para alcançar a meta. Os diferentes caracteres das industrializações se devem às forças produtivas de cada etapa (e variedade) de capitalismo serem distintas. Estado e bancos têm papel-chave no salto de etapas.

A historicidade das forças produtivas capitalistas (diferentes bases técnicas) impõe a necessidade de o país adotar planejamento estratégico para alcançar estado atual da fronteira tecnológica. Envolve problemas de escala, de dimensão, de mobilização e concentração de capital suficiente para enfrentar a descontinuidade tecnológica.

Leon Trotsky destacou a Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado: na impossibilidade de repetição das mesmas fórmulas de desenvolvimento, em diversas nações, “os atrasados” não recomeçam a história desde o início do percurso de “os adiantados”. Não necessitam percorrer as distâncias existentes no passado, entre as diferentes etapas, caso condicionem o investimento direto estrangeiro à transferência do conhecimento na atual fronteira tecnológica.

John Zysman forneceu a tipologia do sistema financeiro existente nos países avançados como referência para os diversos países:

1. modelo dos países anglo-saxões: baseado em mercado de capitais; 

2. modelo franco-nipônico: baseado em crédito público;

3. modelo germânico: baseado em crédito privado.

Os tipos são correlacionados aos modelos de transição. Estados Unidos e Inglaterra, com condução empresarial do crescimento, têm sistemas financeiros baseados em mercado de capitais com preços determinados competitivamente. Com sistemas financeiros baseados em endividamento público e preços administrados, França e Japão tiveram condução estatal desse processo. Na Alemanha, com supervisão estatal, dentro de sistema financeiro baseado em crédito privado, houve elementos de negociação política nos processos de mudança.

Defendo, com a pesquisa de fatos e dados, a tese de aqui-e-agora se configurar uma Tropicalização Antropofágica Miscigenada. Observo uma mistura dos modelos dos países avançados ser uma solução possível para o desenvolvimento capitalista tardio, copiando o melhor de cada qual e adequando-o aos demais componentes. O primeiro modelo de economia de mercado de capitais está mais relacionado à transformação industrial das maiores potências econômicas anteriores à China: Inglaterra e Estados Unidos.

A economia brasileira possui traços não plenamente desenvolvidos dos três modelos de financiamento em prazo maior: mercado de capitais raquítico, crédito público insuficiente, crédito privado incipiente. O fato histórico é aqui, até recentemente, não tinha se constituído uma “economia de mercado de capitais” em lugar de uma “economia de endividamento”.

Ainda não se vislumbrava nenhuma experiência de conversão desta naquela típica dos países anglo-saxões. No mundo real, assim como em 1929, a bolsa de valores de Nova York absorve ações (ADRs) das grandes empresas do resto do mundo, esvaziando as congêneres.

O desafio histórico a ser enfrentado no Brasil será a junção ou a mistura dessas duas “economias”: de endividamento e de mercado de capitais. Será via securitização, termo oriundo da palavra inglesa “security”? 

Para tanto, haveria a necessidade de conversão de empréstimos bancários (e outros ativos) em títulos (securities). Seriam destinados para venda a investidores, em mercados secundários organizados. 

Como mostrarei, entre os instrumentos de renda fixa do mercado de capitais à brasileira, encontram-se as securitizações já com uma expressão agregada maior. São as emissões de FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios), CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários), e os Fundos de Investimentos Imobiliários, híbridos entre renda fixa (alugueis) e variável (cotações). Somam-se às debêntures (pós-fixadas) e às ações como instrumentos de renda variável para constituir o mercado de capitais.

O estágio dessa evolução (ou “mistura”), nos últimos anos, está apresentado neste relatório de pesquisa sobre a economia de mercado de capitais à brasileira:
Fernando Nogueira da Costa.  Economia de Mercado de Capitais à Brasileira. agosto 2021.

Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor do livro digital “Política e Planejamento Econômico” (2021). Baixe em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..