Na Revista IHU Unissinos
O que está exposto no documento Oeconomicae et pecuniariae quaestiones — Considerações para um discernimento ético sobre alguns aspectos do atual sistema econômico-financeiro, publicado na semana passada pelo Vaticano, “é o descolamento do funcionamento da economia capitalista, comandada pela finança, da vida concreta das pessoas”, diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo à IHU On-Line, ao comentar o texto, na entrevista a seguir, concedida por telefone. “Há no texto um tratamento muito interessante dessas relações entre o que podemos chamar de a ‘ética cristã’, particularmente católica, e o movimento da economia hoje, e as dificuldades que há na vida das pessoas por causa do funcionamento da economia. É uma combinação muito rica do ethos moral católico da igualdade e da fraternidade, que se retomou pelo Iluminismo”, frisa.
De acordo com o economista, o documento chama atenção, de um lado, para o fato de que “a despeito da ação dos bancos centrais para impedir que houvesse um colapso, a vida das pessoas, sobretudo das camadas mais baixas — aproximadamente 90% —, piorou muito, ou seja, se agravou a situação de penúria, de carência e insatisfação com as necessidades mais básicas”. E sugere, de outro lado, que sejam feitas taxações à economia financeira, de modo que se desenvolva uma economia que permita às pessoas viverem com mais liberdade e segurança, como foi possível com o modelo do estado de bem-estar social. “Depois de um período turbulento da Grande Depressão e da Guerra, os conservadores europeus e Roosevelt nos Estados Unidos pensaram em colocar a economia a serviço da vida, e isso é o estado de bem-estar: a criação de um sistema de coordenação da economia com aumento da carga tributária, com uma tributação progressiva, o controle do movimento de capitais, as políticas de previdência social, que estão sendo destruídas agora e não estão sendo reconstruídas, a segurança e o conforto do cidadão, os salários crescendo de acordo com a produtividade, o investimento público criando infraestrutura. Foi uma experiência tão bem-sucedida que é chamada de os ‘30 anos gloriosos’. O documento rememora um pouco dessa experiência”, explica.
Na avaliação do economista, “neste documento se vê implicitamente que o Vaticanoadmite que esse tipo de controle já aconteceu no imediato pós-guerra. Estava implícito nas regras de Bretton Woods que deveria haver um controle de capitais. No fundo, o documento mostra que já vivemos uma situação diferente, em que a economia estava mais colada na vida das pessoas e que a partir de um determinado momento isso passou a se deteriorar e se passou a essa hostilidade do capitalismo financeiro”.
Luiz Gonzaga Belluzzo é graduado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Economia Industrial pelo Instituto Latino-Americano de Planificação-Cepal e doutor em Economia pela Universidade de Campinas – Unicamp. Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e, atualmente, é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. É um dos fundadores da Faculdades de Campinas - Facamp, onde é professor.
É autor de Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo (São Paulo: Facamp / Editora Contracorrente, 2017), Capital e suas metamorfoses (São Paulo: Unesp, 2013), Os antecedentes da tormenta: origens da crise global (Campinas: Facamp, 2009), Temporalidade da Riqueza - Teoria da Dinâmica e Financeirização do Capitalismo (Campinas: Oficinas Gráficas da UNICAMP, 2000) e Depois da Queda(BELLUZZO, Luiz Gonzaga e ALMEIDA, Júlio Gomes de. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002).
Confira a entrevista aqui.
Foto: Antoninho Perri/Ascom Unicamp