Francisco Luiz C. Lorpreato

É com grande pesar que escrevo essa nota de agradecimento. Depois da perda de Wilson Cano, professor e amigo, central na minha trajetória no IE, sofro outro baque com a morte do professor Carlos Lessa.

Carlos Lessa foi fundamental no desenvolvimento do IE e na minha formação de economista. Lembro o primeiro contato com ele, ocorrido no I Encontro Nacional de Estudantes de Economia, em 1972, em Salvador, Bahia. Tive o privilégio de assistir a aula que deu sobre método em economia, utilizando o esquartejamento de uma vaca como metáfora do olhar convencional. Com uma plateia de quase mil pessoas e sobre um palco, só para ele, deu um show, representando ora o aluno ora o professor. Inesquecível!

A palestra foi gravada e transcrita. Sem revisão do autor, virou uma apostila que rodou o Brasil, sem o seu conhecimento. A lógica e a sequência do texto são impressionantes, por se tratar de uma palestra de longa duração, sem qualquer retoque de redação. Foi o maior orador que já escutei.

Voltei a encontrá-lo no curso de mestrado da segunda turma (1975/1976) do IE. Ele e Conceição Tavares dividiram o curso de economia brasileira para a nossa turma. A Conceição preocupava-se mais em dar a visão do movimento da economia e Lessa estava atento aos desdobramentos da política econômica. Estiveram juntos em algumas aulas. Fantástico. Eles discutiam posições e interpretações e nós, alunos, tentávamos acompanhar o show e a profundidade dos argumentos. Experiência rica para todos.

O trabalho de final de curso foi a análise do II PND, que havia sido debatido em sala. Talvez, ele tenha aproveitado alguns dos argumentos da turma ao redigir a tese de titular pouco tempo depois. Assim, sem querer, fomos eternizados no seu trabalho.

A interação com os alunos era intensa. Nos corredores estava sempre cercado, discutindo o Brasil, preocupado com os rumos do país. Era um incansável vendedor de temas para as dissertações. Creio que, pelo menos três de nós (Zé Carlos, Julinho e Davidoff), seguiram as suas sugestões e fizeram trabalhos que ajudaram a saciar as suas preocupações.

Além de ajudar a construir as bases do pensamento do IE, participou diretamente da formação acadêmica e do modo como vários de nós, alunos das primeiras turmas de mestrado do antigo DEPE, avançaram na interpretação do Brasil.

No meu caso pessoal, a influência foi ainda maior. Como orientador da dissertação, teve participação decisiva na construção da maneira como eu analiso os problemas da área de finanças públicas. As verdadeiras aulas que recebia quando discutíamos partes do trabalho estão até hoje impregnadas nos meus textos e no trabalho com os orientandos. Quando escrevo, sempre dialogo com o Lessa, lembrando os seus ensinamentos de como seguir o fio condutor da análise, de como trabalhar os diferentes níveis de abstração, de como lidar com o leitor para que ele atente ao que você considera central no texto etc. Nas orientações, faço questão de repetir os seus ensinamentos, a ponto de quase afirmar que ele atuou como co-orientador.

O trabalho de orientador foi marcante. Ia a sua bela casa na Lagoa, Rio, e conversávamos madrugada adentro. Chegava cedo, mas ele primeiro dava atenção aos filhos, punha em dia os assuntos gerais e já tarde íamos para o escritório. Certo dia, demoramos a iniciar a discussão porque ele não achava o seu exemplar com as anotações. Tentou começar, mas logo disse: não consigo sem os meus apontamentos. Quando achou o texto, vi, com espanto, que as “anotações”, na verdade, eram simples pontos a lápis, literalmente pontos, sem nada escrito. Segundo ele, ao ver os pontos, lembrava-se das observações a fazer. Coisas do Lessa.

Como orientador, estava sempre atento ao conteúdo e à forma. Não sossegou enquanto não conseguiu dar um tratamento adequado ao modo de conduzir os argumentos e de concatenar as ideias. Não estava preocupado em gastar mais ou menos tempo. Não precisava fazer pontinhos na Capes. O importante era o conhecimento e a consistência das proposições. Depois de achar o caminho, ficou feliz com o resultado e sua alegria me contaminou.

A convivência com ele foi muito rica. Não se limitava à discussão da dissertação. Atento ao que se passava no Brasil e arguto analiticamente, falava, empolgado, sobre diferentes temas. Era uma aula de Brasil, de um brasileiro, vindo da aristocracia carioca, preocupado com a Nação e o seu povo.

OBRIGADO, Lessa.

Francisco Luiz C. Lorpreato