Conhecimento além das fronteiras
Perto de completar 40 anos, o Instituto de Economia (IE) investe num processo de internacionalização, que tem proporcionado a docentes, estudantes e funcionários do IE conhecerem novas realidades pelo mundo e compartilharem experiências e práticas.
O IE foi criado com uma articulação umbilical com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), o que já sinalizava a importância que esse processo teria na história do instituto.
Hoje, articulado com universidades e instituições de pesquisas de países de cinco continentes, esse processo de intercâmbio de conhecimento contribui com o pensar a economia a partir de uma perspectiva dos países periféricos. Para compreender a dinâmica desse processo e como ele tem se manifestado na prática cotidiana da instituição, conversamos com o professor Dr. Bruno de Conti, que está à frente desse movimento e tratamos sobre a importância, possibilidades e projetos que serão oportunidades de participação aos interessados em envolvesse nessa construção de conhecimento a partir de uma rede global de universidades: “É um movimento que estimula a olhar para o mundo a partir de uma visão centro-periferia, perceber que nós estamos na periferia e pensar a economia, portanto, a partir dessa perspectiva supranacional faz parte da nossa identidade.”
Davi Carvalho: Hoje, na prática, como esse processo tem se dado?
Bruno de Conti: Se pensarmos na Universidade, a própria etimologia da palavra que vem de “universal”, não possa ser entendido como um movimento “novo”. O conhecimento tem que ser buscado em escala global. Quanto mais diálogo com a comunidade internacional houver, melhor. Como o Instituto, as universidades internacionais têm intensificado, possibilitado e estimulado mais pesquisas coletivas internacionais, com equipes de vários países, e o intercâmbio de alunos, docentes e funcionários. Isso tem acontecido e no Brasil, sem dúvida alguma, a Unicamp é referência.
É absolutamente fundamental fazer discussões – mesmo aquelas específicas sobre o Brasil –, com esse diálogo com o que vem de fora. Todos tem a ganhar. Não precisamos achar que somos uma Instituição de referência na América Latina ou no “sul do mundo”. Temos coisas a dizer que sobre a nossa realidade, de um mundo periférico, que o centro jamais vai ter condições de fazê-lo. Por isso, reforço que temos muito a contribuir para a geração de conhecimento internacional e, evidentemente, temos muito a aprender também.
A internacionalização em âmbito mundial é, de fato, abrangente como o termo propõe ou é uma nova forma dizer que se aposta na centralização do conhecimento em universidades dos países desenvolvidos?
Bruno: Do ponto de vista do aprendizado, tem algo muito bacana acontecendo, que é um olhar que não fica restrito simplesmente aos países do centro. Nós temos essa articulação com a América Latina, mas é verdade também que quando buscamos articulações internacionais, existe uma predisposição de olhar para a França, Alemanha, Estados Unidos e Inglaterra e, talvez, Espanha e Itália, no máximo.
Mas tem um movimento recente e interessante que é esse olhar para o mundo, de fato, como um todo. Para as Ciências Sociais isso é absolutamente fundamental. Olhar para os Brics, para a Índia, China, Rússia e África do Sul e perceber que talvez temos mais em comum com eles do que com Estados Unidos, França ou Inglaterra.
Com a Índia temos uma história colonial em comum, com tudo o que isso implica. Esse diálogo, portanto, com Instituições que não são tidas como “top nos rankings globais”, muitas vezes pode nos trazer tanto ou até mais benefício do que aquele, que deve continuar, com França, Inglaterra e Estados Unidos. Nada contra, mas temos que observar o mundo de fato como um todo.
Quando se abre ao mundo “como um todo” o que se busca do ponto de vista do conhecimento?
Bruno: Há ganhos imediatos, práticos e muito concretos, um deles é a língua, por exemplo. Proporcionar que nossos estudantes conheçam outros lugares para que tenham contato com novas línguas já é, em si, algo maravilhoso. Por outro lado, recebemos alunos que vão aprender português, o que também é ótimo, então esse já é um ganho que é difícil de mensurar o que isso permite, porque amplia o acesso a tudo que vem sendo escrito nesses outros países, ou dito nessas outras línguas. Tem um ganho institucional de ver como funcionam distintas universidades, então por isso, também, a importância do intercâmbio de funcionários.
Tudo isso traz ganhos. Ver como está estruturada a grade curricular, a pós-graduação, a graduação. Agora, o ganho maior, sem dúvida alguma, é do objeto que está em debate em um Instituto como o nosso: a economia, a sociedade, o capitalismo. Quando saímos percebemos que o que trabalhamos, estudamos, aprendemos e ensinamos, que às vezes temos como verdade, deve ser relativizado. As pessoas nos fazem perguntas, inclusive, que não estávamos acostumado a receber e responder.
Uma pergunta diferente já é algo maravilhoso, já suscita novas pesquisas, enseja esse esforço para novas respostas, que fazem o conhecimento avançar. Recentemente, em conversa com uma professora do IE que estuda a questão da urbanização, ela me disse que faz todo sentido estudar a urbanização do Brasil a partir de uma perspectiva que contemple também a urbanização de Nova Deli, por exemplo, até mais, do que cidades como Londres ou Nova Iorque.
Aprender o que está sendo criado de conhecimento fora do país nos permite comparar, não precisamos evidentemente assimilar, mas ver o que de lá a gente pode aproveitar ou não, o que de lá diz respeito também à nossa realidade, ou não.
Dentro do Instituto de economia como esse processo se dá?
Bruno: os professores do IE, historicamente, sempre participaram muito de congressos internacionais, que já é um canal importante. É verdade que hoje por meio da internet conseguimos ter acesso aos papers e livros do mundo inteiro, mas é diferente você estar pessoalmente num fórum de discussão com pesquisadores, professores internacionais.
Temos apoio institucional da Unicamp, através de fundos, editais e parcerias. Os alunos também têm a possibilidade de requerer uma verba para a participação em congressos, especificamente para a alunos da pós-graduação. Através da Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais (Vreri) há um conjunto de editais que permitem e dão recursos para os dois lados dessa via, tanto para os professores daqui irem para fora quanto para chamarmos professores.
Há um edital para cursos intensivos, de uma ou duas semanas, para professores internacionais lecionarem aqui. Em 2016 recebemos um professor russo, Vladimir Popov, durante uma semana, falando sobre a experiência soviética, a experiência de uma economia planejada centralmente, os prós e os contras apresentados por ele viveu isso na pele, estudou na União Soviética, vive até hoje na Rússia. O que ele pode falar sobre a União Soviética é muito mais do que qualquer estudioso da URSS aqui no Brasil. Em outros anos recebemos alguns professores usando verba de fundos que não são específicos da Unicamp, por exemplo, a Fapesp e o CNPq.
Tem um edital do Santander que permite aos alunos irem para a Espanha ou América Latina, e tem outro que é para a China. Também há os editais de intercâmbio. Temos hoje um conjunto de convênios muito grande com países do mundo inteiro, e os alunos podem participar disso.
Quais as novas fronteiras. Para onde olha o IE nesse processo de internacionalização?
Bruno: Buscamos estabelecer uma série de convênios. Tem alguns já da Unicamp como um todo, mas a partir disso usamos também os chamados “convênios guarda-chuvas” da Unicamp para estabelecer convênios próprios do IE. Em andamento temos um com o Leve Institut, e estamos tentando estabelecer um com a Universidade Nacional Autônoma do México (Unan). Temos outro com a Universidade de Buenos Aires, que está próximo de ser estabelecido.
A grande inovação e que é muito interessante é multilateral, e é fruto de uma iniciativa dos Ministérios de Educação dos cinco países dos Brics. Numa cúpula interministerial, decidiu-se sobre a criação de uma rede de universidade dos Brics: Brics Natural University. Pensou-se em fazer uma universidade física, que ficaria em algum dos países dos Brics, mas decidiu-se fazer um programa multilateral, internacional, aproveitando universidades já existentes. Cada país selecionou algumas universidades para constituição de programas de pós-graduação comuns.
Na verdade duas universidades de cada país. No total, são dez universidades para cada programa. São seis eixos temáticos que se definiu como estratégicos para os Brics: mudança climática, recursos hídricos, energia, cibe segurança, o Brics Studies, e o sexto é a economia, justamente. Nesse eixo de economia, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) lançou no Brasil um edital público para concorrência das universidades interessadas e entramos com um projeto que foi contemplado. Além de nós a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Esse programa de pós-graduação vai funcionar de forma internacional. Terão algumas disciplinas obrigatórias para serem cursadas nas dez universidades, e aí a ideia é que tenham algumas aulas por videoconferência. Disciplinas comuns cursadas à distância, mas também a mobilidade, tanto de professores quanto de alunos entre esses cinco países deve ser assegurada. E o grande charme desse programa é que ele tem um diploma válido nos cinco países.
Outra experiência exitosa no IE é a parceria com a Global Labour University (GLU) ...
Bruno: Sim. É uma experiência fantástica, hoje coordenada pelo Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit). É um dos pouquíssimos mestrados em inglês da Unicamp. O que já é um diferencial para atração de alunos, quanto mais disciplinas em inglês a gente tiver, é claro que isso facilita. A GLU atrai alunos do mundo todo, particularmente de países periféricos, África e Ásia, o que é ótimo para discussão do trabalho e do sindicalismo. Para essa constituição da Brics Natural University, eu tenho aprendido muito com a GLU, com a expetise desenvolvida.
Uma outra iniciativa que também está caminhando, e que vai se tornar cada vez mais frequente no IE e em outros lugares, são os mestrados em duplo diploma. Neste momento, articulamos um convênio com uma universidade russa, que é uma das universidades mais importantes de lá, especializada em relações internacionais. Esse programa permitirá que dois alunos nossos, por ano, possam passar um semestre ou um ano lá em Moscou, cursando disciplinas por lá. Ao final, uma dissertação, uma defesa, uma banca mas a emissão do duplo diploma, da Unicamp e dessa universidade de Moscou.
Você é um entusiasta da internacionalização, mas ressalva que é um processo que pode não ter sucesso se mal conduzido. Que cuidado é necessário?
Bruno: Eu acho que o risco principal, que temos que evitar, é o risco da homogeneização.
O contato com o diferente é rico. E explorar essas complementariedades é importante. Agora, a internacionalização, quando feita de uma forma apressada, pode cair no risco de uma homogeneização que acaba tirando todo o valor que ela tem. Porque, por exemplo, podemos chegar num momento em que todos os cursos, do mundo inteiro, sejam dados em inglês. Imagine a pobreza.
Do ponto de vista curricular, podemos aprender uns com os outros naquilo que fizer sentido para nós, do ponto de vista da grade curricular, das disciplinas oferecidas. Agora, um dos riscos, e é um risco efetivo, já acontece em alguns lugares do mundo, é a massificação dessa estrutura curricular. Temos na economia uma tendência, principalmente na economia ortodoxa, de usar, por exemplo, em macro e microeconomia, no mundo inteiro os mesmos livros, que são alguns livros escritos, normalmente, nos Estados Unidos.
Isso traz o ganho de que, quando temos essa circulação de alunos, eles leram os mesmos livros, mas isso, na minha opinião, é uma perda tremenda. A macroeconomia que é ensinada na Rússia é diferente da macro que é dada aqui no IE. Têm elementos comuns que são da teoria econômica, mas que devem ser aplicados aos Estados Unidos, ao Brasil, enfim, em qualquer lugar do mundo, com as suas especificidades. E eu digo isso não apenas para o IE, mas para a Unicamp e toda universidade de qualquer lugar do mundo.
Mesmo as universidades em países periféricos muitas vezes já assimilaram o pensamento do mainstream. Não tem nada mais estranho que você ir do outro lado do mundo, numa universidade chinesa, para ouvir o pensamento do mainstream, dos Estados Unidos. O que é isso? Eu vim aqui não foi para ouvir isso, eu queria ouvir o que vocês estão criando como conhecimento aqui na China, não o que vocês estão reproduzindo dos Estados Unidos. Então temos que ter cuidado para estabelecer um diálogo franco no qual possamos ensinar e aprender.