Autor: Ricardo Carneiro, Paulo Baltar, Fernando Sarti
O título, Para além da política econômica, procura exatamente destacar essa abordagem, presente em todos os seus capítulos. A sua recusa a interpretações, ortodoxas ou heterodoxas, para as quais os equívocos na gestão da política econômica responderam, primordialmente, pela desaceleração e crise do experimento desenvolvimentista constitui o traço de união dos vários textos.
No capítulo 1, “Navegando a contravento”, Ricardo Carneiro analisa os aspectos mais gerais do modelo de desenvolvimento posto em prática a partir de 2011. A análise destaca a tentativa de montagem de um novo padrão de crescimento, em substituição àquele vigente nos governos Lula, comandado pelo consumo e investimento induzido. Sua perda de dinamismo, acentuada pelo novo contexto internacional pós-crise, exigia um modelo de crescimento que agregasse aos elementos originais o investimento autônomo, comandado ou induzido pelo Estado e com maior ênfase na ampliação da infraestrutura, na diversificação industrial e na exploração de recursos naturais. O foco do capítulo é, portanto, o do maior protagonismo do Estado e sua articulação com o setor privado. O insucesso do novo modelo é visto como a síntese de vários aspectos e insuficiências, estruturais, cíclicas e relacionadas à política econômica.
O capítulo 2, de autoria de Bruno De Conti e Nicholas Blikstad, discute os “Impactos da economia chinesa sobre a brasileira no início do século XXI”.
Seu norte é a importância da China no cenário internacional, mas também para economias particulares, entre elas a do Brasil. Dois aspectos interconectados são abordados: o primeiro deles, as mudanças recentes, pós-crise, do padrão de crescimento chinês, enfatizando as mudanças das suas fontes de crescimento e como isso afetou não só o ritmo de desenvolvimento do país como também sua articulação internacional via comércio e investimento direto. A partir desse pano de fundo, o artigo analisa os impactos da desaceleração chinesa sobre a economia brasileira via comércio, bem como o reforço a um padrão de investimento direto direcionado para recursos naturais, configurando uma relação centro-periferia clássica.
O trabalho de André Biancarelli, Renato Rosa e Rodrigo Vergnhanini, apresentado no capítulo 3, analisa “O setor externo no governo Dilma e seu papel na crise”. Nele, procura-se destacar a nova realidade do setor externo brasileiro após 2000 e particularmente depois da crise. O aspecto central desse novo relacionamento com o exterior é a mudança da composição do passivo externo, com a substancial ampliação de sua parcela denominada em reais. Essa maior estabilidade da conta financeira, fruto da composição dos passivos e do alto patamar das reservas, permitiu conviver com níveis elevados de déficits em transações correntes sem a ameaça recorrente da escassez de divisas, mesmo depois da queda substancial dos preços das commodities.
Diante desse quadro, destacam-se os novos canais indiretos pelos quais o ciclo de liquidez e as turbulências internacionais influenciaram a desaceleração da economia brasileira: os preços de ativos e o ciclo de crédito.
No capítulo 4, denominado “Desempenho recente da indústria brasileira no contexto de mudanças estruturais domésticas e globais”, Fernando Sarti e Celio Hiratuka indicam que esse desempenho reforçou a tendência à desindustrialização em curso desde os anos 1990. Destacam que essa performance foi condicionada tanto por fatores internos quanto por importantes mudanças no plano global. Ou seja, os condicionantes domésticos, como a valorização da moeda, foram potenciados pela constituição das cadeias globais de produção e o protagonismo da China na absorção da indústria global. O desempenho da indústria brasileira é analisado à luz da inserção assimétrica nas cadeias de produção globais, por meio do aumento desproporcional do coeficiente importado vis-à-vis o exportado.
A dimensão do “Emprego e distribuição da renda” durante o período é abordada no capítulo 5, de autoria de Paulo Eduardo de A. Baltar, Jacqueline A. Souen e Guilherme C. de Souza Campos. O texto caracteriza o denominado crescimento com inclusão social a partir de elementos do mercado de trabalho, tais como o incremento mais que proporcional do emprego formal e a melhora salarial em simultâneo com a redução da sua dispersão. O texto assinala aspectos importantes de mudança e permanência no mercado de trabalho, como a queda do desemprego decorrente de mudanças no crescimento e composição da força de trabalho. Ao mesmo tempo, mostra que as modificações tanto na distribuição funcional da renda quanto na distribuição pessoal foram obtidas sem mudanças significativas na composição do emprego e tiveram grande influência de fatores institucionais como a política de salário mínimo e a formalização do emprego.
A análise da política econômica externa é feita no capítulo 6, denominado “Notas sobre a política econômica externa do governo Dilma Rousseff e o contexto global”, com autoria de Pedro Paulo Zahluth Bastos e Celio Hiratuka. O texto faz um contraponto entre a política externa nos governos Lula e Dilma explorando e questionando a tese de que teria havido nessa área uma substancial mudança de orientação com o abandono das prioridades da relação Sul-Sul em benefício da Sul-Norte. Procura mostrar que a mudança de ênfase se deveu às transformações no contexto internacional pós-crise, com a necessidade de adaptação a um ambiente mais competitivo e hostil.
Este último se consubstanciou numa desaceleração do crescimento global e numa intensificação da concorrência nos mercados tradicionais do Brasil, incluindo a América do Sul.
A discussão da política macroeconômica é realizada por Guilherme Mello e Pedro Rossi no capítulo 7, “Do industrialismo à austeridade: a política macro dos governos Dilma”. Recusando a tese ortodoxa de que o caráter deletério da política macroeconômica se deveria ao excesso de intervencionismo da Nova Matriz Econômica, o texto se debruça sobre dois períodos distintos. No primeiro mandato, entre 2011 e 2014, o objetivo central da gestão macro, a despeito de algumas hesitações, foi o de garantir taxas de juros e de câmbio favoráveis ao investimento. A despeito de lograr êxito nesses seus objetivos, tanto a política macro quanto a setorial sofreram uma série de oposições, que inviabilizaram a construção de um novo modelo de desenvolvimento. A despeito disso, evitaram uma desaceleração mais rápida da economia e preservaram o estado de pleno emprego. No segundo momento, em 2015 e 2016, a política macro adquire um caráter ortodoxo, buscando controlar a demanda agregada e realinhar rapidamente os preços, contribuindo para a recessão.
A análise da política macroeconômica avança com o capítulo 8, “Os impactos da regra fiscal em um contexto de desaceleração econômica”, assinado por Esther Dweck e Rodrigo Alves Teixeira. O trabalho procura discutir em profundidade a responsabilidade da política fiscal tanto na desaceleração do período 2011-2014 quanto na recessão de 2015 e 2016. Sua abordagem destaca o papel das regras fiscais e das injunções político-partidárias nas inflexões da política fiscal. Ademais, destaca a natureza pró-cíclica do regime fiscal brasileiro como um dos fatores cruciais que afetam a qualidade dos seus resultados. Por seu enfoque amplo, que inclui não somente os recursos fiscais, mas também os financeiros, bem como as empresas estatais e o financiamento dos bancos públicos, o trabalho realiza um balanço abrangente da atuação do setor público durante o período.
O capítulo 9, “A política social nos limites do experimento desenvolvimentista (2003-2014) ”, de André Calixtre e Eduardo Fagnani, faz um balanço da política social em perspectiva histórica, utilizando como pano de fundo a construção tardia do welfare state no Brasil, a partir da Constituição de 1988.
Utilizando-se do contraponto Estado social × Estado liberal, o texto examina a evolução da política social em distintos períodos, com ênfase nos anos 2003-2014. Especial atenção é dada aos instrumentos que deram suporte à melhoria da distribuição da renda, questionando-se sua perenidade num quadro de ausência de reformas estruturais.
Ricardo Carneiro
Paulo Baltar
Fernando Sarti