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Autor: Paulo Davidoff Cruz
Nos anos recentes a publicação da obra de Sraffa, Production of commodities by means of commodities, reacendeu o debate sobre os fundamentos da “Ciência Econômica”, ao questionar a teoria neoclássica do valor e do capital, propondo um retorno às concepções da Economia Política Clássica. No bojo desse movimento de reconstrução teórica, voltou a apresentar-se o problema da pertinência da teoria do valor-trabalho. A esse respeito produziu-se abundante literatura, sob as mais diversas inspirações. Nesta pletora de livros e artigos, podem-se distinguir, claramente, três visões do problema. A primeira delas, estritamente ricardiana, acabou, implícita ou explicitamente, concluindo pelo abandono da teoria do valor-trabalho, em favor da idéia de um padrão-mercadoria. A segunda, de origem neoclássica, a par de reconhecer, em muitos pontos, a inconsistência de seus fundamentos teóricos, culminou com a formulação de uma “teoria geral do valor-trabalho e da exploração”, de perfil wicksselliano. Neste caso, como o fez o Conde von Weizsäcker, a exploração é definida pela existência de “grupos ou classes que são capazes de obter mais bens, numa base permanente, do que podem produzir com a quantidade de trabalho provida pelo grupo”. Finalmente, a terceira, que podemos qualificar de neomarxista, saudou a obra de Sraffa como a chave que permitiria a Marx abrir as portas da respeitabilidade acadêmica.
A meu juízo, a procedência desta última pretensão só pode ser avaliada, com justeza, a partir de um reexame das relações entre Ricardo e Marx, sobretudo no que respeita ao tratamento do problema do valor.
Nesta perspectiva, a démarche inicial deste trabalho é a de fixar a natureza da problemática em que se move a Economia Clássica, determinando os limites além dos quais é incapaz de avançar. Na realidade, é dos problemas não resolvidos pela Economia Clássica que Marx parte para construir um novo objeto de conhecimento. Este é o sentido da superação marxista da economia de Smith e Ricardo, que se apreende, antes de mais nada, pela formulação de uma nova teoria do valor, como será discutido em um capítulo deste trabalho.
Uma vez fixadas as relações entre a Economia Política e sua Crítica, pode-se compreender, perfeitamente, que a “volta a Ricardo” dificilmente poderia significar um retorno a Marx, a menos que se aceite a qualificação de Marx como o maior dos economistas clássicos, ou apenas como um ricardiano menor. E, portanto, a não ser que se demonstre que a problemática de Sraffa não é a de Ricardo, a crítica imanente de “Ciência Econômica” pouco tem a ver com a Crítica da Economia Política. A maior fonte de mal-entendidos reside na identificação do problema da construção de uma “medida invariável do valor”, com o da transformação dos valores em preços de produção. A semelhança entre as duas questões, como pretendemos sugerir no Capítulo 3, é meramente formal. Na realidade, é sobretudo aqui que a profunda divergência entre as duas teorias do valor se revela mais contundente.
Este trabalho pretende, portanto, contribuir para o esclarecimento dos pontos desta divergência.