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Autor: Sérgio Prado

O livro que o leitor tem em mãos reúne o resultado de mais de duas décadas de dedicação de seu autor ao tema. Ao longo dos cinco capítulos dessa monumental obra, o leitor é convidado a participar de um sobrevoo que oferece uma visão geral do fascinante universo das federações, um universo povoado por espécies diversas, que surgiram em momentos diferentes e que exibem traços e características próprias, instigando o pesquisador a mergulhar nos detalhes para buscar explicações para a identidade do grupo.
Desse mergulho emergem constatações que conduzem a uma conclusão preliminar. A não existência de um modelo ideal que sirva de paradigma para o estudo comparativo de cada um dos casos conhecidos e possa guiar uma análise objetiva do caso brasileiro. Tal constatação força o estudioso a sair da zona de conforto em que se refugiam os menos afeitos a tarefas espinhosas, o que não se aplica ao caso em tela.

As razões para a não existência de um modelo ideal são exploradas em profundidade no capítulo inicial. Ao longo de muitas páginas, o leitor é conduzido por caminhos que permitem uma detalhada observação das diversas motivações que conduziram à adoção desse regime e ao formato particular adotado em cada país, que deitam raízes na história, na geografia, na cultura, na política e em outras características das respectivas sociedades, entre elas diversidades étnicas, linguísticas e religiosas.

Na busca por paradigmas, distintos autores que se dedicaram ao estudo do tema têm buscado classificar o universo das federações segundo a homogeneidade das respectivas populações, o tamanho do território, a herança colonial e o processo de constituição desse regime, se por meio da união de territórios independentes ou por desagregação de antigos Estados unitários. Alguns desses traços serão encontrados numa radiografia de cada uma das espécies que habitam o universo das federações, embora não sejam suficientes para compor um modelo ideal a ser perseguido.

A profunda reflexão teórica do primeiro capitulo forma o pano de fundo para o posterior tratamento das principais questões que têm presidido o debate do caso brasileiro, examinada em detalhe nos capítulos seguintes, em especial as relativas à autonomia dos governos regionais e às relações intergovernamentais, que misturam a política, a economia, o direito e a administração pública. Mantendo a seriedade da análise, cada um desses capítulos demanda uma extensa e profunda leitura de aspectos teóricos e conceituais que embasam as observações sobre o caso brasileiro e fundamentam críticas pertinentes sobre as distorções de nosso federalismo fiscal.

O tema da autonomia ocupa lugar central nessa longa viagem. Em tese, as bases para a autonomia são estabelecidas no texto constitucional, que define a repartição das competências e dos poderes atribuídos a cada ente federado, inclusive no tocante à capacidade para obter os recursos necessários para exercer suas responsabilidades e dispor de liberdade para administrar os respectivos orçamentos. Mas isso envolve a delicada questão de definir qual é o ponto de equilíbrio a ser buscado em cada caso para combinar a centralização do poder requerida para atender a objetivos nacionais com a descentralização demandada para atender a especificidades regionais.

Desafortunadamente, a economia, a geografia e a demografia não favorecem a ocorrência de qualquer combinação que conduza ao equilíbrio intentado por meio de regras constitucionais, apenas. A concentração das atividades produtivas não gera uma repartição territorial de recursos compatível com o tamanho e o perfil socioeconômico das populações que se distribuem nas diversas unidades que compõem a federação. Não por acaso, portanto, no centro dos debates sobre essa questão situa-se o tema das relações intergovernamentais, isto é, o exame das instituições que regem o relacionamento entre os entes federados, bem como das práticas predominantes.

Quanto maiores forem as disparidades econômicas, sociais e regionais, maiores são as dificuldades para compor um arranjo institucional satisfatório. Ademais, para que qualquer arranjo funcione adequadamente, é indispensável que as regras sejam flexíveis, pois a dinâmica socioeconômica altera a repartição territorial da produção e da população, bem como o perfil social dos habitantes de determinada região, ao passo que mudanças na política interna interferem na operação dos instrumentos utilizados para buscar o equilíbrio, exigindo mudanças frequentes para evitar o acúmulo de distorções.

As transferências intergovernamentais de recursos financeiros são os principais instrumentos universalmente aplicados para buscar a solução mais satisfatória para ajustar a repartição dos recursos financeiros ao tamanho das responsabilidades que recaem nos ombros dos governos regionais. Elas se dividem em duas categorias: as que tratam de atenuar o efeito da concentração das bases tributárias no governo central, buscando atenuar os desequilíbrios verticais mediante a entrega de recursos controlados pela União às unidades que compõem a federação. E as que tratam de reforçar a solidariedade do conjunto por meio da entrega de recursos arrecadados nas unidades economicamente mais fortes para aquelas cuja base econômica é insuficiente para atender às necessidades das respectivas populações.

A natureza e as características dessas transferências constituem o foco principal dos estudos e dos debates sobre as virtudes e os problemas que afetam o universo das federações. Nelas se misturam as questões que exploram o eterno conflito entre centralização, descentralização e autonomia. Como o exercício pleno da autonomia regional só existe quando a autonomia política é sancionada pela autonomia financeira, o tema ocupa lugar central na discussão do federalismo fiscal e no livro que o leitor tem em mãos.

Princípios e conceitos desenvolvidos ao longo do tempo, para guiar o desenho e a operação dos regimes de transferência adotados em distintos países, buscam indicar o caminho para alcançar a equalização fiscal, assim entendida a situação em que a repartição dos recursos financeiros iguala o tamanho dos orçamentos da cada unidade federada ao tamanho das necessidades que eles precisam atender. Mas na prática, nenhum modelo adotado, mesmo aqueles considerados como referência, a exemplo do australiano, é capaz de atender satisfatoriamente à condição para a qual foi concebido.

Ainda que fosse possível alcançar o modelo idealizado pelos especialistas, permanece aberta a questão da autonomia e esse é o aspecto que concentra a preocupação do autor. As transferências devem ser livres, isto é, os recipientes devem dispor de total liberdade para decidir como os recursos serão aplicados, ou é necessário estabelecer condições quanto ao uso dos recursos com o propósito de atender ao princípio de que o Estado nacional deve assegurar a todo o cidadão, independente de onde ele nasceu e vive, iguais condições de acesso aos serviços indispensáveis à ascensão social, como preconiza a figura do moderno estado do Bem-Estar social e como estabelece a constituição alemã?
O autor debruça-se sobre essas questões com a meticulosidade que lhe é peculiar, combinando a exposição de conceitos com a análise da literatura que aborda as aplicações práticas desses conceitos e a realização de uma detalhada análise empírica do caso brasileiro, para destacar as causas principais das distorções existentes em nosso país: a inflexibilidade das regras que comandam as transferências intergovernamentais, a multiplicação de regimes instituídos em distintos momentos do tempo para atender a questões específicas, e as dificuldades enfrentadas para abandonar uma visão ultrapassada das disparidades regionais no território brasileiro que projeta um quadro existente há mais de meio século ignorando as enormes mudanças processadas na geografia econômica regional nesse período.

Para ilustrar o efeito desse último fato apontado, ele se dedica a construir uma nova medida das disparidades regionais na forma de um índice federativo de desenvolvimento, com o objetivo de ressaltar o tamanho das distorções que a preservação da velha matriz regional, nos critérios adotadas para a repartição das modalidades mais importantes de transferências intergovernamentais na federação brasileira, acarreta na maneira como se apresenta hoje em dia a repartição da capacidade fiscal dos estados e municípios brasileiros.

Todas as questões exploradas sobre o tema voltam à cena no capítulo final, no qual proposições para reformar o federalismo fiscal brasileiro para aproximá-lo das melhores práticas encontradas no mundo das federações são discutidas e apresentadas. De novo, como é bem assinalado, não há como extrair paradigmas que orientem a busca de um regime ideal, pois na essência a decisão sobre o grau de redistributividade a ser perseguido em cada caso é eminentemente política.

Isso não significa, todavia, que todo o esforço despendido pelos estudiosos do tema e pela profunda análise do caso brasileiro contida nesta obra se resuma a circular no pequeno universo dos que se dedicam ao tema. Ao contrário, são extremamente relevantes para subsidiar o debate político que deve conduzir às reformas necessárias para alcançar o melhor resultado possível. Nesse debate, será impossível ignorar todas as lições aqui contidas, embora seja imprevisível o tempo em que muitas das ideias expostas de maneira clara e objetiva ajudem a realizar as mudanças que se fazem necessárias no federalismo fiscal brasileiro.

Sérgio me acusa de ter sido o responsável pela sua incursão no mundo das federações. Mas se foi assim não tenho do que me arrepender. O livro que o leitor tem em mãos se tornará uma referência obrigatória para todos que tiverem o interesse e a disposição de seguir seus passos e continuar explorando a diversidade desse universo.

Boa leitura.
Fernando Rezende