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José Ricardo Fucidji

É com muito prazer que o Núcleo de História Econômica do Instituto de Economia (NHIE/IE) da Unicamp traz a lume a coletânea de ensaios a seguir. Em um contexto em que a História é ao mesmo tempo desprestigiada em público e abusada na prática pela desinformação midiática a serviço do poder, é um prazer testemunhar o interesse e o vigor desta área de pesquisa. De fato, há menos razão para lamentar do que para comemorar.

Na área de História do Pensamento Econômico, vários relatos publicados recentemente mostram um fato paradoxal: ao mesmo tempo em que a área vem perdendo espaço nos currículos de pós-graduação em Economia, o número de associações (e sua membresia) e periódicos especializados têm aumentado nas últimas três décadas. Este paradoxo merece consideração, mas há que se destacar aqui a vitalidade da área: (i) ela continua atraente para jovens economistas, que a consideram uma oportunidade de carreira, o que fortalece a resistência à tendência de marginalização da área nos departamentos de Economia mundo em fora; (ii) ela também atrai especialistas de outras áreas das Humanidades, como filósofos, sociólogos, cientistas políticos e antropólogos, entre outros. É comum encontrar pesquisa histórica formulada em termos de análise do discurso ou estudos sociais da ciência econômica. Ainda mais comum é encontrar estudos de historiadores da ciência que se interessam – de certa forma, tardiamente – pela evolução da ciência econômica.

No caso da História Econômica, basta uma breve revisita à sua formação para apercebermo-nos de sua importância. Recebendo impulso ao final do século XIX e institucionalizando-se como disciplina nos anos 1930, a História Econômica, em geral e no Brasil, assistiu à publicação de diversos trabalhos referidos à história do capitalismo. Temas como a industrialização, a propriedade da terra, a relação entre Estado e economia, as estratificações sociais, entre outros, receberam um lugar privilegiado ao longo da historiografia da história econômica. O Núcleo de História Econômica da Unicamp manteve-se sempre a par do debate, trazendo à luz posturas críticas em relação ao capitalismo a partir do estudo histórico de seus elementos e suas estruturas. Não tem sido diferente ao longo dos últimos anos. Ao mesmo tempo que há uma preocupação em se atualizar antigas referências críticas, como o materialismo histórico, tem-se buscado inserir os debates e temas que estão presentes na literatura recente da área. Assim, as novas questões sobre o desenvolvimento capitalista brasileiro; a relação entre economia e política; o tema do consumo e da cultura material (entre outros) são todos importantes em História Econômica mundial no contexto atual e que se encontram devidamente representados nesta publicação eletrônica. Além destes, a coletânea também apresenta questões de historiografia e método (discussão metateórica que não deve ser confundida com métodos de pesquisa práticos) em história das ideias.

Seguindo os passos dos mestres sobre a Formação Econômica do Brasil – como Caio Prado Junior e Celso Furtado – sempre pensamos a História não como uma peça de antiquário, por mais valiosa e prestigiosa que pudesse ser considerada em nossa sala de estar intelectual, mas como uma ferramenta para a compreensão da realidade e dos contextos que produziram as teorias que utilizamos. Isto pelo fato trivial (mas facilmente esquecido) de que só podemos entender quem somos, se tivermos uma compreensão de quem fomos. Os processos históricos, já sabemos, são dependentes da trajetória. Ocorre que, do passado, só temos vislumbres, evidências de qualidade variada, leituras: daí se falar em “narrativas” de Clio. Não se trata de assentir no relativismo pleno e voluntarista das narrativas que produzimos, senão de reconhecer com modéstia a distância entre a narrativa sobre o passado, as evidências que temos para justificá-las e o passado em si – distância que os especialistas chamam de “hiato historiográfico”.

Os textos que constituem esta coletânea, a despeito de sua evidente diversidade, partilham a visão da necessidade do estudo da História e, portanto rejeitam, mesmo que implicitamente, as concepções a respeito da natureza cumulativa do conhecimento econômico. Aí está talvez, a principal razão pela qual os economistas não-historiadores negligenciam a História: se o conhecimento econômico envolve sempre superação positiva, isto é, avanço contínuo do conhecimento (seja porque o mercado de ideias pode ser concebido como “perfeito”, seja porque as conjecturas falsas são continuamente refutadas pelos testes de hipóteses), o estudo da História é um luxo, uma vez que o conhecimento “verdadeiro” se concentra no presente. O custo deste luxo, segue o raciocínio, é medido em horas de esforço que os estudantes desviam do estudo de temas mais áridos e supostamente difíceis, e do treinamento formal e quantitativo. E é um luxo porque a História é simplesmente desnecessária: ou ela é irrelevante – prestando-se apenas a gratificar o pesquisador com a confirmação da sabedoria superior de geração em relação às gerações passadas – ou ela, quando estudada pelos rigores da História Intelectual, os desanima ao apontar o abismo que separa os problemas do presente das ideias do passado. Contudo, se a concepção de superação positiva estiver equivocada (como discutimos nos capítulos finais), então é preciso recuperar (com todas as dificuldades que tal recuperação envolve) as ideias do passado. A relevância deste conhecimento para os problemas do presente é uma questão muito mal compreendida, às vezes exagerando-se o abismo aludido acima. Ora, se o estudo da História lança luz sobre o presente, então é precisamente a noção da distância desta luz que nos previne de equívocos quanto à sua capacidade de iluminação.

Os textos a seguir procuram refletir as pesquisas realizadas pelo Núcleo de História Econômica do Instituto de Economia da Unicamp. Alguns destes trabalhos são reimpressões de trabalhos já divulgados, outros são totalmente inéditos, mas todos têm por objetivo mostrar ao leitor quais são as preocupações de pesquisa de seus autores. A diversidade teórica e metodológica aqui retratada, pensamos, não passa por defeito, mas pela qualidade que se tornou senso comum chamar de pluralismo – que, como nos lembra Geoffrey Hodgson, deve ser exercido com responsabilidade para que não se confunda diversidade com licença à livre expressão da incoerência.

Boa leitura!