Fábio Antonio de Campos e Fernando Cézar de Macedo
Os textos que compõem este livro representam uma pequena parte do acervo produzido nos últimos anos pelos professores e ex-alunos do Centro de Estudos do Desenvolvimento Econômico – CEDE, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp. Como o leitor poderá constatar, na sua maioria não são trabalhos inéditos, mas foram agrupados aqui para atender à pertinente demanda da Comissão de Pesquisa do IE que vem trabalhando dedicadamente para organizar a produção dispersa de seus professores em obras como esta: livros eletrônicos que possam reunir e disponibilizar, em um só lugar e de forma aberta, parte de sua produção acadêmica, distribuída em capítulos de livros, textos para discussão, artigos em periódicos e relatórios de pesquisas, nem sempre de fácil acesso.
O CEDE tem como eixo principal de suas pesquisas a problemática do desenvolvimento econômico em suas múltiplas determinações espaciais no Brasil e na América Latina. A tradição deste Centro sempre foi a de entender o desenvolvimento do capitalismo – brasileiro em especial – numa perspectiva histórica e nos marcos de uma economia cada vez mais subordinada aos ditames da geopolítica dos países centrais que aprofunda as práticas imperialistas e interditam, sistematicamente, a superação do subdesenvolvimento. Especialmente neste momento em que o processo civilizatório – promessa histórica (e hoje visivelmente inalcançável) do capitalismo – retrocede sob a dominação financeira dos mercados que impõe ataques e recuos às conquistas sociais por todo mundo, especialmente na América Latina.
Por seu porte econômico e diversificação produtiva, o Brasil talvez seja o caso mais bem acabado na América Latina dessa tragédia histórica que nos fechou as portas para o desenvolvimento econômico e pulverizou antigos sonhos primeiromundistas. O tempo presente não apenas impossibilita o tão almejado ajuste de contas com o passado como reproduz nos dias de hoje, de forma aprofundada, aquele passado, em bases sociais cada vez mais precárias, posto que conquistas civilizatórias importantes, porém insuficientes das fases ascendentes do nosso desenvolvimentismo, estão sob ataque sistemático. Como diria o poeta: “eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades”.
Lembrando igualmente o mestre Furtado, nunca foi tão grande a distância entre o Brasil que foi sonhado pela geração pioneira, autêntica e verdadeiramente nacionalista de nossos primeiros desenvolvimentistas, e o Brasil de hoje tão discutido pelos neodesenvolvimentistas1 aderentes à ordem globalizada, ainda a sonhar com a utopia de um Brasil update, como se a escada já não tivesse sido chutada a tanto tempo como nos lembra Chang ao parafrasear o economista germânico List do século XIX.
Pode ser que seja esse o fio condutor que amalgame trabalhos que foram produzidos em contextos diferentes e com metodologias distintas, por professores que não necessariamente convergem teoricamente em suas abordagens. Os capítulos desse livro buscam entender, sob perspectivas diferenciadas e em múltiplas escalas, os dilemas do Brasil contemporâneo nos marcos do imperialismo.
Vale ressaltar que a ação do imperialismo na formação econômica brasileira não constitui algo exógeno, que possa ser classificado como apenas refratário (“de fora para dentro”), senão um elemento endógeno, constituinte do nosso subdesenvolvimento, de sorte a unificar organicamente interesses desde o capital internacional aos da burguesia nativa, selando a condição dependente e subordinada. Subdesenvolvimento manifesto na segregação social que se mostra também como um verdadeiro apartheid; ou ainda, de um colonialismo cultural que estrangula as capacidades internas de pensar outras formas de desenvolvimento, quiçá pós-desenvolvimentistas.
Numa dinâmica específica do padrão de luta de classes, muito mais uma violenta guerra social entre a minoria proprietária e a grande massa despossuída de condições básicas para sua existência material, este capitalismo da miséria teceu sua reprodução em um experimento inovador e avançado de acumulação primitiva – chamado colonização. Toda uma sociedade voltada para os negócios externos foi montada e dela nasceu uma classe dominante de mando, poder, repressão e cooptação nos estertores escravistas, cuja população não proprietária e submetida ao jugo senhorial, além de servir como substrato à reciclagem dos negócios mercantis, sempre foi vítima de uma sociopatia de face racista, patriarcal e genocida que define neste território um permanente cotidiano de barbárie. Não por acaso, o presente em nossa vida social sempre se confunde com o passado, eclipsando o futuro.
Seria deste mesmo passado, específico da América portuguesa, que se permitiu criar uma plataforma singular para que o imperialismo se plasmasse e dele pudesse nascer até uma diferenciação econômica que originou a indústria.
Embora muitos lutassem e acreditassem que ela poderia se tornar um meio irreversível para a construção do desenvolvimento nacional, de modo a sepultar definitivamente o subdesenvolvimento, o imperialismo, complexamente articulado internamente, assim como serviu no Brasil para dinamizar as forças produtivas no nível mais elevado da América Latina, também trouxe seu ocaso, em que as evidências atuais revelam que a construção de uma capitalismo autônomo não fora apenas interrompida, mas, talvez, implodida.
Em tal colapso socioeconômico brasileiro, cuja tragédia social se combina à devastação ambiental que se exprimem na crise estrutural do capital da atualidade, novamente o espaço econômico brasileiro se mostra como a vanguarda da barbárie e das expressões mais violentas que o imperialismo pode assumir em sua apropriação da vida em nome do lucro – uma verdadeira economia política da morte!
Boa leitura!