ARTIGO ACADÊMICO

 

Marco Antonio Rocha* | Jornal dos Economistas

 

Com quase meio mandato completo do governo do Partido dos Trabalhadores, o cenário econômico reflete aparente tranquilidade, a despeito do “terrorismo fiscal” praticado em certas análises: a economia cresce a ritmo modesto – mas superior à média dos anos anteriores –, a inflação mostra-se controlada e não há sinais para grande preocupação relativa ao setor externo. Entretanto, se alguma lição vale ser tirada do processo eleitoral recente nos Estados Unidos, talvez seja a de que apenas entregar uma economia “nos trilhos” é insuficiente para garantir a reeleição. Principalmente pelo fato de que a percepção sobre o quanto a economia está indo bem ou não depende de como cada um interpreta a realidade, e nisso há sempre muita disputa no debate público, sendo incerto dizer quem irá se apropriar do lado positivo e quem ficará com a responsabilidade pelo lado negativo do cenário econômico.

O poder de compra dos salários foi duramente atingido com a inflação acumulada nos anos pós-pandemia. A estrutura ocupacional vem sofrendo com a precarização dos processos de trabalho, e para uma parcela considerável da população, sobretudo entre os mais jovens, o futuro não parece nada animador. A promessa do governo Biden de entregar um plano de desenvolvimento moderno, com efeitos profundos na criação de novos empregos e atividades, frustrou-se, resultando em uma política industrial “velha guarda” que contempla setores com pouca capacidade de geração de novos empregos de qualidade. Tudo isso resultou em um terreno fértil para a criação de uma contranarrativa e para a derrota eleitoral.

Esse cenário deve servir de alerta sobre as condições econômicas que contribuem ou não para uma vitória eleitoral. Uma das lições importantes que as eleições nos Estados Unidos ensinaram foi a de que é necessário aprofundar e avançar no processo de mudança estrutural das economias, no sentido de uma maior participação dos novos setores e atividades, com a sofisticação da produção tecnológica. Essa pauta representa a possibilidade da criação de novas formas de inserção no mundo do trabalho, em atividades de maior valor agregado e com maior capacidade de gerar atividades complementares nos setores de serviço.

Voltando ao governo do Partido dos Trabalhadores, o atual mandato começou com a apresentação de pelo menos três pautas estruturantes nesse sentido: a Nova Indústria Brasil (NIB), o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC) e o programa de Transformação Ecológica. Todos esses eixos são não só estruturantes da economia brasileira no médio e longo prazo, como também as principais propostas econômicas do governo para estabelecer um diálogo com alguns setores da população que se afastaram da esquerda e que não se veem contemplados pela atual gestão. No entanto, essas agendas precisam avançar com maior celeridade e produzir algum efeito econômico ainda neste mandato.

O segundo governo Trump deve aprofundar o cenário de disputa internacional, avançando ainda mais na deterioração do multilateralismo comercial e gerando prováveis reações, com a ampliação da utilização de instrumentos discricionários de política industrial e comercial. A disputa comercial, por sua vez, deve afetar crescentemente os mecanismos de concorrência por meio dos preços relativos, tornando as práticas protecionistas cada vez mais disseminadas, caso Trump avance em suas propostas de campanha. Nesse sentido, será fundamental que a indústria brasileira se posicione por meio de seus próprios instrumentos de fomento.

A cambaleante indústria brasileira pode responder a esse cenário de duas formas: avançando na construção de um projeto de maior estímulo e fomento às atividades inovativas e de maior valor agregado, ou protegendo os setores de baixa e média-baixa tecnologia que concentram a produção nacional, ampliando a utilização de insumos e bens de capital importados e aumentando a pressão para a redução do chamado “Custo Brasil”. Sem criar uma resposta adequada a esse novo cenário, haverá pouca possibilidade de obter maior crescimento econômico e maior sofisticação das vagas de emprego geradas, de inserção profissional mais qualificada.

O recorte das agendas estruturantes do governo não é simples e depende de se construir uma governança adequada e uma interface maior entre esses eixos de políticas de desenvolvimento do governo Lula 3. Mas também depende da provisão adequada de recursos, com fluxo estável e confiável, condições para o bom funcionamento de muitos dos instrumentos de fomento “pelo lado da demanda”, contidos nas formas de articulação entre as agendas de desenvolvimento do atual governo. Nesse sentido, 2025 será o ano para solucionar as disputas das agendas no interior do governo, para que em 2026 não se tenha apenas uma economia andando de forma regular para disputar as eleições.

A reestruturação de muitas das políticas sociais que haviam sido praticamente destruídas e o impedimento do processo de desestruturação do Estado que estava em curso podem garantir a reconstrução do lulismo em sua base mais popular. No entanto, pouco avançam no diálogo com os setores das classes médias. Para isso, é imprescindível avançar na mudança estrutural da economia brasileira, para uma maior sofisticação da sua estrutura de produção e serviços, condição necessária para promover maior ascensão social e maior capacidade de se proteger das incertezas que se avolumam no cenário externo. O ano de 2025 será decisivo para definir a cara do governo Lula 3 e construir uma percepção sólida de avanços na economia. A simples evolução da economia brasileira em “modo cruzeiro” durante 2025 jogará qualquer melhoria econômica em uma disputa de narrativas para as eleições de 2026, em um cenário global adverso para o setor produtivo no Brasil e com a possibilidade de novos choques de preços internacionais.

 

* É professor associado e livre-docente do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (Neit-IE/Unicamp).

 

1) Fiz uma consulta à inteligência artificial: “O modo de cruzeiro, também conhecido como controle de cruzeiro ou piloto automático, é um sistema que mantém um veículo a uma velocidade constante sem a necessidade de acionar o pedal do acelerador. É ideal para viagens mais longas, em estradas, onde é preciso manter uma velocidade constante.”