ARTIGO ACADÊMICO

 

Celio Hiratuka, Fernando Sarti, Camila Veneo C. Fonseca e Thiago N. Sugimoto | Fiocruz

 

A crise da Covid-19, para além da tragédia humana e sanitária que vem provocando, de um lado, mostrou a capacidade do conhecimento científico e tecnológico em dar resposta rápida ao desafio de criar vacinas em tempo recorde. De outro, deixou explícito como esse poder está distribuído de maneira extremamente desigual entre os países, fato que se traduziu também em um acesso bastante desigual à vacinação.

De acordo com relatório apresentado na reunião do G-20 (WHO, World Bank, 2022) no início de 2022, mais de 11,3 bilhões de doses de vacinas contra a Covid-19 tinham sido aplicadas globalmente, com 65% da população mundial tendo acesso a, ao menos, uma dose. No entanto, nos países de baixa renda, o índice de vacinação era de apenas 11%, contra 73% nos países de alta renda.

Esse resultado é fruto não apenas da ausência de mecanismos mais ativos de cooperação internacional, mas, ao contrário, do recrudescimento do nacionalismo que já vinha se mostrando desde a crise global de 2008 e que a crise da Covid-19 acelerou e explicitou, com a adoção generalizada de restrições à exportação de insumos associados a vacinas, medicamentos e equipamentos médicos para o enfrentamento da pandemia.

Os traumas da crise também deixaram claro a importância da articulação entre o domínio de capacidades científicas, tecnológicas e industriais e a capacidade de oferecer serviços de saúde e segurança sanitária para o conjunto da população. Ou seja, tornou explícita a importância do próprio conceito do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), que destaca a necessidade de pensar de maneira articulada questões relacionadas ao desenvolvimento produtivo e tecnológico com questões atreladas ao acesso equitativo a serviços de saúde como direito de todos os cidadãos de um país.

Para além do enfrentamento de uma pandemia, enfrentar o desafio de garantir o acesso de toda a população à saúde de maneira equitativa não pode ser dissociado do desafio de avançar na construção de bases produtivas e tecnológicas nacionais robustas. Esse duplo desafio, por sua vez, deve levar em conta o cenário de profundas mudanças pelas quais vem passando o CEIS global.

Buscamos destacar que esse cenário reflete mudanças na própria dinâmica de acumulação no capitalismo financeirizado contemporâneo, mas que, observado a partir do CEIS, revela a extensão e a profundidade desse duplo desafio para os países em desenvolvimento em geral e para o Brasil em particular.

 

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